NOTA PÚBLICA: “Um ano após o assassinato de Fernando dos Santos Araújo, a impunidade segue fazendo vítimas no campo paraense”

CPT

A CPT-Regional Pará, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP-PA e o Instituto Zé Cláudio e Maria trazem a público a ausência de informações sobre as investigações do assassinato de Fernando dos Santos, camponês executado há um ano atrás na Fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco-PA.

Fernando era sobrevivente do episódio sangrento conhecido como Massacre de Pau D’Arco, ocorrido em 24 de maio de 2017, no mesmo local em que foi assassinado. A nota expõe a ausência de informações sobre “as motivações do crime, a eventual existência de mandantes e especialmente, a possível vinculação do homicídio de Fernando ao Massacre”.

As organizações cobram respostas ágeis à gravidade dos crimes ocorridos e ao constante cenário de conflitos no campo que atingem o Pará. Também destacam a situação de impunidade que resguarda os causadores desses conflitos, a exemplo dos policiais envolvidos no Massacre de Pau D’Arco, que respondem em liberdade. 

Confira a Nota Pública :

Um ano após o assassinato de Fernando dos Santos Araújo, a impunidade segue fazendo vítimas no campo paraense.

Na data de 27 de janeiro de 2021, exatamente um ano atrás, recebíamos com revolta a notícia do assassinato de Fernando dos Santos Araújo, homem, gay, camponês, sobrevivente do Massacre de Pau D’arco e resistente na Fazenda Santa Lúcia. Acabou sendo assassinado com um tiro, na mesma área onde há pouco mais de quatro anos escapou do episódio mais sangrento da história dos conflitos no campo no Sul do Pará, promovido por policiais civis e militares do Estado do Pará. Ele ouviu de muito perto a execução de 9 companheiros de luta, dentre eles seu namorado, e de sua amiga e líder da ocupação, Jane Júlia de Oliveira. Contudo, esse não foi o único episódio de violência do qual Fernando foi vítima e também sobrevivente.

Em setembro de 2020, Fernando sofreu uma tentativa de homicídio em sua residência no interior da Fazenda Santa Lúcia. Na ocasião, ele foi baleado no abdômen com um tiro de espingarda. Em depoimento pessoal prestado perante a Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA) de Redenção no dia 30 de setembro de 2020, o próprio sobrevivente indicou quem teriam sido os supostos responsáveis pelo atentado contra sua vida. Segundo a conclusão da DECA, responsável por ambas investigações, a mesma pessoa que participou do primeiro atentado contra Fernando foi posteriormente o responsável pelo seu homicídio, consumado em 26 de janeiro de 2021. Até a data do assassinato de Fernando, não havia qualquer resultado do inquérito referente à tentativa da qual havia sido vítima 4 meses atrás. Essas investigações somente foram concluídas cerca de 16 meses após o fato.

Desde 27 de janeiro de 2021, as entidades defensoras de direitos humanos e aqueles que acompanham diretamente o caso pautaram o Estado para que investigasse o assassinato de Fernando buscando esclarecer não somente a autoria do crime, mas também as motivações do crime, a eventual existência de mandantes e especialmente, a possível vinculação do homicídio de Fernando ao Massacre de Pau D’arco. Contudo, as investigações foram encerradas 11 meses após sua morte sem as respostas necessárias e os inquéritos remetidos ao Ministério Público do Estado do Pará, que deverá apresentar denúncia contra os indiciados nos próximos dias.  Em razão das inconsistências neste inquérito, a CPT e a SDDH protocolaram documento junto ao órgão público solicitando a continuidade das investigações.

As falhas técnicas, omissões e a morosidade extrema para a conclusão dos inquéritos que investigam os crimes contra Fernando demonstram de maneira gritante como a contumaz impunidade com relação aos crimes no campo perpetua a violência e continua fazendo vítimas, dia após dia. Ter sobrevivido ao maior massacre no campo paraense nos últimos anos, não foi suficiente para que Fernando fosse tratado com a mínima dignidade por este Estado, que ignorou as ameaças e atentados que a vítima sofreu, não lhe garantiu um mínimo de assistência social, material ou psicológica após o massacre e trata com evidente descaso seu assassinato.

O Massacre de Pau D’arco ocorrido em 2017 nos revela um horizonte repleto de violências, violações da dignidade humana e omissões que envolvem toda a estrutura desse Estado e escancara sua ineficiência em garantir direitos fundamentais àqueles que mais necessitam. A morosidade nas investigações, a falta de assistência às vítimas e seus familiares e as constantes omissões do Estado são os ingredientes para que o Estado do Pará seja o recordista nacional em grilagem de terras públicas, desmatamento, assassinato de trabalhadores/as rurais e suas lideranças. Apenas no estado do Pará, nas últimas quatro décadas a CPT registrou 29 massacres com 152 vítimas. Nesse período, 75 lideranças foram assassinadas no sul e sudeste do Estado. De 2017 até 2021, 12 lideranças rurais foram mortas nessas regiões e somente em 2 casos houve elucidação dos fatos.

Foi neste mesmo cenário que já em janeiro de 2022 ocorreu a chacina de uma família de ambientalistas em São Félix do Xingu, assassinados a tiros em sua propriedade na zona rural daquele município. Em casos como este o que preocupa os movimentos e entidades de direitos humanos são as limitações dos órgãos de segurança pública do Estado em esclarecer as responsabilidades e motivações dos assassinatos.

Em uma das diversas audiências de despejo que enfrentou enquanto ocupou a Fazenda Santa Lúcia, com a cabeça erguida e a dignidade de quem recolhe do suor do rosto o seu sustento, Fernando declarou ao juiz agrário: “A gente já pagou por essa terra, a gente pagou ela com o nosso sangue!” Mas o latifúndio não julgou suficiente o sangue derramado. Voltou e voltará outras vezes, sempre certo do manto de proteção do Estado.

Neste dia, um ano após o assassinato de Fernando Araújo dos Santos, seguindo seu exemplo de determinação e coragem nos levantamos para fazer memória à sua luta. Não nos calaremos diante do cenário de violência e impunidade que continua fazendo como vítimas ambientalistas, trabalhadores/as rurais e suas lideranças. O Estado do Pará deve assumir suas responsabilidades perante os familiares e as vítimas dessa violência, e romper com o silêncio ensurdecedor que assegura a continuidade dos crimes no campo.

Belém, 27 de janeiro de 2021.

Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP Articulação PA

Instituto Zé Cláudio e Maria

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