Intolerância a pobre

Por Inês Campelo*, no Marco Zero Conteúdo

Não sei você, mas a minha sensação nessa última semana foi de que a intolerância a pobre se alastrou como se fosse um (velho) vírus. Me fez lembrar, inclusive, de uma frase da minha falecida avó Inez: pobre, minha filha, nasceu pra morrer à míngua.

No último domingo recebi a notícia de uma desocupação em Aracaju.

Direito à moradia é constitucional!

A primeira imagem, de uma retroescavadeira na avenida Ivo Prado, na frente do prédio ocupado por cerca de 70 pessoas, entre crianças e idosos, era tão chocante que me fez duvidar.

Passei um tempo assistindo aos vídeos de desespero e tentativa de resistência. Chamou a atenção um portão pequeno, de aparência ainda mais frágil do que a daquelas pessoas, ser escorado por uns três homens. Três homens contra a retroescavadeira. As famílias gritavam por cadeiras para isolar a entrada da edificação. Cadeiras contra a retroescavadeira. Sei lá, 50 pessoas contra a PM sergipana pronta para invadir com armas e escudos.

Cobri uma ocupação de dentro. Das horas que antecederam a entrada no prédio até o último minuto da Ocupação Marielle Franco, aqui no Recife, na praça do Diário. Vi, como também dizia a sábia Inez, com os olhos que a terra há de comer, a força de quem não podia se permitir morrer à míngua.

Vi a dignidade da luta por um teto.

Na terça, mais uma cacetada. A ocupação Bondade era a atacada da vez. Também pudera, com um nome desse em terra de Senhor! A PM pernambucana tentava cortar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) pela raiz. Tirou à força, debaixo de tiro de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio as 200 famílias que ocupavam o Engenho Bonfim, em Amaraji – terras improdutivas. Ao fim, tocou fogo nos barracos, como se faz nas plantações de maconha e cana-de-açúcar.

Conheci assentamentos do MST, vi de perto, com os mesmos olhos, o poder da agricultura familiar mudar vidas. A beleza das cooperativas agrícolas. Tenho visto, com mais frequência ainda, os produtos dessa agricultura matarem a fome de tantos brasileiros nessa pandemia.

Desculpem o termo. Tem sido foda viver no “planeta Brasil”. Uma polícia pobre, intolerante a pobres, comandada por uma elite pobre, ao menos de alma!

Inês Campelo é cofundadora e presidenta do Conselho Diretor da Marco Zero Conteúdo .

Fonte FPCTVR.

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