Consciência negra: apropriações, ressignificações e resistências

Por Ângelo Oliveira

Durante muito tempo me perguntei o porquê da necessidade de construir uma consciência sobre um dado aspecto específico da minha existência. Para ser mais preciso, por que precisaria de uma consciência negra? Ser negro não seria minha condição natural? Não seria reafirmar o óbvio? Partindo dessas questões, compartilho com vocês as respostas que construí a partir do diálogo entre minhas inquietações, vivências e as relações que teceram meu olhar sobre o “ser negro”. 

O ponto de partida para a construção das respostas aos meus questionamentos foi a compreensão de que a consciência de minha negritude não poderia ser dada pela face biológica da cor da minha pele. Logo, pude entender que os elementos orgânicos presentes nas características da pessoa negra não a fazem necessariamente negra. Ou seja, a quantidade de melanina na pele, os lábios grossos, o cabelo crespo e outras particularidades, não representam sozinhas aquilo que configura o ser negro. 

Outro ponto crucial na construção dessas respostas reside no fato de que a própria consciência humana não é um elemento psicológico que surge por meio da individualidade apartada da realidade material construída historicamente através das múltiplas relações sociais. Em outras palavras, a consciência é sempre o resultado de uma relação dialética em que os indivíduos constroem dentro de si uma síntese tecida entre a apreensão da realidade sócio-histórica e a força contrária que faz para se contrapor a esse movimento “organicamente social”.

Apreendidos esses instrumentos por meio dos quais pude desnaturalizar a construção do meu próprio olhar, segui à procura de respostas já ciente de que as percepções que tinha sobre mim não pertenciam exclusivamente a mim. 

Retornando um pouco mais minha história entendi que não nasci negro muito embora fosse preto. Mas como isso seria possível? Uma coisa não está vinculada a outra? A resposta é sim e não. Sim porque, nesse caso, a diferença biológica é o ponto de partida para a construção da ideia de inferioridade. E não, porque essa mesma inferioridade não existe em si, desagregada de uma intenção surgida pelos interesses e relações de poder que permeiam os grupos sociais.

Nesse sentido, ser negro não é uma condição inata, mas a apropriação de um lugar de existência sócio-histórico voltado para garantir o equilíbrio de uma estrutura essencialmente desequilibrada.

Percebidas essas questões que me atravessavam e causavam sofrimento, iniciei meu processo de distanciamento dessa narrativa que a todo tempo me dizia o quanto era ruim ser negro. É importante destacar o caráter de sobrevivência humana que há no cerne do movimento de busca por nos desfazermos de tudo daquilo que nos traz sofrimento. 

Longe de ser um processo tranquilo, comecei a perceber que os construtos que me colocaram em um lugar de servidão atingiam outros indivíduos. Essa constatação parece simples se analisada de fora, mas tem um impacto tremendo quando estamos falando de lugares de sofrimento. A partilha da dor produz força. Tal como águas represadas produzem energia, esse encontro de “contraproducências” produz dínamos.

Assim, a conexão entre meus pares foi o início de um levante interior que me possibilitou a entrada em um processo de reposicionamento que me fez passar inicialmente pela tomada de consciência do ser negro, depois pela negação desse lugar de existência e, por último, pela tessitura de uma nova experiência existencial que iluminou o amor ocultado pela dor estruturalmente produzida.

É mister destacar que as respostas construídas sobre a questão da consciência negra até o presente momento estão inacabadas pelo próprio caráter histórico de suas construções. Nessa direção, há dentro de cada um de nós uma disputa constante para reordená-las, ressignificá-las, reapontá-las. Mas, o motor de cada movimento de superação reside na consciência histórica de que um negro e uma negra nunca são sozinhos. Sempre haverá entre nós àqueles que, com o punho cerrado, nos ajudarão a (re)criar a imagem distorcida de nossa existência negra.

*Ângelo Oliveira – Professor do IFCE / Campus Quixadá-Ce

Imagem: EBC

Comments (1)

  1. Ahhh, meu querido e amado profs, Ângelo, Você como sempre tão necessário. Sabe porque que eu adoro muito ler artigos escritos pelo Sr? Vc até já sabe a resposta! É pelo fato de que através dela, sempre tem algo novo a ser aprendido. É como se fosse uma forma de exortar, de instruir, além de construir reflexões altamente importante para pôr em práticas, numa sociedade em que precisa mudar tanto ainda nestas questões da consciência negra em suas vivissitudes, convivências, experiências ao longo dos processos históricos da humanidade. Sendo assim portanto, tão vivo sobretudo na sociedade contemporânea, e em todos os espaços ou lugares, principalmente, em espaços educativos. É essencial que todos se utilize de uma reflexão como está para que saiam da teoria à prática, e das atitudes equívocadas a cerca deste assunto levantado, principalmente, do preconceito existencial. E assim sejam se não acabados tais pensamentos incoerentes, fora doa valores corretos sobre o que é se “negro” que não é tão diferente do ser considerado uma pessoa “parda” ou “branca” em seus varios termos e dimensões de interpretações. Obrigado pela aula! O meu forte abraço de sempre!😍👏👏👏

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