Por Jamil Chade e Lucas Valença, do UOL, em Genebra e em Brasília
A insatisfação de apoiadores com o governo após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudar o tom dos ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) dois dias depois de incitar o público contra a Corte, em 7 de setembro, fez com que o Palácio do Planalto antecipasse a campanha eleitoral.
Atuando nos bastidores da comunicação da atual gestão, por meio do chamado “gabinete do ódio”, o filho “02” do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), já tenta retomar o modelo de fabricação e disparo de fake news nas redes sociais, utilizado na eleição de 2018, que ajudou a eleger o pai.
Segundo uma fonte interna do Ministério das Comunicações, Carlos tenta “estancar a sangria” das redes sociais bolsonaristas, que sofrem com a queda de engajamento desde o fim do ano passado.
A presença de Carlos no Palácio do Planalto na semana passada, em dia de expediente na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi confirmada pelo UOL. Na sede do Poder Executivo nacional ele teria contado a estratégia ao pai.
A perda de alcance, porém, se agravou com a “Declaração à Nação”, carta assinada pelo presidente depois do Dia da Independência e que selou uma paz momentânea entre os Poderes.
Um plano, porém, foi traçado para “driblar” a atuação do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que têm procurado combater a disseminação de notícias falsas, inclusive com a abertura de inquéritos de ofício.
Desta vez, o “02” se aliou ao irmão “03”, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), já que Carlos planeja manter a produção do conteúdo no Brasil, mas tenta contratar uma empresa internacional para promover os chamados “disparos”, principalmente nos aplicativos de conversas.
A conexão fora do país estaria sendo feita por Eduardo Bolsonaro que, enquanto presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, estreitou relação com o chamado trumpismo, em especial com o marqueteiro norte-americano Steve Bannon. No mês passado, ambos se encontraram.
O UOL recebeu informações de que representantes brasileiros já procuraram empresas norte-americanas para auxiliar na campanha, visando 2022. A busca ocorreu há poucas semanas, antes dos acontecimentos do 7 de Setembro. O objetivo seria o de fortalecer a estratégia eleitoral. Pelo menos uma das companhias norte-americanas sondadas rejeitou oferecer o serviço.
As tentativas em terceirizar a prática de disparos também coincidem com os recentes ataques do ex-estrategista do ex-presidente norte-americano Donald Trump às urnas eletrônicas brasileiras. Segundo Bannon, Bolsonaro vencerá o pleito de 2022, “a menos que seja roubado”.
Steve Bannon, que se utiliza de técnicas semelhantes nas redes, estaria auxiliando a família Bolsonaro na busca pelo serviço de disparos artificiais.
O norte-americano foi pivô no escândalo envolvendo a empresa de dados Cambridge Analytica, que fechou as portas em 2018 após ser acusada de obter, de forma irregular, informações pessoais de milhões de usuários do Facebook.
Dias antes dos atos do 7 de Setembro, Bannon esteve com Eduardo Bolsonaro nos EUA. Já num evento do movimento conservador, realizado no Brasil dias antes do feriado nacional, ex-auxiliares de Donald Trump também estiveram presentes. Um deles chegou a ser questionado pela Polícia Federal. Trata-se de Jason Miller, fundador do Gettr, plataforma criada para levar Trump de volta às redes sociais.
No dia seguinte, o ex-chanceler Ernesto Araújo, aliado do movimento americano, anunciou nas redes sociais sua adesão ao Gettr, que tem 2 milhões de seguidores pelo mundo, sendo 13,5% deles no Brasil.
‘Avatares’ internacionais
Ao terceirizar o serviço de disparo, se utilizando de uma empresa no exterior, Carlos dificultaria o controle de órgãos do Estado contra os chamados “avatares”, ou robôs difusores de notícias falsas ou retiradas de contexto e tempo.
Desta forma, a produção dos “farms” (fazenda, em inglês) —que é a reunião de três ou mais avatares, mas, neste caso, seriam milhares— contaria com o uso de VPNs (Virtual Private Network – ou redes privadas virtuais) para tentar mascarar os chamados IPs (o registro dos avatares).
O uso de VPNs passaria a impressão de que o IP estaria sendo usado no Brasil, mas na verdade seria controlado fora do país, o que impede o efetivo controle dos órgãos de fiscalização.
Assim, a restrição do abuso no uso de robôs ficaria sob responsabilidade das empresas privadas detentoras das redes sociais, como Facebook e WhatsApp, entre outras.
Essas empresas possuem algoritmos que identificam a inatividade de perfis falsos, o chamado CIB (Coordinated Inauthentic Behavior, ou, no português, Comportamento Inautêntico Coordenado), mas que nem sempre funcionam com tanta rapidez.
Segundo o advogado Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo), a veiculação de conteúdos fora do território nacional “pode configurar tentativas de driblar o controle e a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral”.
“É fundamental que todos os candidatos realizem suas campanhas utilizando provedores e domínios nacionais, sem nenhum tipo de subterfúgio”, afirmou o jurista.
Uso do Telegram
Com o limite de compartilhamento de conteúdo imposto pelo WhatsApp, aplicativo de conversa mais usado no Brasil, o “gabinete do ódio” já vem se utilizando da ferramenta criada na Rússia Telegram.
Com funcionalidades que o app norte-americano não possui, o Telegram permite o uso de programação dentro da própria ferramenta, facilitando o uso de robôs de diversos tipos. O aplicativo permite desde a criação de enquetes robotizadas, até o compartilhamento automatizado de informações.
Dessa maneira, o Telegram facilita o chamado “engajamento artificial” por meio das hashtags e é pensado por integrantes da comunicação paralela como uma forma de distribuir os conteúdos produzidos, para depois serem distribuídos também pelo WhatsApp. Como restrições foram impostas pelo WhatsApp, a forma de difundir uma fake news passou a ser mais manual.
Basicamente, o conteúdo virá pelo Telegram e usariam os farms da empresa internacional para promover o “disparo” em massa por meio dos grupos do aplicativo comprado pelo Facebook.
Em uma proporção de milhares de perfis, o que geralmente é comercializado por essas empresas de dados, o uso de grupos de WhatsApp, que permitem até 256 pessoas, permite à campanha bolsonarista atingir milhões de eleitores.
Influencers e formadores de opinião do grupo bolsonarista também são estratégicos no compartilhamento de algumas fake news.
Com o avanço das investigações da Polícia Federal, após a abertura de inquéritos pelo STF, muitos foram para o exterior. É o caso do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e do comentarista Rodrigo Constantino, que moram nos EUA, e de Oswaldo Eustáquio, que está foragido no México.
Bunker no Rio
Com uma perda de engajamento nos principais perfis bolsonaristas, segundo um monitoramento feito por uma agência de comunicação auxiliar do governo, havia um receio no Planalto de que a popularidade do presidente também fosse afetada após a moderação do discurso.
Uma pesquisa feita pelo instituto DataFolha, após os atos do 7 de setembro, mostra que o presidente atingiu o mais elevado índice de rejeição de seu mandato, com 53%. A aferição do instituto ocorreu dos dias 13 a 15 de setembro.
A retomada do modelo adotado em 2018 é estratégica e fará com que Carlos volte a instalar um “bunker” para a produção dos conteúdos a serem divulgados pelos bolsonaristas.
O local funcionaria como um espaço de “presença digital” da nova campanha, onde as notícias seriam criadas antes de irem para o exterior. Ainda não há a informação de quem seria o responsável e qual meio seria utilizado para exportar o conteúdo produzido.
Durante o último pleito, as reuniões e coordenação da comunicação da campanha ocorriam na casa do empresário Paulo Marinho, primeiro suplente do filho “01”, senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), no Jardim Botânico, zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Hoje, Marinho, que é ex-presidente do PSDB no Rio de Janeiro, virou desafeto da família, e outro espaço será encontrado.
Procurados por meio dos respectivos gabinetes parlamentares, o deputado Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro não responderam os questionamentos do UOL até a publicação desta reportagem.