Para Roberto Kishinami, Brasil precisa correr para não perder seu lugar na transição energética, que protegeria o país de novas crises como a do diesel
Por Anna Beatriz Anjos, Agência Pública
A alta dos preços dos combustíveis e o risco de escassez de diesel previsto pela Petrobras ao governo para o segundo semestre levantam a discussão sobre a importância do petróleo em um país como o Brasil, que depende de importações para suprir parte de sua demanda interna. Em entrevista à Agência Pública, o físico Roberto Kishinami, especialista em energia e mudanças climáticas e coordenador do Instituto Clima e Sociedade (iCS), afirma que o caminho da transição energética é “totalmente viável” para proteger o país de novas crises como a atual.
Para o especialista, aumentar a presença de fontes renováveis como a solar e eólica na matriz elétrica brasileira ajudaria a diminuir a dependência em relação aos derivados do óleo. “Essa é uma energia segura, barata e renovável e nos permitiria avançar em direção à eletrificação: substituir combustível líquido, principalmente fóssil, por eletricidade no transporte público e em indústrias, que é a direção que o mundo quer seguir”, diz. Ele destaca que o Brasil produz a energia elétrica renovável “mais barata no mundo”, e que, por isso, teria vantagem para tomar a dianteira do processo. “Mas depende de política”, aponta.
Kishinami explica também que um quarto do diesel utilizado pelo Brasil é oriundo de importações, já que as refinarias nacionais não são capazes de suprir a demanda total. Uma soma de fatores, entre os quais se destacam a guerra da Rússia na Ucrânia e suas repercussões, prejudica a estabilidade desse fornecimento. Diante desse quadro, ele defende que o governo federal administre os estoques de diesel “para amortecer a volatilidade dos preços internacionais protegendo, tanto quanto possível, a economia nacional”. De acordo com ele, essa medida seria “um jogo antiespeculativo: diariamente compra na baixa e vende, sem margem de ganho, na alta para o mercado interno”. No entanto, em sua avaliação, falta ao governo “vontade de proteger a economia doméstica”.
Ainda segundo o especialista, devido à necessidade de importações para atender a demanda interna por derivados de petróleo, as recentes trocas de comando da Petrobras – já foram três sob Bolsonaro – são ineficientes para conter a alta no preço dos combustíveis, que preocupa o presidente no ano em que busca sua reeleição. “O desequilíbrio no mercado brasileiro com relação ao refino e à dependência do óleo importado vai continuar, não importa o que esse presidente faça – os preços, para o consumidor final, vão ficar sujeitos à flutuação internacional”, reforça.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Por que estamos enfrentando risco de desabastecimento de diesel no Brasil já a partir do segundo semestre?
Para entender o que acontece com o diesel é preciso ter duas informações. O Brasil importa 25% do diesel que consome. Em 2021, foram 14,3 bilhões de litros importados e 42,9 bilhões de litros produzidos nas refinarias [nacionais]. O óleo diesel é um dos derivados de petróleo commodity e a Rússia é o maior fornecedor deste produto. A segunda informação é que as sanções puxadas pelos Estados Unidos e União Europeia à Rússia pela guerra na Ucrânia tornam praticamente impossível comprar produtos russos, pelo bloqueio de bancos russos ao código Swift que permite as transações financeiras internacionais. O resultado é um aperto na oferta e uma demanda que continua, pelo menos, igual à que existia antes da guerra. Num quadro de preços altos e volatilidade presente no mercado de petróleo e derivados como resultado da guerra, o governo deveria estabelecer políticas para aumentar os estoques estratégicos do produto, eventualmente alugando tancagem adicional em território nacional; e administrar – comprando e vendendo – esses estoques para amortecer a volatilidade dos preços internacionais protegendo, tanto quanto possível, a economia nacional. Esta administração de estoques é uma operação semelhante à que os Bancos Centrais fazem com o câmbio. A ação do governo, neste caso, estaria dirigida à volatilidade e não ao patamar de preços. O acompanhamento da tendência de preços é o que esta atividade requer. A inflação anual vai crescer de qualquer forma, porque há um encarecimento da energia, principalmente em transporte de carga e mobilidade de passageiros. Mas os transtornos maiores não vêm disso, decorrem da volatilidade. Toda vez que há uma alta internacional, as bombas de abastecimento mostram preços maiores. Quando o mesmo preço cai internacionalmente, as bombas não respondem da mesma maneira. É um movimento “para cima” e aos soluços. Temos baixa capacidade de armazenamento estratégico e falta de vontade de proteger a economia doméstica. A administração de estoques estratégicos seria, em tudo, um jogo antiespeculativo: diariamente compra na baixa e vende, sem margem de ganho, na alta para o mercado interno. Mas se o governo não faz, por que não deixar as empresas fazerem? Porque é uma atividade em sentido contrário ao que as empresas fazem. Seria uma atividade permanente? Preferencialmente não. Deveria durar enquanto o mercado internacional estiver volátil em função da guerra da Rússia na Ucrânia. Uma razão de Estado para interferir no mercado.
Por que o Brasil se tornou tão dependente de importações de combustíveis?
Há duas coisas que são resultados da guerra da Rússia na Ucrânia: uma são as sanções, que vão continuar, e a segunda, a queda na demanda de petróleo e gás russo pela Europa. Isso provoca, de um lado, uma movimentação dos Estados Unidos, que é um grande produtor e exportador de petróleo e gás para o mercado europeu, o que naturalmente reduz a oferta para um país como o Brasil. Somos um exportador líquido de petróleo – quando você faz as contas de quantos barris de petróleo e derivados entram e quantos são vendidos, vê que o saldo líquido é exportação. Mas o mercado interno brasileiro tem um perfil: a gente consome, na verdade, muito diesel, e as refinarias brasileiras não são capazes de fornecê-lo. O resultado é que o Brasil tem que importar alguns tipos de óleo, apesar de ter bastante óleo do pré-sal – quase um quarto do diesel que a gente consome. O desequilíbrio no mercado brasileiro com relação ao refino e à dependência do óleo importado vai continuar, não importa o que esse presidente faça – os preços, para o consumidor final, vão ficar sujeitos à flutuação internacional. E a tendência é manter o preço, no curtíssimo prazo, na faixa de 100 dólares o barril, o que define, na verdade, qual é o preço dos derivados no mercado internacional. E a médio prazo – em 2023, 2024 – o preço, segundo a Agência Internacional de Energia, deve permanecer na faixa acima de 80 dólares o barril, que é um valor alto, se olhar historicamente. Essa é a tendência com a qual o Brasil vai ter que lidar no curto prazo.
Diante disso, há alguma alternativa à política que atrela o preço dos combustíveis ao mercado internacional, utilizada pela Petrobras desde 2016, no governo de Michel Temer?
O Brasil depende de derivados importados, e na medida em que é um país importador, tem necessariamente que usar a paridade de importação. Seria diferente em um país exportador, que também precisa usar a paridade, mas em relação à exportação, que na maior parte do tempo é mais baixa do que a de importação. O governo Temer, quando adotou a [política de paridade] de importação, também cortou todo o investimento em refino, então essas duas coisas estão ligadas: foi uma decisão consciente de tornar o mercado interno dependente da importação. Já se sabia que o consumo de diesel ia crescer e, sem investimentos, as refinarias não seriam capazes de aumentar a oferta interna. A paridade é decorrência do fato de a gente estar imerso no mercado internacional. Não tem alternativa. Você vai quebrar a empresa? Tudo bem, pode até quebrar, mas vai continuar no mesmo rumo da dependência de fornecimentos [internacionais].
Na semana passada, Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras pela terceira vez desde o início de seu governo. Essa é uma medida eficaz para conter a alta no preço dos combustíveis?
A troca de ministros e presidentes de empresas, no setor de energia, não resolve nenhum dos problemas, porque as razões para esses problemas são estruturais, de um lado, e do outro estão em um contexto internacional. A decisão a respeito de preços de petróleo e derivados não é feita por políticas locais, é resultado de uma demanda global em que há milhares de operadores que, dentro do quadro de oferta e demanda, procuram equacionar preços. O outro lado é que essas trocas e o barulho que provocam são parte das táticas desse presidente, que, desde o primeiro dia, não faz mais do que campanha política e usa da máquina do Estado para se manter como candidato viável à reeleição. Não há nenhuma consideração a respeito de políticas com P maiúsculo, que são as que interessam, de fato, para a população e o país.
Tem se discutido, principalmente no Congresso, a criação de um subsídio ao combustível para diminuir o preço nas bombas. Essa é uma alternativa eficaz para aliviar sobretudo o peso sobre o bolso dos mais pobres?
Temos que lembrar que o Brasil é extremamente desigual — os mais ricos têm renda 40, 50 vezes maior do que a população de baixa renda, que é muito mais numerosa. Ela sofre também com o aumento da gasolina e do diesel porque isso impacta a produção e a distribuição de produtos: subiu o diesel, vai subir o preço do frango, não há maneira de fugir disso. Se a ideia for atenuar a situação dos mais pobres, de quem realmente necessita, aí a melhor forma é dar dinheiro na mão dessas pessoas. O Bolsa Família, agora chamado de Auxílio Brasil — uma tentativa de captura de uma boa política —, é eficaz porque resolve um problema da população mais pobre e, através disso, fornece combustível para a economia. Se essas pessoas podem consumir, é óbvio que quem fornece, cria e transporta o frango acaba ganhando com isso — o dinheiro que você coloca ali vira imediatamente consumo. Uma forma de fazer de conta que está resolvendo é pegar o mesmo dinheiro que poderia ir para as pessoas e dar um “vale diesel” para o caminhoneiro. Aí você está colocando dinheiro num segmento da economia, ele vai direto para o distribuidor de combustível e se atinge, na verdade, uma parcela muito menor da população. Mas o preço do diesel vai continuar dentro da paridade internacional.
O Auxílio Brasil, do jeito que está desenhado, é suficiente para ajudar a população neste momento de inflação e desemprego altos?
O Bolsa Família tinha uma concepção de não só dar o dinheiro na mão das pessoas, mas apontar o caminho para a superação do estado de miséria e pobreza. Claramente, o entendimento de todos que estudam pobreza no Brasil aponta que é preciso trabalhar em programas intergeracionais, para que as pessoas que estão pobres hoje possam criar uma situação em que seus filhos não precisem viver no mesmo quadro. Por isso, o Bolsa Família estava muito acoplado ao CadÚnico [Cadastro Único para Programas Sociais], no qual há informações sobre composição da família, grau de escolaridade, vacinação — coisas essenciais para se cuidar das gerações mais novas, permitindo que possam ter um caminho em direção à saída da pobreza. Mas essa versão do auxílio se desligou daquele cadastro, o que há agora é uma lista praticamente autodeclaratória. Quando se faz esse desligamento, cria-se simplesmente um cartão que dá acesso a dinheiro, sem nenhum vínculo com programas que vão te levar para fora do quadro de pobreza. Criou-se, na verdade, um programa típico de populista: te dou um cartão e você pode ir lá e sacar o seu dinheiro. E a duração disso é enquanto esse sujeito estiver comandando a coisa, porque na hora em que ele cai ou sai por qualquer motivo, o programa de doação mensal pode desaparecer. Isso mostra uma falta de resiliência dentro da sociedade para segurar os avanços. Significa, para mim, que estamos sempre sujeitos a uma volta para 50, 60 anos atrás.
No fim de maio, a Câmara aprovou projeto de lei que limita a alíquota do ICMS sobre os combustíveis – a proposta deve ser votada pelo Senado neste mês. Essa é uma medida acertada?
Acho que é cortina de fumaça de novo, pelo seguinte: está na mão desse governo, desde o primeiro dia de mandato, uma proposta de reforma tributária. Apareceram várias versões, mas todas as propostas procuram simplificar o sistema tributário brasileiro. É claro que o nível de tributos é alto, mas o problema maior para as empresas, antes disso, é a complicação. E isso atinge também o setor de combustíveis: se você pega a cadeia de produção de um combustível, vai ver que há incidência em cascata dos tributos federais, estaduais, e mesmo contribuições às vezes municipais etc. Nesse texto decidido pelos deputados, não há um teto que tenha sido avaliado tecnicamente. Provavelmente a média dos gostos ali caiu em 17% e assim ficou — um número ímpar, primo, deve ser por alguma razão dessas. E instituíram o tal gatilho, pelo qual, se isso provocar uma queda de mais de 5% na arrecadação do ente federado, seja município ou estado, ele faz direito uma compensação. Mas compensação de onde? Porque, no que foi criado, não tem nenhuma fonte de receita. É o contrário: foi feita uma não receita, uma vez que está todo mundo acima [do limite] dos 17%. Se isso é aplicado, inevitavelmente vai levar a uma desorganização, a algo que aumenta os custos em vez de reduzir. E por trás de tudo há uma falta de compreensão de qual é o mundo, de fato, em que esses combustíveis estão. O diesel vive no mercado internacional, se você começa a colocar restrições aqui, ele vai fugir para algum lugar. Começando pelos próprios operadores. Se o preço é mais alto lá fora do que consegue colocar aqui, qual é a decisão racional dele? “Não posso importar, senão vou perder dinheiro.”
A transição energética, com a consequente redução da dependência dos combustíveis fósseis, é um caminho viável para proteger o Brasil de novas crises como a atual?
Totalmente viável. O Brasil é o lugar onde se produz a energia elétrica por fonte renovável — solar e eólica — mais barata no mundo. Em relação à energia hidrelétrica, temos um bom parque, e quase metade do consumo nacional hoje pode ser reservado. Isso é uma capacidade boa. A gente propõe que essa capacidade seja usada para fornecer uma coisa importante no setor elétrico: potência. Eólica e solar geram enquanto tem sol e vento, e, dependendo da intensidade, geram mais ou menos. O consumo, do outro lado, tem a sua própria lógica: a gente liga ar-condicionado, iluminação e máquinas de acordo com hábitos. Do lado da oferta de energia, a gente tem uma curva, com eólica e solar, que não é a curva da demanda, então precisamos de alguma fonte que entra e sai rápido para ajustar essas duas curvas. O ideal para isso é hidrelétrica. No nosso entender, quando tem reservatório, a hidrelétrica deveria ser usada para fornecer essa potência. Isso faria com que a gente pudesse crescer muito a produção de eólica e solar – hoje, temos 12%, 13% de eólica, não é grande coisa. A gente precisa de muito mais de eólica e solar para poder usar como complemento a hidrelétrica com reservatório e daí então fazer o atendimento da demanda. Essa é uma energia segura, barata e renovável e nos permitiria avançar em direção à eletrificação: substituir combustível líquido, principalmente fóssil, por eletricidade no transporte público e em indústrias, que é a direção que o mundo quer seguir. Na verdade, teríamos vantagem para estar na frente disso, mas depende de política. Essa transição energética vai demorar 30, 40 anos para se completar, e isso tem a ver também com o mundo de petróleo e gás.
Em que estágio dessa transição está o Brasil?
Se você pensar, por exemplo, nas refinarias, elas são lugares em que entra petróleo e saem derivados, mas podem ser o lugar em que entram outros insumos: óleos vegetais, biomassa e, no extremo, inclusive uma parcela orgânica de lixo urbano. Você tem ali o complexo de coisas que transforma tudo isso em combustíveis líquidos, gasosos e eletricidade. A transição é o processo em que você aproveita o potencial que o Brasil tem em solar, eólica e biomassa; em que você produz coisas novas, tipo o hidrogênio verde — o lugar ideal para isso é uma refinaria até, até porque elas já produzem e usam hidrogênio, só que o hidrogênio retirado do gás natural, que é um fóssil. O Brasil precisa se envolver um pouco mais com a transição e ter a ambição de ser o primeiro. Todo mundo do setor faz apologia à matriz elétrica brasileira dizendo que é a mais limpa, em que quase metade da energia é renovável. Isso é verdade e nos posiciona para ir na direção oposta à que estamos indo agora. Só que isso hoje é usado para dizer “não faz mal ter um pouco mais de gás natural, que é fóssil, porque não vai deixar a matriz tão suja”. O problema é que esse caminho com gás natural nos leva para trás, teríamos que estar olhando para frente, pensando: temos metade? Então queremos chegar a 80% em determinado prazo, queremos chegar a 100% até o final do século. Isso é o que nos posicionaria como um pioneiro no mundo. Aí a gente teria vantagens — o Brasil seria o lugar que produz o aço verde, os químicos verdes, os fertilizantes verdes. Tudo que o Brasil produziria teria a marca de ser limpo por excelência.
Temos visto no Congresso tentativas recorrentes de ampliar a produção e distribuição de energia a gás no Brasil. Por quê, para o Brasil, essa não é uma alternativa viável?
Quando você pega a matriz de energia global, 60% da eletricidade é produzida com carvão — é uma enormidade. Se você considerar que, para cada megawatt-hora de eletricidade gerado com carvão, é emitida uma tonelada de CO2 e, para produzir o mesmo megawatt-hora com gás natural, são emitidos cerca de 600 kg, é um ganho. Para os lugares que dependem muito do carvão, como é o caso da China e Alemanha, o gás natural é um fator de redução das emissões. Já no Brasil, mal utilizamos carvão para gerar eletricidade. A nossa principal fonte é a hidroeletricidade: 60% da eletricidade que a gente consome vem de hidrelétricas. Então, toda vez que colocamos uma planta de gás natural para gerar eletricidade de forma contínua, estamos indo no caminho, primeiro, de uma energia mais cara; segundo, de uma energia mais suja. E terceiro, ainda no caso do gás natural liquefeito (GNL), nós importamos o gás natural liquefeito dos Estados Unidos, que passaram a ser grandes exportadores devido àqueles campos de fracking na Pensilvânia, principalmente. Ou seja, é uma energia cara, suja e, no caso do GNL, ainda nos coloca na situação em que as contas de energia elétrica ficam em parte dolarizadas.
Qual seria um caminho viável para a Petrobras nesse cenário em que a transição energética se impõe?
O resultado da guerra da Rússia é uma demanda maior por petróleo do Brasil, porque é um petróleo que cai bem em várias refinarias, inclusive europeias. Então, a demanda pelo petróleo do pré-sal vai continuar alta. Ao mesmo tempo, internamente a gente tem todo esse potencial. Como é que resolve? Na cabeça do político, o dilema que aparece é: petróleo é o que tem demanda, é o que vai dar dinheiro. Então a tendência dele é seguir nisso. Só que esse dinheiro do petróleo tem um prazo; a Europa mesma coloca que em 2040, 2045 estará livre de petróleo. E o que você faz, atrela o futuro do país a uma coisa que tem um prazo definido? Isso seria como amarrar a sua carroça a um negócio que vai só até um certo ponto. A única maneira, a meu ver, é separar essas duas coisas. Tudo bem, tem a Petrobras exportadora do pré-sal, que vai mandar todo óleo que puder para quem quiser consumir. Ao mesmo tempo, internamente, para as refinarias, a gente estabelece uma política de longuíssimo prazo de transição. Para isso funcionar, tem que haver uma separação entre essas duas coisas. Pode continuar sendo a mesma empresa, mas com dois CNPJs: uma de E&P [exploração e produção] e outra subsidiária que tem refinarias, dutos etc. que atendem o mercado interno. As políticas das duas vão em direções opostas, mas a gente sabe que uma acaba e a outra é o futuro. É um movimento que vai acontecer em todos os lugares, e o Brasil precisa tomar essa decisão rapidamente, porque a janela que existe para o país está nos próximos dois, três anos — até 2025, isso precisa estar resolvido, pois é quando o mundo todo vai fazer um balanço [o Global Stocktake, previsto no Acordo de Paris] e ver quem está na transição e quem está ficando para trás.
Segundo seu último plano quinquenal, a Petrobras planeja ampliar em 45% sua produção de óleo até 2026. Por que a empresa não se coloca na direção que você apontou?
Os executivos das empresas executam aquilo que vem via conselho, por isso é preciso ter um comando político que diz qual é a direção. A partir disso eles seriam capazes — porque tem gente muito capaz dentro da empresa — de elaborar os planos adequados na direção da transição energética e da descarbonização. E essa é uma mudança grande, não é uma coisa marginal. Teria que ser construída de tal maneira que estivesse segura por vários mandatos, não pode ser uma mudança que vai [por um sentido] e de repente volta, você afunda a empresa com isso. Acho que temos dificuldade, no Brasil, de produzir políticas de mais longo prazo. O Sistema Único de Saúde é melhor, porque, claramente, apesar de todo o negacionismo, funciona na base, mas os setores de energia — o elétrico e o de combustíveis — se mostraram mais frágeis. Claramente, os preços estão lá em cima por razões estruturais, por políticas inadequadas, e isso mostra pouca resiliência do setor. Não interessa a ele ficar com custos altos por fatores ligados à política — isso é ruim para os negócios, no final das contas. Mas há uma série de interferências mostrando que a governança de cada um desses setores não é suficiente para proteger o seu negócio e os seus consumidores.
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Imagem: Roberto Kishinami, do Instituto Clima e Sociedade, é especialista em energia e mudança do clima – Divulgação Instituto Clima e Sociedade