Comunidade do Memorial das Ligas Camponesas espera há 24 anos por assentamento

Ameaçada por projeto de barragem, Barra de Antas é palco de um dos conflitos agrários mais antigos do Brasil; ato realizado nesta segunda-feira marcou os 60 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, fundador do movimento na Paraíba

Por Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas

Em 19 de novembro de 1996, 57 famílias camponesas retomaram o território tradicional de Barra de Antas, no município de Sapé (PB). Desde então vivendo na área, a maioria dessas famílias ainda espera a regularização do assentamento, que teve a desapropriação de 507 hectares garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A luta empreendida pelos posseiros se entrelaça ao passado da comunidade. Em 2 de abril de 1962, o líder sindical João Pedro Teixeira, fundador das Ligas Camponesas da Paraíba, foi assassinado a poucos metros de sua casa, na entrada do município. Suspeito de ser o mandante do crime, o pretenso dono das terras, Pedro Ramos Coutinho, nunca foi julgado. O caso foi retratado em 1984 pelo documentarista Eduardo Coutinho no filme “Cabra Marcado para Morrer“.

Hoje, 60 anos depois do assassinato, é um dos filhos do latifundiário, o fazendeiro Sebastião Figueiredo Coutinho, que continua ameaçando a permanência dos camponeses em Barra de Antas.

Essa continuidade foi lembrada durante ato em memória de João Pedro Teixeira, nesta segunda-feira (04), que percorreu o caminho da comunidade até a antiga casa do líder camponês, que hoje abriga o Memorial das Ligas Camponesas. Organizado por movimentos populares de Sapé, a marcha terminou com uma apresentação artística e cultural no museu.

ENQUANTO AGUARDAM, CAMPONESES ENFRENTAM VIOLÊNCIA

A continuidade entre Pedro Coutinho, o mandante do crime que vitimou João Pedro, e o filho Sebastião não se dá apenas na posse das terras reivindicadas pelos camponeses de Barra de Antas. Em 09 de setembro de 2000, após relatar diversas ameaças, o líder comunitário Sandoval Alves de Lima foi assassinado por Rubens Rodrigues da Silva, funcionário de Sebastião.

O fazendeiro, que já chamou os camponeses de “terroristas” e repudia a luta por direitos humanos, nunca foi acusado de nada. O executor dos tiros foi condenado a 18 anos de prisão em 2002, mas nunca foi preso.

Mais longa que a “fuga” do pistoleiro é a batalha judicial para conquistar o tão sonhado assentamento. “O processo vem se arrastando”, aponta o advogado Noaldo Meireles. “Desde 2017, espera-se uma manifestação da Advocacia Geral da União (AGU). Não há mais discussão do mérito, as terras são dos camponeses”.

A morosidade da AGU coincide com o golpe parlamentar que levou Michel Temer ao poder, em 2016, e a presidência de Jair Bolsonaro. “Se Deus quiser, e com a luta do povo, a gente vai tirar esse governo para poder colocar alguém que minimamente nos escute e que a gente possa ter uma imissão de posse dessas famílias”, afirma a presidente do Memorial das Ligas Camponesas, Alane Lima. “Até hoje elas ainda esperam que esse sonho seja concretizado”.

Atualmente, o Estado da Paraíba possui mais de 300 assentamentos rurais e cerca de 20 mil famílias assentadas.

FUNCIONÁRIOS ACOMPANHARAM MEDIÇÃO DE BARRAGEM

Enquanto o processo não anda, outras ameaças rondam Barra de Antas. Em janeiro, moradores da comunidade encontraram com topógrafos medindo o território para a possível construção de uma barragem. Segundo eles, funcionários de Sebastião acompanhavam o levantamento.

Segundo um mapa fotografado por uma moradora, seriam atingidas cinco comunidades no entorno, incluindo o Memorial das Ligas Camponesas.

A denúncia foi tema de uma reportagem especial do De Olho nos Ruralistas: “Obra de barragem na Paraíba ameaça Memorial das Ligas Camponesas“.

A reportagem foi até Sapé conversar com os posseiros, destaque também no programa semanal De Olho na Resistência:

Foto principal (MST): Elizabeth Teixeira esteve na última edição presencial do ato 

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