Quais são os direitos humanos e os impactos ambientais da siderurgia do Corredor Carajás? Qual é a estrutura da cadeia de fornecimento de ferro e aço? Quais são as empresas envolvidas? Essas e outras questões são respondidas no relatório.
Lanna Luiza, Justiça nos Trilhos
Na manhã desta quinta-feira (24), a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e a Justiça nos Trilhos (JnT), divulgaram hoje o relatório “Heavy metal: Das minas exploradas de forma abusiva aos bens de consumo globais, a viagem do ferro brasileiro“, sobre os direitos humanos e os abusos ambientais associados à cadeia de valor do ferro e do aço com origem nas minas do corredor Carajás.
O relatório disponível em português e inglês destaca como gigantes da indústria, como a Arcelor Mittal ou a TataSteel obtêm o seu ferro das minas abusivas no Brasil, e como o aço que produzem acaba sendo transformado em bens de consumo por todo o mundo, como também, emite recomendações à Vale, S.A., compradores e outras empresas ao longo da cadeia de fornecimento, alertando-os para os abusos desenfreados e levando-os a examinar e a agir de acordo com as suas obrigações de devida diligência em matéria de direitos humanos.
O material foi lançado apenas um dia depois que a Comissão Européia emitiu sua proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, que estabelece requisitos para que as empresas conduzam processos de due diligence de direitos humanos e ambientais.
O ferro brasileiro proveniente do corredor Carajás é transformado em componentes de bens em indústrias globais que vão desde infra-estruturas automóveis até a tecnologia. As cadeias de fornecimento de ferro e aço são longas, complexas e opacas, tornando difícil responsabilizar os actores empresariais ao longo da cadeia de produção pelos direitos humanos e impactos ambientais que ocorrem nas camadas mais baixas das suas cadeias de fornecimento.
“O ferro e o aço do corredor Carajás estão carregados de violações aos direitos humanos e ambientais. As multinacionais globais que adquirem ferro de Carajás precisam olhar com atenção para as suas cadeias de fornecimento e além disso, precisam ser responsabilizados por tais violações. Não podem continuar a depender de fornecedores como a Vale – responsável por repetidos colapsos mortais de barragens – sem levantar questões sobre direitos humanos,” disse Maria Isabel Cubides, encarregada de programa no balcão de globalização e direitos humanos da FIDH.
O Projeto Grande Carajás – que se estende do sudeste do Pará à cidade de São Luís, capital do Maranhão, no leste da Amazônia – proporciona “um dos maiores fluxos de minério de ferro no comércio global,” de acordo com uma recente publicação do Observatório dos Conflitos da Mineração Mineiros no Brasil. E está assolado por graves problemas, incluindo “desmatamento, apropriação de terras, conflitos no campo, e violações contra os povos indígenas.” A expansão e intensificação das atividades extrativas – combinadas com a negligência da devida diligência – gera graves impactos ambientais e ameaça os direitos humanos.
O Brasil é o maior exportador mundial de minério de ferro. Dois terços das exportações de minério de ferro de Carajás foram enviados para a China e Malásia (janeiro a setembro de 2021). As empresas europeias constituem uma parte significativa dos compradores corporativos, incluindo Arcelor Mittal e TataSteel.
“O minério de ferro que é explorado no Brasil não pode ser comercializado às custas de mortes e do empobrecimento das pessoas. Tão pouco é aceitável que os direitos da natureza sejam negados para que empresas, compradores de ferro e de aço e demais atores envolvidos sejam beneficiados e tenham seus lucros crescendo a cada ano. Infelizmente essa é uma realidade que vivemos,” disse Larissa Santos, da Justiça nos Trilhos.
A União Europeia acaba de publicar uma proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, que introduz novas regras sobre como a sustentabilidade deve ser incorporada às estratégias empresariais de longo prazo. Por exemplo, ela inclui tanto regras obrigatórias de devida diligência para que as empresas reduzam os abusos ambientais e laborais nas cadeias de fornecimento corporativas. As experiências de Piquiá de Baixo (ver mais abaixo) e de outras comunidades afetadas negativamente pelo corredor Carajás devem sensibilizar os legisladores da UE quando esses decidirem os requisitos de tal lei, de modo que abordem efetivamente os impactos aos direitos humanos e ambientais no final das cadeias de fornecimento das mineradoras.
Em 25 de Janeiro de 2022, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) anunciou que iria abrir discussões sobre a adesão com seis países, incluindo o Brasil. O país tenta, há mais de uma década, alinhar-se com os instrumentos da OCDE para alcançar a plena adesão, o que lhe traria enormes vantagens económicas e políticas. Tais vantagens não devem ser concedidas se o Brasil não melhorar o seu desempenho ambiental e em matéria de direitos humanos, como demonstra o relatório hoje publicado.
Antecedentes
Desde 2010, a FIDH e a Justiça nos Trilhos (JnT), colaboram para denunciar os abusos dos direitos humanos da indústria siderúrgica na comunidade de Piquiá de Baixo (Maranhão, Brasil), uma das muitas comunidades do corredor de Carajás que sofreram os efeitos negativos da atividade mineradora. A partir de uma avaliação de impacto dos direitos humanos realizada em 2011, a FIDH e a JnT documentaram e denunciaram os impactos da indústria siderúrgica sobre os direitos humanos à saúde, um ambiente saudável, moradia adequada, vida, integridade física, informação e participação, e acesso à justiça. Oito anos depois, um relatório de monitoramento denunciou a persistência de violações de direitos humanos devido a ações e omissões de atores públicos e privados, incluindo a Vale S.A.
Desde então, as organizações instaram repetidamente a comunidade internacional, incluindo o relator especial da Nações Unidas (ONU) sobre Substâncias Tóxicas, a pressionar o Brasil e as empresas responsáveis e pedir reparação imediata. Em setembro de 2020, o relator especial das Nações Unidas sobre substâncias tóxicas, Marcos Orellana, apresentou seu relatório sobre o Brasil perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ele ressaltou a necessidade de recursos para reassentar a comunidade de Piquiá de Baixo e exortou o governo, a Vale e outras empresas a prover reparação pelo “que só pode ser descrito como crimes ambientais e ocupacionais” à comunidade que, segundo seu antecessor, Baskut Tuncak, tem sido “envenenada por décadas.”
Em novembro de 2020, a FIDH e a JnT conduziram uma campanha internacional de conscientização para chamar a atenção para o impacto tóxico da atividade mineradora. O vídeo da campanha foi visto por milhões de pessoas e compartilhado por milhares em todo o mundo, com a hashtag #AnInvitationToPiquia.
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Imagem: Fim de tarde em Piquiá de Baixo / Foto: arquivo Justiça nos Trilhos