Escalada autoritária do presidente cresceu por falta de limites de atores políticos, diz antropóloga

Para Isabela Kalil, população sempre impôs resistência e boa parte discorda do projeto bolsonarista, abraçado por uma minoria. Dúvida é se a democracia sobrevive até 2022, diz socióloga Angela Alonso

Por Felipe Betim, no El País Brasil

A história se repete. Depois de radicalizar ainda mais e fazer ameaças explícitas de golpe de Estado e ao Supremo Tribunal Federal diante de milhares de apoiadores no dia 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro recuou e abriu uma via de diálogo com a corte. Não significa que se moderou. Seu modo de agir, explica a antropóloga Isabela Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e estudiosa do bolsonarismo, “dependedos constrangimentos legais e políticos que ele sofrer”. Assim, esse recente recuo “sinaliza que ele sentiu esse constrangimento seja pela ameaça de impeachment seja por seus crimes de responsabilidade, ou mesmo pela possibilidade de se tornar inelegível”. Mas, depois de arrastar milhares de pessoas para seu projeto golpista, com caminhoneiros bloqueando estradas no dia seguinte ao 7 de setembro, “esse recuo pode custar caro entre os mais radicalizados”, aponta a antropóloga.

Bolsonaro, o presidente que chegou ao poder para combater o sistema, apelou para o ex-presidente Michel Temer —”que representa o que o mandatário chama de ‘velha política”, lembra Kalil —quando a situação parecia estar saindo do controle, com o fantasma de uma nova greve de caminhoneiros ao mesmo tempo que o mundo político voltava a debater a abertura de um processo de impeachment. Ela lembra que vários de seus apoiadores embarcaram na performance golpista do presidente com a promessa de que contariam com seu respaldo institucional e jurídico. Enquanto “alguns patriotas se jogaram na piscina do golpismo, Bolsonaro prometeu ficou na borda”. Agora, esses apoiadores, muitos deles alvos do inquérito no Supremo que apura as fake news, pedem um colete salva-vidas.

“O que acontece com bastante frequência é que toda vez que ele tem problemas, como na área econômica ou na saúde pública, Bolsonaro desloca a crise para a sua pessoa”, argumenta Angela Alonso, professora de sociologia da USP, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e estudiosa de manifestações. Mas, para entender a dimensão do que está em jogo agora, a socióloga explica que a manifestação do Sete de Setembro “foi muito bem orquestrada”, com um “forte esforço de comunicação nas redes bolsonaristas nos dois meses anteriores e um importante planejamento de logística no deslocamento de pessoas, ônibus, caminhões”. Em suma, essa escalada autoritária de Bolsonaro chegou a um ápice no último feriado.

Ela afirma que é difícil prever o que vai acontecer a partir de agora, mas afirma que é preciso estar atento aos próximos movimentos de partidos como o PSDB, que abriu a discussão interna sobre a destituição do presidente. “Vejo com ceticismo a união do PSDB pelo impeachment”, diz Alonso. Também é preciso ver como se posicionam as Forças Armadas e os setores econômicos descontentes com a recente queda da economia e as instabilidades causadas pelo golpismo do presidente. “A gente vive processo de corrosão da democracia brasileira, e a questão que se coloca para as lideranças políticas é se o país tem condições de sobreviver como democracia até as eleições do ano que vem”, explica a socióloga, que lembra que o cálculo político, inclusive do PT, é deixar o presidente sangrar. “Do ponto de vista da democracia é sempre melhor que ele saia pelo voto, mas quando você tem um presidente ameaçando dar um autogolpe, é difícil que a gente consiga sobreviver como democracia”, acrescenta.

Kalil também chama a atenção para duas diferenças com relação a outros momentos de radicalização: ao contrário do ano passado, o Congresso foi poupado e o alvo preferencial é o Supremo e Alexandre de Moraes; e, desta vez, o presidente foi longe de mais. “Bolsonaro já falou coisas até piores, mas nunca nessas proporções e nesse contexto. Uma coisa é o que ele diz em eventos mais fechados, com apoiadores, outra coisa é dar esse recado ao Supremo”, explica. Essa escalada autoritária contínua se deve, em sua opinião, ao fato de que os atores políticos e institucionais não deram limites.

A antropóloga também chama a atenção para o fato de que o mandatário não está fazendo sua escalada autoritária sem resistência —o que pode empurrar os atores institucionais e lideranças políticas a tomarem atitudes mais firmes. “Sempre tivemos manifestações do campo progressista e mobilizações da sociedade civil muito bem sucedidas e que mobilizam pautas para além de Bolsonaro, como o antirracismo e os direitos indígenas”, explica. “O recado que precisa ser importante é que boa parte da sociedade discorda do projeto bolsonarista, que contempla uma pequena parte dos brasileiros”, conclui.

Foto: Leonardo Fuhrmann/De Olho nos Ruralistas

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