Por Sabrina Lorenzi, da Agência Nossa, no Marco Zero Conteúdo
A escalada de preços e a deterioração do emprego no Brasil estão conduzindo o país a uma nova onda de escravidão. No próximo dia 13, no aniversário da Lei Áurea, o Ministério do Trabalho divulgará dados mostrando aumento no número de pessoas resgatadas em condição análoga à de escravos.
Os indicadores que serão divulgados na próxima semana dão conta de que, se as operações de resgate continuarem no ritmo desses primeiros meses do ano, 2022 terá um total de casos que não se via ao menos desde 2013, quando a escravidão no Brasil passou a recuar.
Para se ter uma ideia do problema, o número de denúncias dobrou neste ano, sobre uma base de comparação que já estava elevada devido à pandemia. Em 2021, 1937 pessoas foram resgatadas. Com a inflação galopante dos alimentos, trabalhadores têm se submetido a condições degradantes para conseguir comida.
“As condições de trabalho pioraram muito, a economia piorou ao mesmo tempo em que os preços subiram muito”, afirmou à Agência Nossa uma autoridade do governo federal com conhecimento do assunto.
A fonte, que pediu para não ser identificada, relata que o número acumulado no ano vai dar um salto ainda devido às safras que estão por vir. Café, cebola, cana-de-açúcar são algumas das preocupações de quem integra o time dos resgates.
O segundo semestre, portanto, costuma apresentar muito mais casos que o primeiro, por conta do período de colheita. Em 2021 já houve alta no número de resgatados, como consequência da crise econômica provocada pela pandemia.
De 2013 a 2020, a escravidão contemporânea vinha recuando, como resultado da mecanização e do trabalho intenso de resgate e punição pelas autoridades brasileiras.
A lista suja das empresas que escravizam
Até a lista suja divulgada em abril, o café lidera entre os segmentos econômicos com mais registros de trabalhadores encontrados em situação análoga à de escravidão. A segunda atividade que mais registrou trabalhadores submetidos à escravidão contemporânea foi a construção civil, seguida por produção de carvão vegetal e pecuária bovina.
Na atualização do cadastro de empregadores responsabilizados por trabalho escravo, divulgada semestralmente pelo governo federal, foram incluídos 52 empregadores, dos quais 38 pessoas físicas e 14 pessoas jurídicas.
As ações fiscais de combate ao trabalho escravo são executadas por auditores fiscais do Trabalho, que podem contar com a participação de integrantes da Defensoria Pública da União, dos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, e por vezes das forças policiais estaduais.
A inclusão de pessoas físicas ou jurídicas no Cadastro de Empregadores só ocorre quando da conclusão do processo administrativo que julgou o auto específico de trabalho escravo.
Somente na primeira operação do ano, em janeiro, foram resgatados 285 trabalhadores no interior de Minas Gerais, na região da cidade de João Pinheiro. Comandada por auditores fiscais do trabalho, foi a maior operação de resgate em território nacional nos últimos 10 anos. Quase todos atuam no serviço de corte de cana em fazendas arrendadas pela WD Agroindustrial.
Dezenas de liminares judiciais excluindo empresas flagradas pelas autoridades têm gerado uma distorção nos indicadores. A construção civil e a indústria têxtil, deveriam constar com números bem maiores na lista de escravagistas, mas não estão porque normalmente recorrem à Justiça.
Mais de 40 nomes foram excluídos da lista pela Justiça. A fonte que falou à Agência Nossa afirmou que estes casos estão sendo analisados.
O cadastro foi alvo de polêmica e proibido de ser divulgado por algum tempo, até que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a transparência.
O caso Moïse
Uma tendência crescente da escravidão contemporânea são casos urbanos envolvendo imigrantes. Moise, congolês brutalmente assassinado em quiosque na orla de uma praia no Rio de Janeiro, exemplifica de maneira trágica casos deste tipo.
Uma investigação do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) apontou que Moise Kabamgabe e outros funcionários dos quiosques Tropicália e Biruta, na Barra da Tijuca eram submetidos a condições análogas a de escravidão. Concluíram que ele trabalhava de dez a 12 horas de trabalho, sem água e comida, com restrição para uso do banheiro.
“A família de Moise está sendo acompanhada por algumas instituições. Infelizmente o amparo veio depois do assassinato. A realidade que temos é escassez de políticas publicas para imigrantes refugiados”, afirma a psicóloga Yasmin, do Projeto Ação Integrada, uma parceria do MPT com a Cáritas Arquidiocesana do RJ.
Em outra situação, 11 trabalhadores foram resgatados em construção de uma creche da prefeitura de Viçosa (MG). As vítimas eram funcionárias da Jari Segurança e Logística Empresarial – que, apesar do nome, atua como construtora.
Segundo a Repórter Brasil, no canteiro de obras da creche de Viçosa, os operários trabalhavam de dia e estendiam seus colchões à noite para dormir por ali mesmo, entre fios desencapados, montes de entulho, ferramentas e poeira. Não havia captação de esgoto, e fezes e outros rejeitos se acumulavam, segundo a reportagem do site.
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Imagem: João Ripper