Brasil lidera ranking de barragens planejadas em áreas protegidas que podem intensificar crise climática

Os projetos representam um grande risco para a sócio-biodiversidade e para o clima do planeta por conta da emissão de metano. Durante a COP 26, mais de cem países se comprometeram a reduzir em 30% as emissões do gás até 2030

por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

A hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Pará, é o terceiro maior projeto desse tipo no mundo. O empreendimento destruiu comunidades e modos de vida tradicionais, alagou um terço da cidade de Altamira e danificou o ecossistema aquático do Xingu, que tem espécies endêmicas de peixes e tartarugas. Foto: Marcos Corrêa/PR

Ao todo, 1.249 hidrelétricas ao redor do mundo estão construídas e mais 509 planejadas em áreas de preservação. Nessa semana, quando representantes governamentais reunidos na COP 26, em Glasglow, na Escócia, discutem o futuro climático do planeta, uma das questões que pode entrar em pauta é o polêmico crédito de carbono atualmente concedido para a construção dessas hidrelétricas, que têm diversos impactos sociais e ambientais em áreas protegidas, além de emitir metano, um gás muito potente para o efeito estufa.

O incentivo atualmente é concedido através do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) das Nações Unidas, que foi definido no Protocolo de Quioto. A premissa é de que as usinas hidrelétricas – assim como as eólicas e solares – evitariam o lançamento de gás carbônico para atmosfera em detrimento das usinas térmicas, contribuindo, assim, para a desacelerar o aquecimento global.

Os supostos benefícios relacionados às hidrelétricas que justificam esse mecanismo, porém, são contestados em diversos estudos científicos. Em 2019, a Revista Conservation Letters publicou um artigo que demonstra impactos das barragens como o deslocamento forçado de populações tradicionais, a emissão do gás metano e o grande risco para biodiversidade de água doce. Esses impactos são ainda mais graves quando as barragens são construídas áreas preservadas.

De acordo com o estudo, a maioria dos projetos está localizada no Brasil, em especial na Amazônia. Quando o estudo foi publicado, pelo menos 158 barragens, operavam ou estavam em construção na bacia amazônica e outras 351 haviam sido propostas com potencial de afetar mais de 37.000 km² de unidades de conservação.

Francisco lembra que qualquer impacto no meio fluvial causa alterações de longo prazo também na floresta. “Os problemas que temos observado nas hidrelétricas da Amazônia, como a perda de espécies importantes da fauna, flora e ictiofauna, alteração no lençol freático e aumento da temperatura dos lagos, acontecem não apenas até a estabilização desses reservatórios, mas de forma permanente e acumulativa”.

As barragens e o efeito estufa

Esses projetos representam não só um grande risco socioambiental para o território, mas também para o clima global. É o que ressalta o cientista Philip Fearnside, em entrevista exclusiva para o MAB. Phillip é um biólogo e cientista norte-americano ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que se radicou no Brasil e ganhou ampla notoriedade internacional a partir de estudos sobre as hidrelétricas brasileiras e seus efeitos para o clima.

“As barragens emitem muitos gases de efeito estufa, sobretudo o metano, um gás muito potente para o aquecimento global. Inclusive, o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) publicado em agosto dedica um capítulo inteiro para os efeitos desse tipo de gás para as mudanças climáticas”, explica o cientista. Em virtude desses estudos, nessa terça, 02, durante a COP, o Brasil e mais de cem países aderiram ao Compromisso Global do Metano em um esforço coletivo para reduzir em 30% as emissões de metano até 2030 em relação aos níveis de 2020.

O metano é produzido no aparelho digestivo do gado e em outros processos naturais como a decomposição de matéria orgânica. Segundo Philip, a decomposição da floresta inundada nos lagos das hidrelétricas é muito expressiva para a geração do poluente. “Esse gás é emitido logo nos primeiros anos após a construção das barragens. Ele dura menos tempo que o carbono na atmosfera, mas tem muito mais impacto para o aquecimento global”, ressalta. Há estudos que demonstram que o metano é 80 vezes mais potente na elevação das temperaturas da Terra que o dióxido de carbono (CO2).

Philip destaca que o lançamento de metano no curto prazo é muito grave por conta da urgência de controlar a emissão que irá ocorrer nos próximos anos. “Isso é fundamental para evitarmos uma situação de colapso do clima, o que é chamado de “ponto de não retorno”.

Nesse contexto, o cientista afirma que estimular a construção de hidrelétricas como uma alternativa de energia limpa não faz sentido porque elas não colaboram para evitar as mudanças climáticas.

Kelvim lembra ainda que além do efeito para o clima, as hidrelétricas têm muitos outros impactos potenciais que não foram previstos. “Os rios da bacia Amazônica, por conta da influência dos Andes e do regime de cheias, vazões altas, entre outros fatores estão em constante transformação. O licenciamento ambiental dos projetos hidrelétricos na Amazônia não considerou isso e o impacto da formação desses reservatórios no longo prazo”, explica o coordenador.

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