por Sam Cowie, em Mongabay
- Uma área três vezes maior que o município de São Paulo foi destruída por madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais entre os anos de 2018 e 2020 na bacia que abrange territórios dos estados de Pará e Mato Grosso.
- O corredor verde de reservas indígenas e unidades de conservação corre o risco de ser cortado ao meio, com grileiros avançando por ambos os lados em municípios com altos níveis de desmatamento.
- Especialistas ouvidos pela Mongabay dizem que o aumento da destruição reflete um sentimento generalizado de impunidade na região, alimentado pela retórica anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro.
Desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, a bacia do Rio Xingu, uma das regiões de maior biodiversidade da Amazônia brasileira, está sofrendo com uma explosão de desmatamento ilegal.
De acordo com um relatório recente da Rede Xingu+, baseado em seu sistema de monitoramento de desmatamento Sirad, entre 2018 e 2020, madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais destruíram 5.135 km2 de floresta – área três vezes maior que o município de São Paulo..
O Sirad, um sistema de monitoramento por radar de desmatamento quase em tempo real, utiliza uma série de algoritmos que processam informações do satélite Sentinel-1, na plataforma Google Earth Engine (GEE), monitorada por analistas da Rede Xingu+.
Os especialistas detectaram o que dizem ser um aumento alarmante do desmatamento dentro das 23 reservas indígenas e nove áreas de floresta protegida que formam um “corredor verde” ao longo da bacia do Xingu, que abrange porções dos estados de Pará e Mato Grosso – o primeiro é o lar da maior parte da destruição recente.
Embora grande parte da atividade ilegal dentro dessas áreas protegidas seja muito anterior à era Bolsonaro – exploração madeireira e mineração ilegal dentro das reservas indígenas Cachoeira Seca e Kayapó, por exemplo – especialistas entrevistados pela Mongabay disseram que a repentina escalada de 2018 em diante seria o efeito de uma intensificação na sensação de impunidade na região.
“O aumento do desmatamento dentro dessas áreas protegidas reflete claramente a expectativa de que elas possam ser reduzidas ou revertidas [em áreas destinadas a atividades econômicas]”, diz Biviany Rojas, coordenadora do programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA).
Corredor da Bacia do Xingu pode ser dividido ao meio
O desmatamento avançou na Floresta Estadual de Iriri, com grileiros invadindo ilegalmente dos dois lados de São Félix do Xingu, o município brasileiro com mais cabeças de gado – 2,2 milhões, segundo os últimos dados do IBGE – e Novo Progresso, às margens da rodovia BR-163, local do infame “dia do fogo” em 2019.
Essas duas frentes de desmatamento estão agora a menos de 50 quilômetros uma da outra. “Se isso acontecer, o corredor será cortado em dois”, explica Ricardo Abad, analista de geoprocessamento do ISA. “Seria quebrar um corredor ecológico muito importante para a região e para o planeta.”
De acordo com o relatório, em 2012, seis anos após a criação da Floresta Estadual de Iriri, havia 39 propriedades cadastradas dentro da área no Cadastro Ambiental Rural (CAR), abrangendo 573 km2 de terras, o equivalente a mais de um oitavo da área total do parque ostensivamente protegida.
Hoje, existem 201 propriedades reivindicadas e registradas ilegalmente no CAR na Floresta Estadual de Iriri, cobrindo 3.970 km2 de terra, mais que três vezes a área do município do Rio de Janeiro e cobrindo 90% do território.
A Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, que faz divisa com a Floresta Estadual do Iriri, continua sendo a unidade de conservação mais atingida da bacia, com 933 km2 de floresta e vegetação nativa destruídos de 2018 a 2020.
De acordo com o relatório, a magnitude do desmatamento registrado dentro da unidade de conservação, com áreas de até 14 km2 sendo desmatadas em uma única empreitada, ilustra os poderios econômico e político e a capacidade de ação dos grupos responsáveis.
Quase 40% da cobertura florestal da APA Triunfo do Xingu já foi desmatada, principalmente em decorrência da pecuária. Embora o status da reserva permita atividades econômicas, analistas afirmam que a falta de planejamento para a produção sustentável e a queda nas fiscalizações significam que o desmatamento continua em ritmo intenso.“É como se não tivesse regras”, diz Abad, do ISA.
Ao todo, de 2018 a 2020, cerca de 1.200 km2 de desmatamento foram detectados em unidades de conservação na Bacia do Xingu, enquanto 660 km2 de desmatamento foram detectados no interior de reservas indígenas da região.
Em 2019, primeiro ano da presidência de Bolsonaro, houve um aumento de 38% do desmatamento nas reservas indígenas e 50% nas unidades de conservação da bacia. Desde que começou a fazer campanha em 2018 e durante sua presidência, Bolsonaro tem frequentemente criticado o que vê como uma quantidade excessiva de terras na Amazônia brasileira alocadas para reservas indígenas ou áreas florestais protegidas. Ele culpa essa situação por sufocar o crescimento do setor do agronegócio, apesar de as áreas protegidas no Brasil representarem 29% do território total do país, ante 37% para a agricultura, segundo dados da ONG MapBiomas.
“Aqui em Rondônia existem 53 unidades de conservação e 25 terras indígenas”, disse Bolsonaro durante a campanha de 2018 em Porto Velho, capital do estado, um dos mais desmatados da Amazônia e bastião de sua base de apoio. Desde o início de sua presidência em janeiro de 2019, também foram pautados projetos que pedem anistia para grileiros e legalização da mineração em reservas indígenas, além de desfazer restrições às exportações de madeira amazônica.
Enquanto isso, agências como o Ibama, órgão federal de proteção ambiental, sofreram cortes no orçamento, demissões de altos funcionários e intimidação, afetando sua capacidade de realizar operações complexas para desmantelar redes criminosas organizadas na Amazônia e na região do Xingu, afirma Biviany Rojas, do ISA.
“Os números mostram que, quando essas operações são suspensas, há um efeito imediato de aumento do desmatamento”, contextualiza, apontando exemplos na região do Xingu. Em abril do ano passado, o diretor de proteção ambiental do Ibama e dois coordenadores de fiscalização foram demitidos, além de as operações na região do Xingu terem sido suspensas, após a exibição de um vídeo no Fantástico que mostrava equipamentos ilegais de mineração em reservas indígenas sendo destruídos.
Até então, as operações de aplicação da lei haviam conseguido reduzir as taxas de desmatamento. Mas, daquele ponto em diante, as derrubadas ressurgiram nas reservas indígenas Cachoeira Seca, Trincheira Bacajá e Apyterewa, todas na região do Xingu.
Apesar da tendência, alguns sinais mais recentes podem indicar um recuo nos índices de desmatamento. O Ibama impôs recentemente uma multa de 106 milhões de reais (quase US$ 20 milhões) a um homem acusado de chefiar uma gangue responsável pela grilagem de terras no interior da Terra Indígena Ituna/Itatá, causando 210 km2 de desmatamento entre 2018 e 2020. o início deste mês, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como parte de uma investigação sobre a extração ilegal de madeira.
Imagem de satélite revela área de mineração próxima à vila de Turedjam, na Terra Indígena Kayapó (PA). Foto: Rede Xingu+/divulgação.