MPF recorre ao STF e STJ para anular mudança de coordenador regional da Funai sem consulta a povos indígenas

Consulta prévia acerca de medidas administrativas e legislativas que afetem os povos indígenas e tribais é prevista em convenção da OIT, da qual o Brasil é signatário

MPF

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com objetivo de anular a mudança do coordenador regional Litoral Sudeste da Fundação Nacional do Índio (Funai), feita pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública sem consulta prévia aos povos indígenas afetados pela mudança. A Coordenação Regional Litoral Sudeste, com sede instalada no Município de Itanhaém (SP), tem sob sua jurisdição sete Coordenações Técnicas Locais, que atendem aproximadamente 60 aldeias indígenas dos povos Guarani, Guarani Mbya e Guarani Nhandeva, Kaingang e Terena.

Os recursos foram apresentados em um agravo de instrumento no curso de Ação Civil Pública movida em dezembro de 2019 pelo Ministério Público Federal, na 1ª Vara da Justiça Federal de São Vicente (SP). A ação pedia liminarmente que fosse suspenso o ato de exoneração de Cristiano Vieira Gonçalves Hutter e a nomeação de Roberto Cortez de Souza para exercer o cargo de coordenador regional Litoral Sudeste, com a consequente reintegração imediata do coordenador exonerado. O pedido tem como fundamento o fato de os povos indígenas afetados pela mudança não terem sido previamente consultados, como determina o artigo 6 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

A mudança ocorreu em novembro de 2019. O MPF expediu uma recomendação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que nem sequer respondeu à recomendação. Diante disso, em dezembro daquele ano o MPF ingressou com a ação. No entanto, a Justiça Federal negou o pedido liminar, levando o MPF a recorrer (agravo de instrumento).

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), no entanto, negou provimento ao recurso de agravo de instrumento, sob o argumento de que a mudança de coordenação era apenas um ato administrativo, sendo prevista na Constituição a discricionariedade da Administração Pública para escolher pessoas para ocuparem cargos em comissão ou exercerem funções de confiança, desde que preenchidos os pressupostos legais. O Tribunal também afirmou que a nomeação de um novo dirigente da coordenadoria, por si, não representaria qualquer prejuízo aos interesses dos povos indígenas e que nada teria sido apresentado pelo MPF que o desabonasse. O acórdão ainda fez a ressalva de que, caso houvesse um ato concreto do novo coordenador que pudesse afetar os povos indígenas, a situação seria diferente.

Os recursos – Após apresentação de embargos, a procuradora regional da República Maria Luiza Grabner ingressou com os recursos especial (ao STJ) e extraordinário (ao Supremo). Em seus recursos, a procuradora ressalta que “o dano a que o TRF3 nega ocorrência já está configurado pelo fato de a comunidade indígena não ter sido consultada previamente, não tendo participado da alteração administrativa consistente na mudança abrupta e injustificada do coordenador Regional Litoral Sudeste da Fundação Nacional do Índio”.

Os recursos também lembram que “não se exige ocorrência de um fato pontual ou um ato concreto que desabone a conduta do novo nomeado”. Aliás, se fosse necessário um fato para posteriormente os indígenas serem consultados, a lógica seria contrária ao que está na convenção, pois a consulta deixaria de ser prévia.

O MPF destaca que é evidente o dano aos direitos dos indígenas, posto que o coordenador é o responsável pela interface entre a comunidade indígena e a Funai, cabendo a ele a adoção de políticas de promoção dos direitos dos índios e, consequentemente, de medidas que impactem diretamente na população indígena da região. Acrescentou, ainda, que enquanto o coordenador anterior possuía tanto a aceitação dos povos indígenas, quanto larga experiência na área e na região, onde atua há quase duas décadas, o novo coordenador regional da Funai, escolhido à revelia da comunidade, é uma pessoa desconhecida dos povos indígenas e não possui nenhuma expertise na matéria, sendo até então tenente reformado.

Em seu recurso ao Supremo, o MPF ainda aponta para a repercussão geral do caso, por sua relevância para as discussões sobre os direitos indigenistas no país. Isso porque uma decisão do Supremo evitará a multiplicidade de decisões divergentes e a insegurança jurídica relativa à não observância da previsão constitucional de reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios, o que implica, inclusive, que as comunidades indígenas sejam consultadas previamente a respeito de medidas administrativas que lhes atingem, como previsto na Convenção 169 da OIT.

Após julgada a admissibilidade dos recursos apresentados pelo MPF, eles devem seguir para o STJ e o STF, onde serão julgados.

Processo nº 5003271-09.2020.4.03.0000

Processo de origem: 5004629-50.2019.4.03.6141

Recurso Especial. 

Recurso Extraordinário

Arte: Secom/MPF

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