Por Bernardo Mello Franco, em O Globo
A Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou a inscrição de João Cândido Felisberto no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O marujo morreu há 52 anos, foi anistiado duas vezes e é reconhecido como um ícone da luta contra o racismo. Ainda assim, a Marinha tenta barrar a homenagem.
Filho de escrava, João Cândido liderou a Revolta da Chibata, movimento de marinheiros que parou o Rio em 1910. Os rebeldes tomaram quatro navios na Baía de Guanabara e apontaram os canhões para a cidade. Ameaçavam abrir fogo se as punições físicas não fossem abolidas.
Às vésperas do motim, o marujo Marcelino Rodrigues Menezes havia sido castigado diante da tripulação do encouraçado Minas Gerais. Foi amarrado ao mastro e levou 250 chibatadas.
A rebelião mobilizou 2.379 praças aos gritos de “Viva a liberdade” e “Abaixo a chibata”. Em mensagem ao presidente Hermes da Fonseca, eles protestaram contra a rotina de maus-tratos:
“Pedimos a V. Exª. abolir a chibata e os demais bárbaros castigos pelo direito da nossa liberdade, a fim de que a Marinha brasileira seja uma Armada de cidadãos, e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados.”
A Lei Áurea, assinada em 1888, ainda não havia chegado aos navios de guerra. Os marinheiros, quase todos negros, continuavam a ser açoitados pelos superiores, quase todos brancos.
O motim instalou o pânico na então capital da República. Os rebelados mataram seis oficiais que tentaram reprimi-los. Um tiro de advertência matou mais duas crianças no Morro do Castelo.
A imprensa defendeu os marujos e apelidou João Cândido de Almirante Negro. No Senado, Ruy Barbosa cobrou o fim dos castigos e exaltou “o homem do povo, preto ou mestiço, que veste a nobre camisa azul da nossa Marinha”.
O governo ofereceu uma anistia para encerrar o movimento, mas descumpriu o trato e expulsou a maioria dos rebeldes. João Cândido foi preso e confinado numa solitária. Absolvido, passou a sobreviver como estivador e vendedor de peixes na Praça XV. Na velhice, morava numa rua sem luz e sem asfalto na Baixada Fluminense.
“Ele comeu o pão que o diabo amassou”, conta o historiador Álvaro Pereira do Nascimento, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Morto em 1969, João Cândido viraria herói popular. Inspirou músicas, peças de teatro e desfiles de carnaval. O Congresso aprovou uma nova anistia há 13 anos, mas os chefes militares insistem em açoitar sua memória.
Nos últimos dias, a Marinha tentou convencer os senadores a desistirem da homenagem. Em nota, definiu a Revolta da Chibata como “um péssimo exemplo e um episódio a ser lamentado”. “A Marinha não reconhece o heroísmo das ações daquele movimento e o considera uma rebelião”, sentenciou. O texto admite que os castigos físicos não eram “corretos”, mas condena a “ruptura do preceito hierárquico”.
A proposta foi aprovada na sexta-feira e seguirá para a Câmara, onde a pressão deve recomeçar. “Os militares querem apagar a História. João Cândido morreu há 52 anos e continua a ser perseguido”, critica o professor Nascimento. Somando o tempo de banimento em vida, já são 111 anos de perseguição.
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Grafite de Pedro Rajão e Cazé na rua em que viveu João Cândido, em São João de Meriti
Que triste história, não conhecia. Deixa o coração apertado.
Se o Almirante Negro não tivesse “rebarbado” há 110 anos, as Praças da Marinha ainda estariam sendo chibateadas até hoje.
“Salve o Navegante Negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais”
A Marinha do Brasil deve se orgulhar sobre o assunto. Quase 112 anos depois, ainda defende arraigadamente sua ideologia obtusa sobre sublevação e motim. Talvez tema que o tema possa insuflar a tropa. A abolição da escravização ocorreu em 1888. Doze anos depois, Marcelino Rodrigues de Menezes foi condenado a receber 250 (duzentos e cinquenta chibatadas) por embarcar com cachaça em um navio. Ele desfaleceu, haja vista que ser humano algum suporta tal tribulação. Restauradas a “hierarquia” e a “disciplina”, os marujos deveriam ser afetivamente gratos ao oficialato branco e rico, em detrimento dos praças pobres e negros? Seguindo esta linha de raciocínio hoje, o Almirante Negro João Cândido deveria ser empregado como silhueta (alvos) para os treinamentos do Grumec ou Batalhão Tonelero? Marinha do Brasil, faça com que a nação veja a força com altivez, por favor. Não com vergonha pela não assunção dos erros de um passado bem distante,mas muito rememorável.
Boa noite estimados eleitores, na minha opinião a denominada Revolta da Chibata mostrou a garra e determinação dos marujos, maioria negros, que se insurgiram contra 250 chibatadas disparadas contra um marinheiro negro, de baixa graduação. Foi uma abuso sem tamanho. Uma vindita dos oficiais brancos, porquanto, naquele tempo lúgubre os brasileiros negros só ascendiam, no máximo, o posto de praça. Os oficiais brancos, subalternos e superiores eram recrutados pela simples razão de serem filhos almirantes. Tinha QI ( quem indica). Maioria eram filhos de almirantes. Formavam, assim, uma casta. Na chamada Guerra do Paraguai foram os negros que derrotaram os guaranis. Provo. O Império brasileiro só tinha 10 mil brancos para lutar. Convocou escravos(prometendo libertá-los). Só assim conseguiu formar um exército de 120 mil homens. Sem os negros o Brasil seria derrotado. A Marinha jamais irá reconhecer a bravura desses negros, salvo Marcinho Dias, neto de escravos, herói da Batalha de Riachuelo.
A Marinha, das três Forças Armadas, sempre foi a mais reacionária elitista e conservadora. Adora ver seus oficiais, na maioria brancos, serem bajulados nos Yachts Clubes pelo Brasil a fora, justamente os Clubes que são o retrato da elite brasileira.
Berço do CENIMAR de triste memória.
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Essa é a Marinha brasileira racista,facista e sem dignidade.
Fui fuzileiro e posso criticar.
Luz para ele e força para você/s, Edmilson. A luta continua.
Meu querido irmão falecido de covid. Advogado Evandro Aleluia, foi presidente da comissão da verdade na OAB de São João de Meriti, lutou durante seu período de presidente pelo reconhecimento do Almirante negro como herói nacional. E hoje essa luta continua.