Funarte cita Deus para reprovar apoio da Lei Rouanet a festival de jazz na Bahia

Órgão do governo do presidente Jair Bolsonaro também mencionou postagem feita pela organização do Festival do Capão nas redes sociais, em junho do ano passado, quando se posicionou como ‘festival antifascista e pela democracia’

Por G1 BA

A Fundação Nacional de Artes (Funarte) citou Deus em um parecer técnico para reprovar o pedido de apoio do Festival de Jazz do Capão, realizado na região da Chapada Diamantina, na Bahia, via Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Além disso, o documento da Funarte também menciona uma publicação em rede social em que o evento se posiciona como “um festival antifascista e pela democracia”, para embasar o parecer de indeferimento do pedido.

A postagem do Festival, feita em 1º de junho do ano passado, diz: “Não podemos aceitar o fascismo, o racismo e nenhuma forma de opressão e preconceito”.

O texto do parecer emitido pela Funarte à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura cita a postagem, que funciona como um slogan para “divulgação”, com a denominação de Festival de Jazz do Capão, no Facebook.

“Destarte, conforme consta no link https://www.facebook.com/FestivJazzCapao/, localizamos uma postagem do dia 1º de junho de 2020, com uma imagem, contendo um slogan para ‘divulgação’, com a denominação de Festival de Jazz do Capão, na plataforma Facebook, a qual complementou os fundamentos para emissão deste Parecer Técnico. Para tanto, printamos a imagem e a mesma foi encaminhada para à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, para upload no Salic, como complementação da apreciação deste parecer”, diz trecho do documento.

No texto, a Funarte cita uma frase atribuída ao músico alemão Johann Sebastian Bach, que morreu em 1750: “O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”, afirma.

O parecer destaca também que “por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus”. Também citou que “A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador”.

Por fim, concluiu que “a candidatura deste que se postulou a Arte ao concorrer à categoria de Projeto Cultural, apresenta-se desconfigurada e sem acepção a esse atributo. Portanto, o sumário de propositura à chancela do MTur deve ser conduzido ao indeferimento, S.M.J. deste Ministério”.

Conforme parecer técnico emitido pelo órgão do governo do presidente Jair Bolsonaro, o evento não tem condições técnicas e artísticas para ser aprovado.

Entenda

Em 2020, o festival não aconteceu por causa da pandemia de Covid-19, mas fez inscrição na Lei Rouanet, como preparação para o retorno, em 2021.

O projeto, que costuma tramitar rapidamente na Lei de Incentivo Federal, por se tratar de evento de ação continuada com captação nos últimos três anos, estava com tramitação parada desde outubro de 2020, após paralisação do Ministério da Cultura.

A organização do festival afirma que recebeu o parecer desfavorável em junho deste ano, após planejar uma versão online para o evento, dentro do Edital de Eventos Calendarizados da Secretaria de Cultura da Bahia.

O parecer, no qual o G1 teve acesso, é datado de 25 de junho de 2021 e assinado pelo então coordenador do Programa Nacional de Apoio à Cultura da Funarte, Ronaldo Gomes. Ele foi exonerado do cargo no dia 1° de julho.

A Funarte declarou que um parecerista independente avaliou que havia desvio de objeto no pedido do festival.

Festival lamenta reprovação

O diretor artístico e idealizador do festival, Rowney Scott, afirmou que o foco do parecer não deveria ser restrito a uma postagem nas redes sociais.

“A postagem não foi feita com recursos públicos e não ataca diretamente ninguém, pelo contrário, fortalece a importância da democracia no nosso país”, disse.

“Por outro lado, o parecer tende a reduzir a função e características da Música a uma apreciação sob um aspecto unicamente religioso, cerceando a imensurável capacidade dessa forma de arte de expressar a humanidade em toda a sua complexidade e beleza. Isso nos causa muito estranhamento, sobretudo sendo o Brasil, sob a tutela da sua Constituição Federal, um Estado laico”, afirmou.

Nesta segunda-feira (12), o secretário especial de Cultura do governo federal, Mario Frias, se manifestou sobre o assunto nas redes sociais.

“Enquanto eu for Secretário Especial da Cultura ela será resgatada desse sequestro político/ideológico!”, escreveu.

Festival do Capão

As primeiras edições do Festival do Capão aconteceram em 2010 e 2011, e contaram com o patrocínio do então Ministério da Cultura. Na época, participaram do evento artistas como Ivan Lins, Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal, Toninho Horta, entre outros.

Após um ano sem aporte financeiro, o evento retornou em 2013, 2014 e 2015, com o patrocínio do Programa Petrobras Cultural, com a participação de artistas como João Bosco, Letieres Leite Quinteto, Dori Caymmi, Raul de Souza, Ricardo Castro, entre outros.

A organização do Festival de Jazz do Capão afirmou que desde 2017 conta com o Apoio Financeiro da Secretaria de Cultura da Bahia, com complementação de patrocínio através da Lei Rouanet.

Nas últimas três edições (2017, 2018 e 2019), recebeu artistas de renome internacional como Egberto Gismonti, Débora Gurgel, César Camargo Mariano, a norte americana Michaella Harrison, o grupo alemão Kapelle 17, além de artistas do Vale do Capão, de Salvador e jovens do curso de música da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Festival de Jazz do Capão, na Bahia, com Mou Brasil Quarteto — Foto: Divulgação

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

doze + oito =