Povo Xokleng sofre com a ausência de médicos e com o atraso de serviços funerários no território

De acordo com o Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina, não há médicos na TI Ibirama-Laklãno e os serviços funerários chegam com “desrespeitosos atrasos”

No Cimi

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, a saúde indígena é dever da União. Mas, na região Sul do país, a legislação está sendo desrespeitada: desde o mês passado, lideranças do povo Xokleng denunciam a ausência de médicos e o atraso de serviços funerários em seu território.

“A Terra Indígena Ibirama-Laklãno conta hoje com um número aproximado de 3.000 (três mil) indígenas, que vem sofrendo com a falta de médico e com o precário serviço funerário. Os serviços ofertados pela funerária localizada na cidade de Timbó, em Santa Catarina, chegam com desrespeitosos atrasos, motivo pelo qual os indígenas dizem não mais querer os seus serviços”, afirma o Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina (CEPIn/SC) em carta destinada à Procuradoria da República em Santa Catarina.

No documento, o Conselho solicita, ainda, a apuração dos fatos e cobra as devidas providências “a fim de garantir os direitos dos indígenas moradores da terra indígena supracitada”.

Um triste exemplo desse descaso é o que ocorreu com a mãe de uma liderança do povo Xokleng. “A minha mãe não teve assistência nenhuma de médico quando estava doente, porque nem médico temos no território. No dia que ela faleceu, era 9h da manhã. Ficamos esperando a funerária chegar para recolher o corpo e realizar a certidão de óbito, mas isso não aconteceu. O corpo dela ficou de 9h da manhã às 15h30 em cima de uma cama, sem amparo da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]”, lamentou.

A liderança também relatou à equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que ainda foi preciso transportar o corpo de sua mãe em um carro particular para um município próximo e, assim, realizar a certidão de óbito junto a uma equipe médica.

“Foi um grande desrespeito para a comunidade Xokleng, até porque a minha mãe era uma anciã. Tentamos agora entrar com uma medida para indenizar a família por esses danos causados pela Sesai, pela saúde indígena, contra nós”, afirmou.

Em documento, o Polo Base de José Boiteux, unidade de saúde vinculada à Sesai, narrou o caso da mãe da liderança e admitiu que a equipe “não conta com profissional médico atualmente”.

“A equipe multidisciplinar seguiu em atendimento diário domiciliar realizando medicações, orientando os cuidados com familiares e acompanhamento psicológico. Encaminhada apenas uma vez ao Hospital Dr. Waldomiro Colautti, na cidade de Ibirama, por constipação por aproximadamente 20 dias. Médico relatou à filha sobre a atual situação e que era tratamento paliativo, oferecendo receita de tratamento para dor e encaminhando novamente ao domicílio. Na data de 22/02/2022 a paciente evoluiu a óbito em domicílio. Não contamos com profissional médico atualmente”, afirmou a equipe do Polo Base José Boiteux em nota.

Ao Cimi, a liderança também falou sobre as condições oferecidas pela funerária. “O caixão chegou cheio de pó, um absurdo. Isso não aconteceu apenas com a minha mãe. Eles [Sesai] recebem um valor muito alto para dar assistência de qualidade, mas não existe isso aqui dentro”, denuncia.

De acordo com um termo de referência elaborado pela Sesai ao qual a equipe do Cimi teve acesso, o custo estimado de contratação do serviço é de R$609.648,48. “O objetivo da contratação é atender os óbitos de indígenas no Estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul oriundos das aldeias de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul (Dsei/Isul), conforme condições, quantidades e exigências estabelecidas neste instrumento”, diz um trecho do contrato.

Ainda segundo o documento, a “contratação de empresa especializada no fornecimento de serviços funerários incluindo artefatos e materiais tais como urnas mortuárias com ornamentação e demais objetos necessários a cerimônia. Também é objeto dessa contratação o serviço de atendimento, higienização e preparo do corpo para sepultamento, embalsamento/tanatopraxia e translado do corpo”.

A equipe do Cimi entrou em contato com a Sesai para mais informações sobre o caso, mas, até o momento da publicação da matéria, não obteve retorno.

Imagem: Povos Indígenas exigem saúde de qualidade. Foto: arquivo Cimi

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