Tania Pacheco
Em pouco mais de 24 horas e até a manhã de hoje, mais de 50 mil pessoas haviam assinado manifesto lançado este final de semana por docentes, pesquisadores e profissionais de saúde, em repúdio à Nota Técnica pró-cloroquina divulgada sexta, 21 de janeiro, pelo Ministério da Saúde.
Vale lembrar que ao longo de 2021 e em depoimentos no Congresso e na CPI da Covid, o Ministro da Saúde em diversos momentos se recusou a responder sobre o uso do chamado ‘kit Covid’, afirmando que aguardava os resultados da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) para se pronunciar. E esses resultados foram taxativos quanto à importância da vacina e do abandono da cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros medicamentos sem eficácia para tratar a doença.
Agora, a Nota Técnica assinada pelo Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde Hélio Angotti Neto busca ao longo de 48 páginas justificar a rejeição das diretrizes para o tratamento da Covid elaboradas pela Conitec, levantando dúvidas quanto às vacinas e defendendo o uso da cloroquina.
Na Tabela da página 24 citada pelo Manifesto (reproduzida abaixo), além de contrapor os estudos realizados sobre as vacinas aos relativos à hidroxicloroquina, invalidando os primeiros e validando os segundos, a NT ainda aponta outra diferença entre uns e outros, além dos custos: as vacinas foram “predominantemente financiadas pela indústria”! Ora, considerando o cuidado preferencial dedicado pelo atual governo aos planos de saúde, em detrimento do SUS, o argumento não deixa de ser curioso.
Nas Conclusões, a NT sintetiza ainda os diversos “fatores previamente explicados” que levaram o Ministério da Saúde a repudiar as conclusões da Conitec, todos de inquestionável fundamento científico. Da lista de quase 30, cito apenas um como exemplo:
“Repetidos vazamentos de informações com intenso assédio da imprensa e de agentes políticos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre membros da CONITEC;”
O Manifesto dos docentes, profissionais de saúde e pesquisadores é preciso ao classificar a Nota Técnica do Ministério: uma “vasta lista de estultices”.
Leia, abaixo, o Manifesto, que pode ser assinado aqui:
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Repúdio à Nota Técnica 2/2022 – SCTIE/MS
“Nós, docentes, profissionais de saúde e pesquisadores brasileiros, vimos mostrar publicamente nosso repúdio à publicação da NOTA TÉCNICA Nº 2/2022-SCTIE/MS pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, que trata da FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO ACERCA DAS DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA O TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA COVID-19 (HOSPITALAR E AMBULATORIAL):
a) Os profissionais de saúde, que, unidos à população brasileira, mantivemos nosso País funcionando mesmo nas situações mais críticas, demos o melhor de nós frente ao desafio representado pelo enfrentamento da pandemia de COVID-19. ;
b) Contribuímos significativamente para elaborar medidas voltadas ao manejo das pessoas adoecidas, para o desenvolvimento de protocolos eficazes de tratamento, para o desenvolvimento e teste de vacinas e para o entendimento dos efeitos da COVID-19 em diferentes órgãos e sistemas.
c) Os esforços de nossos profissionais da linha de frente e de nossos pesquisadores tornaram possível o tratamento de milhares de pessoas afetadas, bem como auxiliaram a colocar nosso País entre os centros de pesquisa do mundo que mais contribuíram para o entendimento da COVID-19 (7287 publicações indexadas na plataforma Web of Science até 22/01/2022);
d) Neste cenário, nos sentimos perplexos quando lemos a vasta lista de estultices apresentada pela nota técnica em epígrafe. Resumidamente, a nota rejeita as normas de tratamento recomendadas por pesquisadores e médicos com experiência no tema, em favor de tratamentos não validados. Para facilitar o leitor sugerimos ir ao documento original (http://conitec.gov.br/images/Audiencias_Publicas/Nota_tecnica_n2_2022_SCTIE-MS.pdf) e observar a tabela da página 24, que, em nosso entender, é um exemplo primoroso de desinformação em saúde, ao apontar evidências conclusivas de efeitos positivos da cloroquina e negar a certeza dos benefícios das vacinas. É espantoso que o Ministério da Saúde recuse normas propostas elaboradas por um grupo de pesquisadores, convocados pelo próprio Ministério, criando uma situação sem precedentes em nosso País. Causa enorme preocupação o fato de que as rédeas do Ministério da Saúde estejam sob a posse da ideologia, da desinformação e, principalmente, da ignorância. O comportamento do Ministério da Saúde transgride não somente os princípios da boa Ciência, mas avança a passos largos para consolidar a prática sistemática de destruição de todo um sistema de saúde;
e) Considerando o acima exposto, solicitamos de forma urgente que as normas de tratamento hospitalar e ambulatorial da COVID-19, elaboradas pelo grupo representativo de especialistas convocados pelo Ministério da Saúde e aprovadas pela CONITEC, sejam adotadas pelo Ministério da Saúde em benefício da Saúde do povo brasileiro.”
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Junho de 2020: ONG Rio de Paz abre covas na praia de Copacabana para marcar as mortes causadas pelo coronavírus. Foto: reprodução redes sociais