No Brasil de Bolsonaro, até os bichos passam fome. Por Roberto Malvezzi (Gogó)

Emparedado por gado e soja, Pantanal já tem jacarés resgatados com subnutrição. Em meio à devastação e tempestades de fuligem, outros animais buscam alimento e água nas cidades. Neste governo, a monocultura também é mental

Outras Palavras

O retorno galopante da fome no Brasil agora ultrapassa os humanos. As estatísticas dizem que já tínhamos 12 milhões de humanos famintos e agora passamos para 14 milhões. Não é só, elas também dizem que mais de 100 milhões e brasileiros estão em insegurança alimentar.

Mas, nós nunca tínhamos notícias da fome dos animais selvagens. Entretanto, dias atrás havia uma notícia que, no Pantanal, as equipes removiam os jacarés para outros lugares porque eles estavam desnutridos e desidratados, isto é, morrendo de fome e sede. Ano passado eles se aglomeravam aos milhares em uma lagoa porque estavam morrendo de sede. Segundo essas notícias, o Pantanal já teria perdido 75% de suas águas.

Onde parte de minha família mora, no Triângulo Mineiro, os macacos, araras, pássaros, lagartos, quase chegam a se tornar membros da família pelo desespero em busca de comida e água no quintal da casa.

Há um Brasil torto e errado. Todos sabem. Os animais estão com fome e sede porque seus habitats estão sendo destruídos, com essa destruição vem a ruptura da cadeia alimentar. E quem destrói os habitats são aqueles que decepam as florestas, seja pelas derrubadas ou pelas queimadas. Ali, onde havia biodiversidade, uma sólida cadeia alimentar, não resta mais que tocos e solo queimado. Depois vem o pobre ecossistema de algumas cabeças de gado, ou uma monocultura de soja, ou cana, ou outra dessas que tem valor calculado na Bolsa de Mercadorias ou no Mercado Futuro. Como diz Vandana Shiva, o modelo padece de uma monocultura mental.

Nós sabemos muito bem quem promove a destruição dos biomas brasileiros, gerando a fome dos humanos e dos animais. A carência de água deve avançar sobre o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste brasileiros. Com a queima das árvores o solo fica nu, então chegam a fuligem pelo ar e as tempestades de areia sobre as cidades, como aconteceu de forma pavorosa esses dias sobre a cidade de Franca. Mas, essa é a realidade cotidiana de muitas famílias. Outro dia alguém de minha família dizia que iria mudar para outro lugar. Não suporta mais a fuligem, a poeira e os banhos de veneno dos aviões que despejam agrotóxicos sobre os canaviais, as casas dos moradores, as fontes de água, o solo e tudo que estiver ao alcance de seus pulverizadores.

Se o modelo de depredação já vinha do regime civil-militar de 1964, pela revolução verde, passou ileso por vários governos que o sucederam, chegou até Bolsonaro de forma aprofundada e devastadora. Não há reação na sociedade a altura do desafio. Nem em termos de defesa da democracia, muito menos na manutenção das dádivas naturais que sempre sustentaram o Brasil. Destruir as florestas e matar negros e índios é nosso pecado original, sem cura ou redenção.

No Brasil de Bolsonaro, então, até os animais morrem de fome e de sede.

Imagem: Chico Ribeiro

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