DPE/BA E DPU ouvem relatos de comunidades tradicionais do oeste baiano sobre falta de água, dificuldade de pesca e grilagem de terras

Ribeirinhos falaram sobre fome na pandemia, preocupação com a seca e violência contra pessoas das comunidades

Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922

A Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, em conjunto com a Defensoria da União – DPU e parceiros, realizou visitas técnicas em comunidades tradicionais do extremo oeste do estado para escutar a população local. Eles denunciaram a diminuição do volume de água nos rios, a grande queda da renda para a sobrevivência, a situação de miserabilidade e a violência de supostos proprietários de terras contra eles.

As visitas aconteceram nas comunidades Barreiro, Beira Rio, Sítio Grande (São Desidério/BA) e Luzitânia e Capão (Correntina/BA), entre os dias 04 e 05 de abril. Muitos moradores sobrevivem de atividades pesqueiras, do plantio, e contaram à instituição que o problema da água pode estar relacionado à instalação de três Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, no Rio Grande. Em São Desidério, a Defensoria foi recebida principalmente por ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu e representantes de comunidades de fecho de pasto.

“As maiores reclamações foram sobre a secagem de alguns leitos de rios; a impossibilidade da pesca; dificuldade para regar as plantações e, com isso, a perda de todo o plantio. Também denunciaram o surgimento de pessoas alegando serem proprietárias, cercando as terras – que antes eram usadas para a pastagem dos gados – e impedindo acesso à água”, destacou a defensora pública que coordena a 8ª Regional da DPE/BA, sediada em Barreiras, Laís Daniela Sambüc.

Ela conta que a equipe da Defensoria viu de perto a degradação do meio ambiente realizada por empresas na área, ocupada há muitas gerações pelas comunidades. “As famílias estão desesperadas, passando necessidade, chegaram a passar fome no período crítico da pandemia. E estão preocupadas com a chegada da seca. Estávamos na época de chuva, eles ainda têm algum reservatório, para consumo próprio e para os bois e animais, mas isso pode acabar”, explicou Laís Sambüc.

Já os posseiros de comunidades de fundo e fecho de pasto – que  fazem plantio de roças, coleta de frutos e pastoreio de gado em áreas coletivas – denunciaram grilagem de terras na região e o uso de violência de seguranças privados para retirada dos moradores do local. Também afirmaram estarem impedidos de ter acesso ao rio, o que prejudica a agricultura de subsistência ou familiar.

As visitas contaram com as presenças das defensoras Laís Daniela Sambüc e Cláudia Conrado (DPE/BA); da ouvidora-geral Sirlene Assis (DPE/BA); do defensor regional de Direitos Humanos, Vladimir Correia (DPU); do promotor de Justiça Alison Andrade (MP/BA); de representantes da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR); da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB); do movimento UNEGRO; da Associação de Pescadores, entre outros. 

Encaminhamentos

“Vamos enviar ofício para alguns órgãos para saber a atual situação das pequenas hidrelétricas, se tem licença ambiental, se estão obedecendo todos os requisitos legais, se foi feito estudo ambiental antes de implementá-las”, assegura a coordenadora da Regional.

Laís Sambuc afirmou também que as Defensorias da Bahia e da União vão marcar reunião com a Secretaria de Segurança Pública para apurar as alegações de posseiros e ribeirinhos sobre as ameaças e os diversos tipos de violência envolvendo seguranças privados. Segundo os moradores, a polícia já foi acionada, mas até agora não houve resposta.

As Defensorias também planejam para julho audiências públicas em São Desidério e Correntina para debater com a sociedade soluções para os problemas enfrentados. Os moradores afirmam não ter havido pesquisa/consulta prévia da população local para a instalação das PCHs e seria o momento para convidar tanto os responsáveis pelas hidrelétricas quanto os proprietários de terras para ouvir os representantes das comunidades.

Racismo ambiental

A defensora pública Cláudia Conrado, integrante do Grupo de Trabalho de Equidade Racial da DPE/BA, que também acompanhou a visita técnica, reforçou que as violências contra a comunidade indicam racismo ambiental – um subtipo do racismo estrutural que discrimina minorias étnicas submetendo-as sistematicamente a situações de degradação ambiental e privação de acesso a recursos naturais.

“Os povos tradicionais são os maiores prejudicados pela exploração ambiental, pela instalação de empreendimentos, pela exposição dos resíduos tóxicos que vão ser colocados nessas áreas. O racismo ambiental nos revela uma lógica de exploração pelo agronegócio e pelas grandes indústrias, que às vezes falam sobre desenvolvimento sustentável, mas desconsideram totalmente essas comunidades”, asseverou Cláudia.

A defensora explica ainda que, enquanto as empresas se baseiam no lucro e na exploração de recursos, as pessoas da comunidade é quem cuidam das terras e zelam por um território que só elas sabem cuidar.  “O que eu vi lá em São Desidério e Correntina foi justamente a exploração. Hoje, o Oeste da Bahia é um espaço disputado pelo agronegócio e essa exploração está colocada em determinados territórios para benefício de alguns, mas não para aqueles que cuidam e zelam do local”, concluiu.

Grande parte dos nativos dessas áreas descendem de indígenas, quilombolas e geraizeiros. Vivem de maneira simples e tem sua identidade atrelada ao cerrado, às margens dos rios e à biodiversidade do local.

Moradores denunciam piora na qualidade de vida nas comunidades tradicionais de São Desidério e Correntina

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

2 + treze =