A importância do poder de requisição das Defensorias Públicas

Por Ricardo Russell Brandão Cavalcanti, no Conjur

Introdução

“O procurador-geral da República, Augusto Aras, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) 22 processos com o intuito de suspender uma legislação federal de 1994 e normas estaduais que concedem às defensorias públicas o poder de requisitar documentos de órgãos governamentais” [1]. A presente notícia demonstra um duro ataque do procurador-geral da República ao poder de requisição da Defensoria Pública.

Entretanto, a prerrogativa que se tenta derrubar é um importante instrumento para a Defensoria Pública prestar a sua missão constitucional, tal como se pretende demonstrar, por meio de uma metodologia exploratória e descritiva, no presente artigo.

1) A importância do poder de requisição da Defensoria Pública na resolução extrajudicial dos conflitos

A Lei Complementar número 80 de 1994 prevê a seguinte redação:

“Artigo 44 — São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: X — requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições” [2].

Em uma primeira vista logo se percebe trazer o dispositivo acima colacionado uma importante ferramenta para facilitar ao defensor público a busca de subsídios para as causas nas quais o referido profissional do Direito atua. Entretanto, o referido poder é uma prerrogativa que pode servir também para facilitar a resolução extrajudicial dos conflitos.

Melhor esclarecendo: o defensor público pode, com amparo no dispositivo legal acima mencionado, exigir de qualquer autoridade pública informações e esclarecimentos em relação aos casos no qual está atuando. Assim, pode ser exigida a resposta sobre a possibilidade da realização de um acordo ou qualquer outra forma de solução administrativa sobre determinado litígio. A autoridade pública que recebe a requisição não é obrigada a aceitar a solução proposta, porém é obrigada a responder, o que aumenta as chances de a resposta vir seguida de uma proposta de acordo ou de uma solução para o litígio.

Assim, se um jurisdicionado tem um débito, a reposta da autoridade pública pode ser a possibilidade de um parcelamento, ou quando algum estudante da rede pública está com dificuldade para realizar uma matrícula a reposta pode ser justamente a efetuação dela ou até mesmo o esclarecimento sobre qual é a documentação faltante.

Também é possível que a resposta à requisição venha em forma de esclarecimentos passíveis de convencer o defensor público acerca da inviabilidade da pretensão do assistido, o que acabará gerando o arquivamento do procedimento aberto no âmbito da Defensoria Pública, evitando-se, assim, uma ação judicial temerária.

Enfim, o poder de requisição é um instrumento usado pela Defensoria Pública como forma de resolver os conflitos extrajudicialmente, o que é extremamente importante na atualidade tendo em vista o excesso de processos judiciais, o que torna o Poder Judiciário cada vez mais lento e distante de atender aos anseios da população.

2) A importância do poder de requisição da Defensoria Pública na tutela coletiva e na dos direitos humanos

A atuação da Defensoria Pública em prol dos direitos humanos não se resume à existência de conflitos entres as pessoas.

O inciso XVII do artigo 4º da Lei Orgânica da Defensoria Pública prevê a atuação do órgão defensorial dentro dos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescente. Trata-se de uma função predominantemente fiscalizadora e totalmente em consonância com a função defensorial de atuar em prol dos direitos humanos e em benefício dos necessitados, como é o caso da grande maioria dos detentos brasileiros.

A mesma lógica é encontrada no inciso XVIII do mesmo artigo ao falar da atuação da Defensoria na preservação e reparação das vítimas de tortura, abusos sexuais e discriminação. O referido inciso fala, ainda, em atendimento interdisciplinar, o que gera a necessidade da existência de outros profissionais dentro da instituição em comento, como psicólogos, sociólogos e assistentes sociais, além dos profissionais de Direito.

Existindo qualquer conselho cuja temática seja a preservação dos direitos acima, caberá, à luz do inciso XX do mesmo artigo, a participação da Defensoria Pública.

Assim, a assistência prestada pela Defensoria Pública vai além da existência dos conflitos, devendo o defensor público estar presente em todas as esferas sociais em defesa dos necessitados e em busca da efetivação dos Direitos Humanos, sendo por essa razão que, após a Emenda Constitucional 80/94, conforme será visto a seguir, o artigo 134 da Constituição da República passou a prever expressamente como atribuição da Defensoria Pública a promoção dos direitos humanos.

Desse modo, promover os direitos humanos é uma atribuição constitucional da Defensoria Pública.

Visando a cumprir esse papel, a Defensoria Pública da União editou em 2016 a Resolução 127, criando as figuras do defensor nacional de Direitos Humanos e do defensor regional de Direitos Humanos [3], existindo regulamentações similares nas no âmbito das defensorias estaduais.

Desse modo, as referidas funções devem ser ocupadas por defensores de carreiras afastados das suas atividades ordinárias, cuja atribuição deverá ir muito mais além do que apenas o ajuizamento de processos, mas, sim, efetivamente se aproximar da população vulnerável buscando a preservação dos direitos humanos.

Acontece que para a Defensoria Pública cumprir a sua função na tutela de direitos humanos, ela precisa de elementos e informações que constam nos mais diversos órgãos públicos, sendo o poder de requisição essencial para se conseguir acesso a esses dados.

Como exemplo, podemos imaginar a necessidade de se saber quantos servidores negros existem em funções de direção em determinada instituição pública ou quanto pacientes estão recebendo tratamento em algum hospital ou, ainda, quais são os projetos existentes na esfera pública para abrigar a população de rua.

Desse modo, retirar o poder de requisição de informações de autoridades públicas é esvaziar a tutela dos direitos humanos por parte da Defensoria Pública.

3) A diferença entre defensor público e advogado

O PGR traz a seguinte justifica para tentar derrubar o poder de requisição da Defensoria Pública: “Conceder permissão para que defensores solicitem registros públicos vai contra a Constituição, uma vez que advogados privados, por exemplo, não têm esse poder” [4].

Acontece que não podemos confundir o advogado privado com o defensor público, pois ambos possuem funções constitucionais distintas.

Antigamente, o texto originário da Constituição de 1988 colocava a Defensoria Pública na seção III do seu capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), ao lado da advocacia, e previa em seu artigo 134 O seguinte: “Artigo 134  A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”.

Acontece que as Emendas Constitucionais 45, 74 e, por fim, 80 alteraram profundamente o status constitucional da Defensoria Pública, inclusive colocando a advocacia em uma seção e a Defensoria Pública em outra, deixando bem claro que a Defensoria não integra a advocacia, sendo, em verdade, instituições diferentes, a primeira de cunho público e a segunda de cunho privado, a primeira seguindo os princípios do serviço público e a segunda, as regras do mercado.

Diante dessa realidade, o artigo 134 da Constituição da República tem atualmente a seguinte redação:

“Artigo 134 — A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º desta Constituição Federal.  

Desse modo, claro está que a atual redação do referido artigo 134 é bem menos tímida que o seu texto originário, que tratava a Defensoria Pública apenas como responsável pela defesa e orientação dos necessitados. Agora, a Constituição afirma que a referida instituição é a “expressão e instrumento do regime democrático” e, ainda, responsável pela promoção dos direitos humanos, tal como visto nos tópicos anteriores.

Assim, é natural que o defensor público tenha algumas prerrogativas que o advogado não tenha, tendo em vista que a Defensoria Pública possui atribuições que a advocacia não possui.

Além disso, até nas atribuições da Defensoria Pública e da advocacia que se assemelham, como é o caso da prestação da assistência jurídica, elas são realizadas de forma diferente, pois os assistidos da Defensoria Pública possuem uma maior dificuldade em ter acesso aos órgãos públicos, o que torna o poder de requisição um instrumento importante para ajudar a instruir os processos judiciais.

Conclusão

Diante do acima aludido, claro está a importância da Defensoria Pública para a sociedade e, em consequência, do poder de requisição para que a referida instituição possa garantir a sua missão de efetivar o acesso à justiça em todas as esferas aos necessitados, inclusive evitando processos judiciais desnecessários, bem como na sua missão de tutelar os direitos humanos.

Assim, a busca do procurador-geral da República em tirar a dita prerrogativa é extremamente preocupante e acaba gerando a possibilidade de enfraquecimento do trabalho dos defensores públicos.

Enfim, só nos resta repetir as palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Melo e perguntar: “A quem interessa enfraquecer a Defensoria Pública?” [5].

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do. Disponível em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 06/10/2021.

BRASIL._Lei_Complementar_n.º_80/94._Disponível_em_http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm. Acesso em 06/10/2021.

<dpu.def.br/conselho-superior/resolucoes/30844-resolucao-n-127-de-06-de-abril-2016-regulamenta-a-tutela-coletiva-de-direitos-e-interesses-pela-defensoria-publica-da-uniao. Acesso em 06.10.2021.

<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9058261>. Acesso em 06.10.2021.

<https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/10/4953468-pgr-aciona-o-stf-para-impedir-que-defensorias-possam-requisitar-informacoes-do-governo.html>. Acesso em 06.10.2021.

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm>. Acesso em 06.10.2021.

[1] Fonte: correiobraziliense.com.br/brasil/2021/10/4953468-pgr-aciona-o-stf-para-impedir-que-defensorias-possam-requisitar-informacoes-do-governo.html

[2] A referida redação é replicada no inciso X do artigo 89 da mesma lei para os defensores distritais, no inciso X do artigo 128 da mesma lei para os defensores estaduais, bem como em legislações estaduais.

[3] O inteiro teor da referida resolução pode ser visualizado no presente link: dpu.def.br/conselho-superior/resolucoes/30844-resolucao-n-127-de-06-de-abril-2016-regulamenta-a-tutela-coletiva-de-direitos-e-interesses-pela-defensoria-publica-da-uniao. Acesso em 06.04.2021.

[4] Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/10/4953468-pgr-aciona-o-stf-para-impedir-que-defensorias-possam-requisitar-informacoes-do-governo.html

[5] O referido ministro proferiu a dita frase no julgamento da ADI 3.943, proposta pela Associação Nacional dos membros do Ministério Público-CONAMP, que tentou, sem sucesso, tirar a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ações Civis Públicas. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9058261. Acesso em 06.10.2021.

Ricardo Russell Brandão Cavalcanti é defensor Público Federal, professor do IFPE, mestre e doutorando em Direito, especialista em Ciência Política.

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