Historiadora Lilia Schwarcz traça paralelo entre a gripe espanhola e a pandemia de Covid-19 em evento do STF

Para a professora, a história guarda lições para que a sociedade atual aprenda com os erros e acertos do passado

STF

A antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz participou, nesta sexta-feira (11), do evento virtual “Registros históricos em períodos de pandemia: um olhar para a Covid-19”, promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A professora da Universidade de São Paulo (USP) e de Princeton, nos Estados Unidos, traçou um paralelo entre a gripe espanhola de 1918 e a atual pandemia da Covid-19 e destacou as lições que a sociedade deve apreender com a crise.

Lilia iniciou a apresentação lembrando que, na pesquisa que embasou seu último livro, “Bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil”, em parceria com Heloísa Starling, encontrou poucos registros históricos a respeito do assunto. Na Europa, a 1ª Guerra Mundial devastava o continente, e a imprensa não tinha as liberdades que hoje lhes são garantidas. Foi então que os jornais da Espanha (daí o nome gripe espanhola) começaram a comentar a doença, que já atingia vários países, mudando, inclusive, os rumos das batalhas.

Apesar do nome pelo qual ficou conhecida, a gripe, na verdade, chegou na Europa num navio proveniente dos Estados Unidos, mais especificamente de um forte no Texas que preparava soldados para a guerra. “O que os EUA não sabiam é que eles estavam levando duas armas, as físicas e a biológica”, observa a professora. Segundo ela, a “gripe espanhola” era conhecida como “francesa”, na Espanha, e, ainda, como “gripe bailarina” e “gripe dos três dias”, em razão de sua letalidade, que matava famílias inteiras em curto tempo.

História se repete

Exibindo recortes de jornais da época, a historiadora demonstrou como a gripe chegou ao Brasil a bordo do navio Demerara, que a trouxe da Inglaterra. A partir de então, Lilia passou a demonstrar uma série de paralelos entre a situação ocorrida no Brasil em 1918 e agora, no início do século XXI.

Uma dessas coincidências foram os protocolos adotados na época, que variavam entre o uso de máscaras, o incentivo para que se lavassem as mãos e o fechamento de escolas e igrejas, que passaram a receber grande número de doentes como hospitais de campanha. Por outro lado, a antropóloga ressaltou que “tempos de pandemia são tempos de desassossego”, o que levou à proliferação de muitos boatos sobre a gripe por todo o país.

Lilia citou que, no Rio de Janeiro, espalhou-se a notícia falsa de que a melhor saída para se livrar da gripe seria tomando caldo de galinha. Em São Paulo, a receita era a célebre caipirinha. No Rio Grande do Sul, o tradicional chimarrão foi proibido, mas com fundamentação, pois evitava o compartilhamento de itens para seu consumo. No Pará e na Bahia, a população se rendeu a santos e orixás clamando pela cura.

Desigualdades

Assim como ocorre atualmente no Brasil, a gripe espanhola foi desigual, aponta a professora. Apesar das poucas informações disponíveis, ela afirma que as populações indígenas e negras foram profundamente afetadas, visto que a abolição havia ocorrido poucas décadas antes. A diferença foi demonstrada nas imagens de funerais da elite, no Cemitério da Consolação, em São Paulo, de um lado, e os caixões empilhados e enterros em valas comuns, do outro.

Lições práticas

Para a historiadora, o estudo da história pode nos fornecer valiosas lições tanto dos erros quanto dos acertos. O papel da imprensa foi tão importante antes como é agora. Ela rememora que, em razão da censura estatal sobre as informações, comum em 1918, somente por meio do trabalho da imprensa a sociedade teve acesso aos números e à gravidade da gripe espanhola.

Em relação à Covid-19, a professora acredita que a necessidade do distanciamento social despertou uma tendência por regimes híbridos de trabalho. “Pudemos concluir que nem todas as reuniões precisam ser presenciais”, disse. Por ser, também, editora, Lilia avalia que o número de leitores deve aumentar.

Por outro lado, a história também mostra que, com a sensação de que a pandemia está próxima do fim, as pessoas tomam as ruas “em ato de desespero ou esperança”. Por isso, alerta para a importância de não esquecermos que as medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus seguem em vigor. “Espero que a humanidade possa se reinventar”, concluiu.

SAE Talks

O evento “Registros históricos em períodos de pandemia: um olhar para a Covid-19” faz parte do projeto SAE Talks – Ideias que aprimoram o Supremo, organizado pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação (SAE) do STF, com o objetivo de promover o intercâmbio de experiências e a produção de conhecimento. Na edição anterior, o embaixador do Brasil junto às Nações Unidas, Ronaldo Costa Filho, apresentou questões relacionadas à Agenda 2030.

GT//CF

A historiadora e antropóloga Lilia Schwarzc, em seu escritório. Foto: Renato Parada /]Divulgação

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

cinco × cinco =