O MST tem realizado medidas imediatas para abrandar os efeitos climáticos, como o Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis que têm apontado a perspectiva da Reforma Agrária Popular, com o plantio de 100 milhões de árvores em dez anos, aliados a produção de alimentos em sistemas agroecológicos
Por Maíra Santiago (MG), Aline Oliveira (AL) e Camilo Augusto (RO)*, na Página do MST
Em nossos dias vivenciamos o aceleramento do aquecimento do planeta e um possível colapso climático que são consequências do modo de vida capitalista, o responsável por nos trazer a esse ponto. Essa forma de organizar a vida (que é hegemônica desde o século XIX) numa sociedade que produz desperdício e destruição ao tratar tudo como mercadoria, primando o lucro acima de tudo, inclusive da preservação das condições de existência da espécie humana.
Fidel Castro já advertia a humanidade para os perigos nocivos da sociedade capitalista de consumo e desperdício para o planeta e todas as espécies que nele habitam, incluindo a nossa, em 1992 na conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente. Hoje é possível ver e sentir as mudanças climáticas de forma mais clara, assim como perceber quem sofre com os desastres causados ou potencializados pelas ações destruidoras do grande capital que geram as mudanças climáticas.
Vimos no último ano, ano em que o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) lançou seu relatório com projeções assustadoras sobre o aquecimento global, o Brasil batendo recordes de desmatamento na Amazônia, com queimadas intensas no Pantanal e o agronegócio avançando no Cerrado, impulsionado por sua vez pelo avanço do garimpo ilegal e da pecuária, que estão ligados também a diversos processos econômicos engendrados por atores internos e externos ao Brasil.
Cenas como as nuvens gigantescas de poeira, tornados onde nunca antes havia acontecido, secas extremas, ondas de calor e chuvas torrenciais, deslizamentos, tudo isso se deve a ação destrutiva das grandes corporações que poluem as águas e os ares, destroem a biodiversidade e os ecossistemas trazendo consequências irreparáveis ao meio ambiente e a quem nele vive.
A influência das mudanças climáticas chegou de forma brutal, e se algo não for feito, a tendência é piorar nos próximos anos. O resultado disso são as intensas chuvas na região Nordeste e Sudeste, principalmente no Estado da Bahia e Minas Gerais, mas que já tem avançando para outros estados. E ao mesmo tempo em que esses Estados sofrem com as causas das fortes chuvas, o Sul do Brasil enfrenta seca com possibilidades de chegar a uma onda de calor acima de 40°C.
O fenômeno ocorrido é um corredor de umidade – chamado de Zona de Convergência do Atlântico Sul – que vem do sul do Amazonas para o oceano Atlântico. Isso ocorre sempre no Brasil com a função de repor água e contribui na estabilidade atmosférica. Mas esse ano foi atípico, com uma anormalidade provocada pelo desmatamento, queimadas que causam o aumento das temperaturas, gerando a cada ano chuvas mais intensas, para além do estimado, o que tem provocado grandes impactos nas vidas das famílias brasileiras, principalmente as marginalizadas e empobrecidas.
O estado nordestino da Bahia teve 165 municípios afetados e 153 deles declararam situação de emergência. O estrago deixado pelas enchentes, vai levar tempo para ser consertado, como estradas, famílias desabrigadas, saúde, acesso à água potável. Foram 59 sistemas de água afetados pelas chuvas. No estado já se chegou à triste perda de 26 pessoas.
Em Minas Gerais as chuvas intensas chegaram junto com o ano de 2022. As chuvas além da média histórica provocaram alagamentos, estradas interditadas, populações ilhadas, lavouras agrícolas destruídas, risco de rompimentos de barragens de rejeitos de minérios e de água, transbordamentos de barragens de minério, desmoronamento de um bloco de pedras no lago de Furnas, em Capitólio (MG) e o desmoronamento de encostas em Ouro Preto, tudo isso nos primeiros 15 dias do ano.
O acampamento Pátria Livre, no município de São Joaquim de Bicas, Minas Gerais e o assentamento 2 de Julho no município de Betim, MG, ambos estão à margem do Rio Paraopeba que com as intensas chuvas teve o aumento do nível da água e atingiu duas comunidades 168 famílias nestes locais. Esse é o mesmo rio que teve suas águas mortas pelo rompimento da Barragem da Vale S.A em 2019, na região de Brumadinho e agora com as chuvas, além de muita água veio junto muitos rejeitos de minério. As famílias já começaram a dimensionar os estragos causados, que são recorrentes desde 2019, com o crime da Vale e a situação é bem preocupante.
Os impactos das mudanças climáticas estão cada vez mais perceptíveis em todo o mundo. Serão catástrofes cada vez mais recorrentes, sobretudo, nos países que estão localizados no sul global. Pesquisas apontam que muitos destes eventos extremos são irreversíveis, dentre eles o aumento do nível do mar. Efeitos decorrentes da exploração histórica dos bens comuns da natureza, a exemplo atual do próprio estado da Bahia e Minas Gerais, que desde o século XVII são explorados por meio do desmatamento da Mata Atlântica, mineração, em seguida, a pecuária e monocultivos, que agora no século XXI sofrem as consequências e impactos do capitalismo predatório na região.
Frente a este cenário alarmante, pesquisadores apresentam medidas de mitigação e/ou adaptação às mudanças climáticas, no entanto, estas medidas que deveriam ser planetárias, têm sido realizadas de forma desigual, quanto por um lado países ricos têm investido em geoengenharia para se adaptar às mudanças climáticas, por outro lado países em desenvolvimento não tem recursos financeiros para modificar a estrutura industrial ou de transporte sem a queima de combustíveis fósseis. O que desemboca em uma desigualdade climática.
O atual momento histórico é ímpar para retardarmos os impactos climáticos e diante do retrocesso das políticas ambientais no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem anunciado e realizado medidas imediatas para abrandar os efeitos climáticos para o conjunto da sociedade. O Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis têm apontado a perspectiva da Reforma Agrária Popular para os efeitos da crise ambiental. O Plano em 10 anos pretende plantar 100 milhões de árvores, impulsionar a recuperação de áreas degradadas em todos os biomas brasileiros, cultivo de diversas agroflorestas para a produção de alimentos saudáveis em harmonia com a natureza e sua biodiversidade e trabalho de formação de consciência na questão ambiental.
Pesquisas a respeito dos Sistemas Agroflorestais (SAF’s) têm destacado que municípios no qual esta prática tem sido intensificada são menos vulneráveis aos efeitos climáticos, pois eles garantem a produção agrícola de forma sustentável, fornecendo alimentos com o uso de menos recursos e, consequentemente, tem minimizado os impactos ambientais da produção agropecuária. Os SAF’s, são uma das experiências de medidas adaptativas de curto e longo prazo para mitigar os efeitos climáticos, no entanto estas ações devem envolver os sujeitos do campo e da cidade e políticas públicas de médio e longo prazo para garantir a sobrevivência humana na Terra, a casa comum.
Para o IPCC os cenários que já estamos vendo e sentido serão o novo normal, com previsões de futuros ainda piores caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidos. Desse modo, desacelerar o aquecimento do planeta Terra perpassa por mudanças socioeconômicas que estão pautadas no consumismo desenfreado e na exploração dos bens comuns da natureza, em detrimento do acúmulo de riquezas e no agravamento das desigualdades sociais. Assim, para garantir a vida humana na Terra e o futuro de novas gerações, se faz necessário um novo projeto de sociedade, alicerçada em matrizes socialistas, com novas relações humanas interpessoais e com a natureza e a interrupção do ciclo vicioso de exploração capitalista.
*Ambos fazem parte do Coletivo Nacional do Plano Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis do MST.
**Editado por Solange Engelmann
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Foto: Luis Moura /Estadão