Nauany Pótu-Coereguá Gomes Pires, de 19 anos, mora em Peruíbe e foi aprovada no curso de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Por Leticia Gomes, g1 Santos
A indígena Nauany Pótu-Coereguá Gomes Pires, aos 19 anos, realiza o sonho de infância de cursar Medicina depois de enfrentar dificuldades no ensino remoto. A aldeia em que ela mora fica na zona rural de Peruíbe, no litoral paulista. Por seis anos, ela enfrentou um trajeto de até 2 horas para chegar a escola na área urbana da cidade. O que a motivou foi o sonho de ingressar na universidade, o que se tornou realidade em 2021.
A jovem foi aprovada na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e começou os estudos no segundo semestre deste ano. Em entrevista ao g1 nesta sexta-feira (24), ela relata que sentiu muita dificuldade no último anos, devido à pandemia de Covid-19. Em muitos dias, ela diz que precisava subir em um morro na aldeia para conseguir sinal de internet e estudar o conteúdo.
“Tudo parece um sonho, ainda não caiu a ficha de que eu realmente consegui. Quero incentivar outros jovens do meu povo que, assim como eu, querem fazer faculdade, trabalhar em várias áreas. Quero também servir como um exemplo para eles que tudo é possível, é só ter dedicação e correr atrás com foco”, relatou Nauany.
A mãe da jovem era professora na aldeia e a incentivou desde pequena a buscar os estudos. Ela frequentou até o 6° Ano na comunidade indígena, quando passou a frequentar um colégio na área urbana do município. “Com 11 anos eu saia às 5h, andava até o ponto mais próximo da aldeia às 5h40 para chegar na escola às 7h. Como é zona rural é bem difícil o acesso. Às vezes, os ônibus quebravam, tinha enchente e eu precisava voltar andando”, relembra.
No Ensino Médio, ela passou em uma Escola Técnica do Estado (Etec). Para se manter na unidade de ensino, ela ficava fora de casa das 5h às 19h. Entretanto, no cenário de pandemia, ela passou a estudar de casa, o que trouxe o desafio de utilizar a internet.
“A aldeia fica a uma hora do centro da cidade, é uma dificuldade muito grande para conseguir sinal de celular. Às vezes, eu tenho que vir para o morro para fazer trabalhos, provas e atividades”, descreve.
Para auxiliaros estudos, Nauany entrou em um cursinho pré-vestibular, o Uneafro, uma rede de articulação e formação de jovens e adultos moradores de regiões periféricas do Brasil. Ela fez o Enem e o vestibular da universidade no Rio Grande, no Rio Grande do Sul, local em que foi aprovada.
“Foi uma sensação muito incrível, deu um frio na barriga por eu ter conseguido alcançar o tão sonhado ingresso na faculdade e foi muito emocionante”, relembra.
A estudante começou a universidade à distância e deverá se mudar em novembro para a cidade, quando as aulas acontecem de maneira presencial. A família se prepara e pensa em fazer uma campanha online para garantir o valor que ajudará a jovem com os custos.
Preconceito
Além dos desafios pela distância, a estudante conta que sofreu preconceito ao se mudar para a escola na área urbana. Por ser indígena, ela escutou comentários ofensivos, que fizeram com que ela tivesse vergonha da origem por um período.
“Foi uma época que eu sofria um pouco de preconceito dos colegas de escola. Foi quando eu comecei, de tanto ouvir que era feio ou errado, a parar de usar brinco, colar, me afastar da cultura”, relembra.
O ingresso ao Ensino Médio, entretanto, ajudou a jovem a resgatar as origens. “Me aproximou da cultura de novo, comecei a ter mais orgulho, mostrar quem eu era, porque lá valorizam a diversidade. Foi quando eu puxei de volta tudo que estava guardado, passei a ter orgulho da minha cultura e ver como ela é resistência. Ter passado o que eu passei só me fez entender o valor da minha cultura, raízes e ancestralidade”, reitera Naunay.
Há cerca de um ano, Nauany entrou na iniciativa Crescer com Proteção realizada pelo Unicef, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Agenda Pública e o Instituto Camará Calunga. O objetivo é prevenir e enfrentar formas de violência contra crianças e adolescentes por meio do incentivo à educação e inclusão no mercado de trabalho. A estudante atua para auxiliar jovens com uma história parecida com a dela.
Aceitar a ancestralidade, segundo ela, foi um passo importante para conseguir se manter focada nos estudos. Ela relata que o avô, que era cacique e pajé, foi o maior exemplo que teve, já que ele cuidava da saúde das pessoas na aldeia.
“Fiquei muito inspirada e queria ajudar as pessoas também. Quando eu me formar, quero trabalhar em prol de comunidades indígenas, do meu povo”, finaliza Nauany.
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Nauany Pótu-Coereguá Gomes Pires mora em Peruíbe e foi aprovada no curso de medicina na Universidade Federal do Rio Grande (UFRG). Foto: Unicef /BRZ Fabio Hirata