Negacionismo das urnas e dever democrático

Não é de se estranhar que questionamento conquiste adeptos na população

Por Edmundo Antonio Dias Netto Junior, Julio José Araujo Junior e Marlon Alberto Weichert, na Folha

A negação, em geral, contém a afirmação de seu oposto. O negacionismo da ciência promove o obscurantismo; o das vacinas traz o germe da doença; o dos direitos humanos naturaliza graves delitos e violações; o dos direitos dos indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais encoraja o genocídio. Mas o que leva a negar as urnas eletrônicas?

Como instrumento eficiente da colheita dos votos dos eleitores brasileiros, o questionamento das urnas eletrônicas se volta —sob o pretexto de defendê-la— contra a própria democracia. Antípoda da democracia, o autoritarismo é o beneficiário desse movimento.

O Brasil é prenhe de autoritarismo, como demonstra Lilia Schwarcz em seu livro “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”. Assim, não é de se estranhar que o questionamento das urnas eletrônicas conquiste adeptos na população, mesmo que não sejam conhecidos quaisquer exemplos plausíveis que indiquem comprometimento do bom funcionamento do complexo processo eleitoral brasileiro.

Nosso sistema eleitoral segue produzindo distorções na representação democrática, mas certamente essa situação não provém do emprego do sistema eletrônico de votação e apuração. Desde que foram implantadas, em 1996, as urnas eletrônicas testemunharam, nos planos federal, estadual e municipal, a vitória de candidatos situados em posições distintas do espectro político brasileiro, o que demonstra que não foram manietadas pelos ocupantes do poder para usurpar a vontade eleitoral do povo brasileiro.

Aliás, não é exagero afirmar que a votação eletrônica foi revolucionária no que diz respeito a antigas fraudes nos processos de apuração dos votos em papel. O negacionismo da lisura de nosso processo eleitoral dissocia-se do histórico de nossas eleições, cuja legitimidade tem sido atestada por observadores internacionais, em esforço conjugado das nações em garantir eleições transparentes e isentas, essenciais para a construção de um mundo democrático.

A que serve, pois, semear o caos da desconfiança senão para desqualificar resultado eleitoral possivelmente indesejado por quem manifeste a infundada dúvida?

No momento em que diferentes democracias do mundo atravessam preocupante erosão, cabe às instituições brasileiras —como tem feito o Tribunal Superior Eleitoral— exercer sua função constitucional de velar pelo respeito às regras do jogo democrático, o que implica o imperativo de plena adesão ao resultado das eleições e a integral confiança nas urnas eletrônicas.

Afirmar a democracia e negar o negacionismo em curso é dever de todas as instituições brasileiras, entre as quais o Ministério Público, que recebeu a missão constitucional de defender o regime democrático. A Constituição da República não prevê poderes moderadores diante do desafio de preservar o Estado democrático de Direito. Qualquer suposta moderação à vontade expressa nas urnas é afrontosa ao povo, titular da soberania.

Edmundo Antonio Dias Netto Junior, Julio José Araujo Junior e Marlon Alberto Weichert são, respectivamente, procuradores da República e procurador regional da República.

Ilustração: Mihai Cauli / Terapia Política

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