Alvo de garimpeiros, Yanomami estão sem atendimento de saúde e impedidos de caçar e pescar

Por Ana Lucia Montel, em Amazônia Real

Boa Vista (RR) – Alvo de ataques a tiros no dia 10 de maio, a comunidade Palimiu, na Terra Indígena Yanomami, já sofre intimidação desde o dia 24 de abril. Sem proteção e segurança do Estado brasileiro, a comunidade está impedida de buscar seu sustento; não pode sair para caçar, nem pescar. Para completar, os sintomas de malária estão cada vez mais frequentes sem que os indígenas sejam examinados porque os profissionais do Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami e Yekuana (Dsei) deixaram de fazer atendimento por receio das ameaças dos garimpeiros.

“A comunidade não tem paz desde o dia 24 de abril. Hoje ela encontra-se sem equipe de saúde. Nossa preocupação na comunidade Palimiu é com a malária, porque a área é endêmica. Todas as crianças, alguns jovens, mulheres, idosos, podem pegar a malária. Nossos parentes estão desassistidos. Alguns estão apresentando sintomas. Esses ataques estão acabando aos poucos com as vidas dos nossos parentes”, disse Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital Indígena Yanomami Yekuana à Amazônia Real.

No último domingo (13), um novo ataque aconteceu em Palimiu. Durante o tiroteiro dos garimpeiros, os Yanomami se esconderam no mato, segundo nota da Hutukara Associação Yanomami (HAY). A Huturaka também alerta que, desde os ataques, a comunidade está sem atendimento médico.

Os ataques no território Yanomami estão se espalhando para outras aldeias. No 10 de junho, lideranças da comunidade Maikohipi sofreram novas ameaças físicas, quando os garimpeiros chegaram pelo rio e gritando “vem viado, vamos conversar, aparece aí”, segundo relatou outra nota da Hutukara. Durante o ataque, os garimpeiros mataram um cachorro dos Yanomami da aldeia Maikohipique latia na beira do rio. A mesma comunidade já havia sido atacada cinco dias antes.

Segundo o presidente do Condisi, as autoridades de saúde ligadas à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à qual o Dsei Yanomami é subordinado, não tem plano e nem equipe na região.

“Os indígenas estão praticamente sozinhos buscando formas de sobreviver, de se manter vivo. Esses ataques tem que acabar urgente, para que nosso povo seja tratado. Nossos parentes estão doentes, não sabem como viver, estão presos dentro da sua própria terra”, denunciou.  

Governo mandará Força de Segurança

Na segunda-feira (14), o Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizou o uso de Força Nacional de Segurança na região. A portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU), foi assinada pelo ministro Anderson Torres e tem validade de 90 dias, prorrogáveis. Para as lideranças, o envio das forças está atrasado, porque os ataques se agravaram desde o ano passado, sem respostas do governo federal.

“Fizemos várias denúncias e encaminhamos às autoridades. Ano passado eu estive em Brasília e mostrei para o Mourão o risco e as ameaças crescendo. Mostrei um mapeamento onde esses garimpeiros estão, onde pousam com os aviões, então agora que foi autorizado a força nacional na Terra Indígena Yanomami. Vamos ver se vai acontecer, ainda não recebemos nenhum documento oficial para a Força Nacional entrar na Terra Indígena, estamos aguardando”, afirmou Dário Kopenawa Yanomami, que está desde ontem (14), em Brasília, participando de uma grande mobilização indígena contra a política antiindígena do governo Bolsonaro e de parlamentares.

Mesmo com a autorização para que a Força Nacional de Segurança atue na Terra Indígena Yanomami, as lideranças temem que o problema não seja resolvido.

“Eu, com a visão que tenho do povo Yanomami, não sei ainda como será daqui pra frente. Nesses 90 dias, se realmente vai ser eliminado os garimpeiros ilegais, ou não, nós sabemos que o governo vai pra acalmar, mas nós povo yanomami queremos que o garimpo seja eliminado, não queremos helicóptero voando na nossa terra assustando nosso povo, não queremos que quebrem nada, que destruam mais do que já está destruído, só queremos que o garimpo acabe”, alertou Dário.

Durante coletiva virtual nesta terça-feira (16), direto de Brasília, transmitida pelas redes sociais da deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), Dário Kopenawa questionou também sobre como os garimpeiros estão conseguindo se manter nos territórios indígenas, tendo em vista as constantes denúncias feitas pelo movimento indígena ao poder público.

“Eu estou preocupado com esses ataques. Morreram as nossas crianças durante tiroteio, eram crianças inocentes, e quem vai pagar por essas vidas? Os garimpeiros? O governo? Os nossos parentes não têm nenhuma segurança. As autoridades não estão atendendo às nossas reivindicações”, disse.

“Os órgãos púbicos estão apoiando essa atividade de garimpo ilegal para fortalecer a chegada dos garimpeiros. Por isso tem muitos maquinários pesados. São trinta pontos de Wi-Fi na terra indígena Yanomami. Os nossos territórios estão impactados, já são mais de duas mil hectares destruídas pelo garimpo na terra indígena”.

Amazônia Real entrou em contato com o Ministério da Justiça para saber quando a Força Nacional de Segurança irá atuar na região Yanomami e como será realizado o plano de segurança contra os ataques sofridos pelos indígenas, mas o órgão não respondeu.

Lideranças indígenas de Roraima, das terras indígenas Raposa Serra do Sol, Yanomami e Anaro estão em Brasília participando da mobilização nacional Levante pela Terra, contra o Projeto de Lei 490/2007, o Marco Temporal e a invasão garimpeira nos territórios indígenas. Nesta terça-feira (15), as lideranças realizaram uma coletiva de imprensa para apresentar suas preocupações diante dos ataques e ameaças aos direitos originários garantidos na Constituição.

Procurada, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, não respondeu sobre o motivo da ausência dos profissionais de saúde nas aldeias Yanomami atacada. A Sesai também nãoi nformou se, no caso da falta de atendimento, possui planos de dar outra alternativa de assistência à saúde aos indígenas. O órgão se limitou a uma nota falando das “metas pactuadas no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI) Yanomami” e das “ações estratégicas de combate ao mosquito transmissor da malária estão sendo intensificadas no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami”.

Segundo a Sesai, o Dsei Yanomami “elaborou o Plano de Ação de Controle Emergencial da Malária que está sendo executado em dez Polos Bases onde a investigação epidemiológica apontou como locais de maior incidência da doença”.

Um novo massacre se anuncia

Segundo as lideranças indígenas, mais de 20 mil garimpeiros estão dentro do território Yanomami, colocando em risco a vida dos povos originários que lutam para que um novo massacre não aconteça. Apesar das autoridades estarem amplamente informadas sobre as consequências trágicas do garimpo para os povos indígenas e para o meio ambiente, nenhuma ação definitiva foi tomada.

O que vem assustando as lideranças indígenas é o fato desses ataques atuais realizados pelos garimpeiros se dá nos mesmos moldes do final da década de 1980 e início de 1990 que vitimou através de armas de fogo e de epidemias aproximadamente 2.000 Yanomami. Nesse período as autoridades também sabiam da invasão garimpeira e algo só foi feito depois dos Yanomami chorarem suas mortes.

“Quem está querendo repetir o massacre que aconteceu com os povos indígenas são os brancos. Nós indígenas não vamos repetir esse histórico que já aconteceu em 80, 86 e 93. A sociedade brasileira é que está querendo repetir esses históricos de morte dos povos indígenas, os tiroteios estão acontecendo na frente das crianças inocentes, isso é crime, falta de respeito”, disse Dário Kopenawa.

Para a liderança indígena, o posicionamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, estimula ainda mais a violência contra os povos indígenas. “Desde a sua candidatura ela já deixava bem claro, ele é o inimigo dos povos indígenas dos Brasil, principalmente com os Yanomami e Yekuana. Por isso ela está apoiando as atividades ilegais, e a exploração de mineração, e vai acabar com a vida dos povos indígenas, é fato e todo mundo já conhece o posicionamento do presidente para criminalizar os povos indígenas, então o Bolsonaro que acabar com os povos indígenas.”

Indígenas estão com sintomas de malária mas não recebem atendimento médico da Sesai, diz liderança. Na imagem acima, sobrevoo em 10 maio de 2020 próximo as aldeias Waikás e Kayanaú (Foto Chico Batata/Greenpeace)

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