Bancada do agronegócio inicia campanha contra o De Olho nos Ruralistas

Frente Parlamentar da Agropecuária volta a atacar o observatório, insinuando que matérias críticas aos seus interesses são “fake news”; financiada por multinacionais como Bayer, BRF, JBS, Bunge e Cargill, frente já barrou equipe de reportagem em 2016

Por Alceu Luís Castilho, em De Olho nos Ruralistas

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço mais conhecido da bancada ruralista, a maior do Congresso, voltou a atacar o De Olho nos Ruralistas. Em post publicado nesta terça-feira (07), o perfil oficial da organização no Twitter convida as pessoas a seguirem a página, para ficarem “de olho nos ruralistas de verdade, sem fake news”.

Usuários da plataforma logo perceberam a referência a este observatório, que tem como missão justamente fiscalizar o poder político e econômico do agronegócio, defendido pela FPA e por seus financiadores. Um deles disse que continuará a observar os ruralistas por meio deste projeto. A resposta veio em tom abaixo em relação ao post inicial:

— Nós estamos propondo um local onde possamos expor nossos debates e posicionamentos, uma vez que quem se opõe a nós já o faz. Dessa forma vocês (usuários) conseguem ter os dois lados do debate. Afinal, é assim que funciona a democracia, não?

O questionamento da frente nas redes sociais contrasta com o comportamento público dos membros do próprio grupo. Em 2016, a equipe do De Olho (este editor, inclusive) foi expulsa da sede da organização, quando fazia reportagem sobre bancada e mudanças climáticas.

Pouco depois das entrevistas com o então presidente, Alceu Moreira (MDB-RS), e com o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), o secretário-executivo do Instituto Pensar Agro (IPA), João Henrique Hummel, se dirigiu aos repórteres e afirmou: “Saiam da minha casa”. A equipe apenas fazias perguntas — jornalísticas — em um evento que a própria assessoria de imprensa da instituição reconheceu como público.

O IPA é o motor logístico da FPA. A expulsão e as posições dos parlamentares, pouco afeitos ao diálogo que dizem propor, foram registradas no documentário “Sem Clima — Uma República Controlada pelo Agronegócio“. Assista:

REPORTAGEM MOSTROU QUEM SÃO OS FINANCIADORES OCULTOS DA FPA

Não foi a primeira vez que o grupo se mostrou incomodado com o trabalho do De Olho e partiu para o ataque. Em novembro de 2020, dois dias após o primeiro turno das eleições, a frente comparou o site com blogs como o Jornal da Cidade e o Conexão Política, ambos bolsonaristas (assim como a própria FPA, um dos eixos do Centrão), investigados na CPMI da Fake News por divulgarem informações mentirosas sobre a pandemia, algo que este observatório combate.

A publicação foi uma resposta ao 32º episódio da quarta temporada do Greg News — um programa humorístico baseado em informações jornalísticas. Em “Siga a Grana”, o apresentador Gregório Duvivier falou sobre o financiamento da bancada. Empresas como Bayer, Basf, BRF, JBS, Bunge, Syngenta e Cargill compõem as associações cujos recursos custeiam o IPA, como mostra reportagem de 2019 assinada pela jornalista Priscilla Arroyo.

Após essa edição do Greg News, a Ceratti disse que não sabia que financiava indiretamente a FPA e informou que estava se desfiliando da associação.

No momento da expulsão da equipe de jornalistas, o principal executivo do IPA — e da FPA — segurava a pasta da Aprosoja, uma das associações citadas na reportagem. A sequência de dez posts da frente no Twitter busca emplacar a tese de que o Brasil e o agronegócio são defensores eficazes do ambiente: “A pergunta que fazemos é por que não mostrar que somos vanguarda na preservação, enquanto alguns países concorrentes não possuem nenhuma floresta preservada?”

FOCO ATUAL É NO PL DA GRILAGEM E CONTRA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

A campanha mais recente contra a cobertura crítica do setor acontece em meio à tramitação do Projeto de Lei 2633/2020, conhecido como PL da Grilagem, e do PL 490/2007, do Marco Temporal, que retira direitos territoriais indígenas. Enquanto ataca o De Olho nos Ruralistas e representantes dos povos do campo, a FPA se articula para aprovar as propostas.

Nos últimos posts no Twitter, a frente se divide entre cards em defesa dos projetos, respostas a veículos de imprensa e afagos ao governo Bolsonaro. Nesta quarta-feira (07), a assessoria da organização também usou de forma equivocada o termo fake news para rebater reportagem do Congresso em Foco — outro veículo absolutamente sério — sobre o PL 2633. “A regularização é para quem ocupa as terras de forma mansa e pacífica”, escreveu, na postagem.

Um dia antes, a FPA fez uma homenagem à ministra Tereza Cristina, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a quem chamou de “um presente para o setor agropecuário brasileiro”.

E, em 16 de junho, relatou que membros da bancada se reuniram com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para “debater pautas prioritárias“. Lira é um dos pilares da sustentação do governo Bolsonaro, ao barrar pedidos de investigação sobre o presidente da República — um genocida que vem produzindo provas diárias contra si mesmo, para muito além da corrupção. A ponto de arrancar máscara de uma criança.

PRESIDENTE DA FRENTE RECEBEU DOAÇÃO DE INVESTIGADO NA CARNE FRACA

Alceu Moreira fez parte da base de apoio de Michel Temer e esteve entre os que organizaram o apoio da FPA a Jair Bolsonaro, ainda durante a campanha. Em 2014, ele conclamou fazendeiros contra os povos indígenas, no Rio Grande do Sul. Foi no mesmo evento em que Heinze referiu-se a gays, lésbicas, indígenas e quilombolas como “tudo o que não presta”. Confira o perfil de ambos feito pelo De Olho nos Ruralistas durante a última campanha eleitoral, em 2018: “Influentes e virulentos, ruralistas gaúchos tentam manter poder no Congresso e no Executivo“.

Atualmente, a FPA é presidida pelo deputado federal Sérgio Souza (PMDB-PR), que não declarou bens rurais à Justiça Eleitoral em 2014. Dos R$ 2,2 milhões que recebeu de financiamento de campanha, porém, mais de R$ 400 mil vieram de empresas – ou donos de empresas – do agronegócio. Parte deste montante veio de investigados na operação Carne Fraca, que apurou um esquema de fraudes no Mapa e irregularidades cometidas por grandes frigoríficos.

O sexto maior doador foi Valdecio Antonio Bombonatto, presidente da Fortesolo, com R$ 50 mil. Ele e o irmão Almir Jorge Bombonatto foram flagrados em conversas com Daniel Gonçalves Filho, então superintendente do ministério e considerado pela Polícia Federal (PF) o “líder da organização”. A doação para Souza – dentro da legalidade – foi a maior feita por Bombonatto naquele pleito.

Outro investigado da Carne Fraca que contribuiu financeiramente para a campanha eleitoral do paranaense foi seu ex-chefe de gabinete Ronaldo Troncha. Ele também foi alvo de condução coercitiva. Em 2014, doou R$ 12 mil para a campanha do futuro chefe – comandou o gabinete do peemedebista entre abril de 2015 e agosto de 2016.

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De Olho nos Ruralistas sobrevive de sua base de assinantes, aqueles que acessam a página De Olho nos Mil Parceiros, e de financiamentos pontuais — de editais, fundações e institutos — para ações específicas. Fundado em 2016, o projeto parte da convicção de que o jornalismo crítico é vital para a construção de um novo país, com um tratamento mais humano às pessoas e ao ambiente. Saiba mais e veja como contribuir, a partir de R$ 12, aqui.

Mostrar o outro lado do agronegócio — para muito além do marketing da FPA e da rede de meios de comunicação que faz publicidade a favor desse modelo, em vez de fazer jornalismo — continuará a ser prioridade deste observatório.

Sobre fake news, a Frente Parlamentar da Agropecuária está convidada a um debate sobre o tema. Dois representantes do observatório, dois representantes da bancada. Para falarmos sobre notícias falsas. Topam?

Foto principal (Divulgação/FPA): membros da bancada ruralista se reúnem com o presidente da Câmara para debater pautas de interesse do setor

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