Destituição de conselho da Capes pode prejudicar programas de pós-graduação

Para coordenadores de áreas de pós-graduação, além de ocasionar um transtorno para o sistema de avaliação que já estava em curso, decisão causa situação de insegurança jurídica ao colocar em questão decisões tomadas pelo conselho

No Jornal da USP

“Vimos assim, tornar pública nossa preocupação com este processo de desconstrução do modelo de avaliação construído e aperfeiçoado pelos pares, ao longo de décadas, pondo em risco a credibilidade de uma agência de Estado reconhecida nacional e internacionalmente”.

Termina nesses termos a Carta Aberta enviada a Cláudia Queda de Toledo, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e ao Conselho Superior da Capes, pelos coordenadores de área que compõem Conselho Técnico-Científico (CTC) do Ensino Superior da instituição.

A Capes está modificando a composição do CTC, que é responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação. Os membros do grupo anterior foram destituídos pela presidente do órgão. A justificativa para a medida é que a equipe anterior estava irregular, com 20 pessoas, sendo que o permitido são 18.

O processo de substituição dos membros está em andamento.

Transtorno para o sistema de avaliação

Adelaide Faljone-Alario, professora aposentada do Instituto de Química da USP, professora titular da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenadora da Área Interdisciplinar da Capes-MEC, afirma que “a destituição de todo o conselho técnico-científico poderá acarretar grande transtorno e prejuízo a todo o sistema de pós-graduação brasileiro”. A professora explicou que a justificativa dada pela presidente para a destituição total do conselho foi a de desfazer um ato ocorrido em 2018. Um novo grupo está sendo formado.

Adelaide explica que, “no organograma da Capes, a avaliação dos programas de pós-graduação, denominados PPG, está vinculada à diretoria de pós-graduação (Dave), e conta com 49 áreas de avaliação, que estão organizadas em três colégios: Colégio um, da Vida, que congrega 17 áreas de avaliação, o dois, de Humanidades, com 18 áreas, e o três, de Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar, com 14 áreas. Segundo o estatuto, sua atuação é feita por seis coordenadores de cada área, eleitos pela comunidade acadêmica e referendados pela Dave e Capes, o que dá um total de 18 integrantes.

A criação de um conselho às pressas para substituir o atual pode prejudicar o trabalho que já está em andamento, da avaliação quadrienal, diz a coordenadora da área Interdisciplinar da Capes, que também afirma que, “a partir dessa mudança, existe o risco das decisões tomadas anteriormente pelo conselho serem revistas, sofrerem insegurança jurídica e serem passíveis de contestação”. Também existe o risco de questionamentos por parte de faculdades que estavam com nota baixa e impedidas de ter novos alunos. Elas podem pedir revisão. O Qualis, sistema de avaliação de periódicos, que relaciona e classifica os veículos utilizados para a divulgação de produção intelectual dos programas de pós-graduação, também poderá ser prejudicado com essa mudança.

Processo de produção da ciência em risco

A professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Roseli Fígaro, que é presidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, também destaca a necessidade de contextualização do que está acontecendo com a Capes para que as pessoas saibam da gravidade do ato de destituição do Conselho Técnico-Científico do Ensino Superior.

Ela destaca que há um percurso que tem sido realizado nos últimos 20 anos envolvendo avaliações quadrienais dos cursos de pós-graduação e que se abre agora uma insegurança jurídica que é muito mais profunda que a irregularidade numérica da composição do CTC, citada como motivo da destituição do Conselho. “Essa portaria coloca sob questionamento tudo o que foi feito e abre a oportunidade de derrubar todo esse trabalho realizado, inclusive o próprio processo de avaliação em curso”, aponta Roseli.

Ela cita como exemplo os critérios Qualis e outra portaria, de número 145, que foi uma imposição direta da presidência da Capes regulando sobre os periódicos científicos o que já havia sido discutido e acertado nos três colégios, o que deixou de fora importantes instituições indexadoras como o Scielo. “De fato é uma questão séria, que coloca em risco a avaliação cega por pares, e são elementos pequenos e particulares que incidem diretamente no processo de avaliação e no processo de produção e circulação de ciência no nosso país”, explica.

Roseli também destaca que há muitos interesses envolvidos com relação aos critérios de avaliação, que incluem a abertura de novos cursos e a regulamentação de cursos a distância por instituições que estão abrindo novos negócios e que precisam da revisão dos pareceres atuais. “Vivemos um momento muito difícil e não devemos imaginar que essas medidas que parecem ter um teor técnico não tenham uma finalidade política”, conclui.

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