MPF recomenda acesso de quilombolas a áreas utilizadas tradicionalmente em Itacoatiara (AM)

De forma irregular, integrantes de associação quilombola estão sendo impedidos de utilizar espaços comunitários, incluindo a sede da comunidade

Procuradoria da República no Amazonas

O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação para assegurar o acesso de todos os integrantes da Comunidade Quilombola do Sagrado Coração de Jesus do Lago da Serpa, em Itacoatiara (a 176 quilômetros de Manaus), para o uso dos espaços comunitários comuns, incluindo a sede histórica da comunidade.

O documento, encaminhado a uma pessoa que se diz representante da Comunidade Social Sagrado Coração de Jesus do Lago do Serpa, recomenda também que se evite qualquer estímulo ou medida discriminatória, preconceituosa ou que viole direitos dos comunitários quilombolas, sob pena de responsabilização legal.

Em reuniões realizadas entre o MPF e representantes da Associação Comunitária Quilombola do Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa, foi apontada tentativa da suposta representante da comunidade de tomar a liderança da comunidade em eleição sem transparência e representação democrática, criando conflitos com a comunidade quilombola.

Processo de titulação do quilombo – O MPF aponta, na recomendação, que, desde a certificação do Quilombo do Sagrado Coração de Jesus do Lago da Serpa pela Fundação Cultural Palmares, em 2014, a Associação Comunitária Quilombola do Sagrado Coração de Jesus tem exercido papel de liderança, sendo reconhecida por órgãos públicos e atuando constantemente para o andamento regular do procedimento de titulação do quilombo.

Em 2015, a associação solicitou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a formalização de processo administrativo de regularização de territórios quilombolas. De acordo com o Incra, o processo de titulação está em fase de finalização do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, com previsão de consolidação até novembro deste ano.

O MPF esclarece que, durante o procedimento de titulação, considerando o sistema democrático, há possibilidade de impugnação por quem discorde da titulação, com a devida apresentação de motivos e fundamentos legais. Entretanto, não são permitidas medidas e atitudes que violem os direitos dos comunitários quilombolas.

Medidas irregulares contra os quilombolas – A mulher que se diz representante da Comunidade Social Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa confirmou a um servidor do Incra que a eleição para o cargo de direção foi feita sem a devida divulgação e participação dos quilombolas. Há informações ainda de que gestores públicos de Itacoatiara estariam apoiando as medidas irregulares adotadas por ela contra os quilombolas.

Entre as medidas citadas estão o impedimento de quilombolas ou filiados à Associação Comunitária Quilombola do Sagrado Coração de Jesus de utilizar a sede da comunidade, com a troca de cadeados e a criação de burocracias para o uso comunitário do prédio, historicamente utilizado há anos, inclusive com a visita do MPF no local.

Na recomendação, o MPF indica que deve ser evitado qualquer estímulo ou medida que viole o andamento regular dos estudos e a proteção do território tradicional quilombola, como o estímulo à instalação de condomínios e outros empreendimentos não adequados ou desejados no território, sem consulta aos comunitários.

Os quilombolas devem ser incluídos em todas as discussões referentes ao território e aos temas coletivos comuns da comunidade, cujo processo e estudos para titulação estão em andamento. A suposta representante da comunidade, que é alvo da recomendação, deve também informar ao MPF as medidas adotadas para disponibilizar o acesso regular à sede histórica da comunidade e aos locais de uso comum aos integrantes da Associação Comunitária Quilombola do Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa sempre que solicitado ou necessário para suas atividades sociais e comunitárias.

Direito aos territórios – De acordo com o artigo 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

O MPF destaca, na recomendação, que a relação entre o quilombola e a terra não é regida pelas normas do Código Civil, pois extrapola a esfera privada, não sendo uma utilização para simples exploração, mas para a sobrevivência física e cultural. A utilização em qualquer manifestação cultural, os locais de caça, pesca e cultivo, ou seja, todas as atividades de manutenção de sua organização social e econômica, é que determinam a posse e propriedade das terras.

Imagem: Secom/PGR

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