MPF participa de debate sobre a escuta protegida de crianças e adolescentes indígenas vítimas de violência

Para a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, a eficácia do instrumento depende de diálogo permanente e respeito à cultura indígena

Procuradoria-Geral da República

É importante adequar os instrumentos de proteção a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência às especificidades dos povos indígenas e tradicionais, respeitando a diversidade social e cultural dessas populações. Esse foi o posicionamento defendido pela coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Eliana Torelly, no webinário “Diálogos Interculturais: Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Pertencentes a Povos e Comunidades Tradicionais (PCT)”. O evento foi realizado na última segunda-feira (18), durante o terceiro ciclo de palestras da capacitação online.

O foco da nova etapa do webinário foi debater a aplicação da Lei da Escuta Protegida (Lei 13.431/2017) no contexto de evolução da legislação indigenista. A norma estabelece que a criança ou adolescente em situação de violência deve ser ouvida por meio de escuta especializada e depoimento especial. Os procedimentos utilizam técnicas de entrevista que visam preservar a integridade física e emocional dos menores, por meio de atendimentos mais humanizados e menos revitimizantes.

A coordenadora da 6CCR destacou que a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são marcos importantes da superação do paradigma integracionista e assimilacionista dos povos indígenas, adotado pelo Estado brasileiro desde o período colonial. Na avaliação da subprocuradora-geral da República, a evolução da política indigenista no país foi bastante lenta e, ainda hoje, é possível identificar tentativas de fragilizar o direito à autodeterminação dessas populações.

Um exemplo recente é a Resolução 4/21 da Funai, que pretendia estabelecer critérios de heteroidentificação de povos e indivíduos indígenas. Torelly classificou a medida como “extremamente equivocada”, pois parte da premissa de que todas as pessoas que se identificavam como indígenas estariam praticando fraudes. Além disso, retira dos povos e indivíduos indígenas a autonomia para definir critérios de pertencimento e reconhecer quem são seus membros. A norma foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março.

Diálogo – A subprocuradora-geral afirmou que o Protocolo de Escuta Protegida para as crianças indígenas representa um passo importante no caminho da adequação dos instrumentos de proteção a menores vítimas de violência. Ressaltou, porém, que a escuta e inclusão dessas populações na política pública não se resume a um ato, é um processo de diálogo que deve ser mantido constantemente. “É preciso um esforço contínuo das instituições para afastar a invisibilidade dessas pessoas. Como muitos estão confinados em reservas ou terras afastadas das cidades, é como se os problemas deles não existissem”, ponderou.

Eliana Torelly destacou a falta de policiamento e atendimento adequado para essas crianças e adolescentes, resultado da compreensão equivocada de que tudo em relação aos povos indígenas é problema exclusivo da Funai e da Polícia Federal. “É essencial ter em mente que o objetivo de qualquer órgão encarregado da proteção de crianças e adolescentes é fornecer essa segurança, independente de quem elas sejam”, frisou a subprocuradora-geral. Ela alertou ainda para a necessidade de capacitação das instituições e profissionais que integram essa rede de acolhimento e proteção, enfatizando o problema da falta de tradutores para intermediar o atendimento das vítimas de violência.

Segundo a coordenadora da 6CCR, o preconceito contra a cultura indígena é outra grande dificuldade a ser superada. Ela ponderou que a visão negativa dos costumes, crenças e tradições dos povos originários faz com que, muitas vezes, a retirada da criança do convívio de sua família e comunidade seja apontada como solução pelos órgãos de proteção, o que nem sempre seria necessário. Por outro lado, os locais de acolhimento desses menores também não são preparados para recebê-los: não há referência à cultura indígena, não se fala a língua materna das crianças e a alimentação não é adaptada ao que estavam habituados. A subprocuradora-geral acrescentou ainda que, segundo dados da Funai, há uma preferência pela adoção de crianças não indígenas.

Para Eliana Torelly, todas essas questões indicam que a eficácia dos instrumentos de proteção a crianças e adolescentes indígenas vítimas ou testemunhas de violência passa pelo diálogo com essas populações. “É preciso que nos coloquemos na posição de ouvir, temos muito o que aprender com os povos indígenas e as comunidades tradicionais”, concluiu.

Assista à íntegra do debate

Arte: Secom/MPF

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