Decisão estabelece a exclusão do termo “habitando” no Plano Nacional de Imunização. Quilombolas constam no grupo prioritário de imunização.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, determinou, em acolhimento à um embargo de declaração protocolado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a vacinação imediata contra a Covid-19 de quilombolas residentes ou não nos territórios tradicionais, independentemente do estágio do processo de regularização fundiária do território.
Em intimação especialmente direcionada aos ministros da Saúde e da Cidadania e a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Fachin também fixou o prazo de cinco dias para retificação do Plano Nacional de Imunização (PNI).
A decisão proferida no último dia 08 de setembro ocorre no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020, ação movida pela Conaq, partidos políticos e que conta com apoio de organizações sociais diante da omissão governamental à ações voltadas para comunidades quilombolas no contexto de crise epidemiológica.
Em fevereiro deste ano, os ministros determinaram ao Estado brasileiro a adoção de medidas de urgência no combate à pandemia nos quilombos e na proteção a essas comunidades. Naquele momento, o Supremo designou ao governo a elaboração, com participação da Conaq, e a implementação de um plano de enfrentamento da pandemia nos quilombos. Por reivindicação da Conaq e organizações as comunidades quilombolas foram incluídas no grupo prioritário para imunização. No entanto, o enquadramento no grupo prioritário assegurado no Plano Nacional de Imunização (PNI) estava circunscrito à população residente nos quilombos e a que reside fora dos territórios apenas “em razão de estudos, de atividades acadêmicas ou de tratamento de sua própria saúde ou da de seus familiares”.
No embargo a Conaq apontou que esta delimitação de situações para residência externa às comunidades pode “restringir a vastidão de possibilidades que levam os quilombolas a estarem fora de seus territórios, o que poderá limitar a vacinação da população quilombola no País”. No documento a organização lista os trabalhadores sazonais nas lavouras, empregados em fazendas próximas aos territórios, empregadas domésticas, entre outros, como grupo populacional não contemplado no PNI.
“A decisão do Ministro Fachin é importante para se estabelecer o critério de auto identificação – ou seja, não é o estado que deve determinar quem é e quem não é quilombola. Esse auto reconhecimento é coletivo, da própria comunidade. Mesmo que esteja fora por motivos de saúde, trabalho ou razões diversas, a pessoa não deixa de ser quilombola se reside fora do território”, aponta a assessora jurídica da Conaq e Terra de Direitos, Vercilene Dias.
A dificuldade de vacinação de residentes fora dos territórios tradicionais é realidade mapeada pelo levantamento inédito “Vacinômetro Quilombola – Retratos da situação da vacinação da Covid-19 nos quilombos” realizado com 445 quilombos em todo o país pela Conaq, com apoio da Terra de Direitos e da Ecam Projetos Sociais. De acordo com o mapeamento publicado no início de agosto, em 54 comunidades quilombolas houve o registro de casos de não imunização de pessoas residentes fora dos territórios por motivações diversas, que não por estudo, saúde ou atividade acadêmica.
Em acolhimento ao embargo e manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) o ministro fez referências a normativas nacionais e internacionais que versam sobre a essencialidade da autodeclaração quilombola e de demais povos tradicionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Estatuto da Igualdade Racial e o Decreto n. 4.887/2003, que trata da titulação de terras. A Fundação Palmares, ainda pontua a decisão, reconhece a dimensão coletiva da autodeterminação na medida em que o reconhecimento identitário também é comunitário.
“Se a determinação é que quilombolas sejam incluídos no grupo prioritário de vacinação, toda a população quilombola deve ser vacinada, não importa se a pessoa está dentro ou fora do território. Esta discussão que caracteriza como quilombola apenas aquele que reside dentro do território enfraquece o critério da identidade quilombola: não importa onde estejamos vamos seguir sendo quilombolas. E privar de ser vacinado o quilombola que está fora do território – , que saiu em busca de políticas públicas que não existem no território – é negar novamente a esses quilombolas um direito já garantido, nesse caso a vacinação”, aponta Vercilene.
Novas etapas de vacinação
Na decisão o ministro Fachin reconhece o avanço da vacinação no país, no entanto, aponta que assegurar a vacinação de não residentes no território é pertinente diante da iminência de novas etapas de vacinação. “Por mais que esteja avançado o processo de vacinação no país, temos a discussão da implementação da 3ª dose para maiores de 79 anos e ainda iniciando o processo de vacinação para menores de 18 anos e maiores de 12 anos”, pondera Vercilene.
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Foto: João Viana / Semcom Manaus