José Tadeu Arantes, Agência FAPESP
A pouco mais de três meses das eleições, a preservação das regras do jogo tornou-se uma motivação central para as pessoas que conseguem entender a importância da democracia para a convivência humana. A 11ª Conferência FAPESP 60 Anos reuniu dois grandes especialistas para tratar do tema “Riscos à Democracia”: Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora titular aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP); e Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Direito-SP).
Tavares de Almeida iniciou sua exposição falando sobre o processo de erosão da democracia liberal, que se iniciou no final dos anos 1990 e se arrasta já por mais de duas décadas, com a transição para regimes autoritários em vários países.
“No Brasil existe um duplo risco, que vem do governo federal e de atitudes presentes na população”, disse. E afirmou que, por um lado, os brasileiros elegeram um governo “que não tem qualquer compromisso com o sistema democrático e suas regras” e recorre reiteradamente a uma “estratégia de confronto, baseada na provocação permanente, na identificação com as Forças Armadas e na criação premeditada do caos”.
Por outro lado, acrescentou, existe uma expressiva desafeição pela democracia em um amplo setor da população. Pesquisa realizada em 2018 pelo Latinobarómetro – organização não governamental que conduz pesquisas de opinião pública – mostrou que apenas 34% dos brasileiros que participaram da amostra responderam “sim” à pergunta “a democracia é sempre preferível?” – um percentual bem abaixo da média latino-americana. “Para grande parcela, simplesmente tanto faz. E isso será sempre uma ameaça latente para a estabilidade democrática e base potencial para a extrema direita e projetos autoritários”, falou a pesquisadora.
Perguntada sobre as causas dessa indiferença, Tavares de Almeida as associou à pobreza e à aguda desigualdade social do país.
Fechando o foco sobre as atitudes do atual governo e a reação das instituições, Vilhena lembrou que o país vive já há mais de uma década uma condição de “profundo estresse constitucional”, que teve sua primeira grande expressão em 2013, quando as ruas foram tomadas por setores da população descontentes com as promessas não cumpridas. “Foi nesse contexto que se deu, em 2018, a eleição de Bolsonaro, um presidente abertamente hostil à democracia”, afirmou.
Vilhena explicou que a estratégia adotada pelo presidente é usar e abusar do que chamou de atos infralegais: “Por meio de decretos, portarias e nomeações, ele consegue neutralizar agências que têm atribuições constitucionais, como a defesa do meio ambiente ou dos povos indígenas”.
“Bolsonaro escolheu como foco de seu ataque todo o progressismo estabelecido pela Constituição de 1988”, afirmou o jurista. E, como ele tem um escudo no Congresso, que o protege de mais de 130 pedidos de impeachment, “isso levou a uma judicialização da política brasileira, com o Supremo Tribunal Federal desempenhando um papel extremamente ativo na contenção dos atos presidenciais”.
A 11ª Conferência FAPESP 60 Anos foi apresentada por Ronaldo Aloise Pilli, vice-presidente do Conselho Superior da FAPESP, que enfatizou a importância dos mecanismos democráticos para impedir que “aventureiros flertem ou eventualmente assumam o poder”. A moderação foi de Marta Arretche, membro da Coordenação Adjunta de Ciências Humanas e Sociais da FAPESP.
O evento pode ser assistido na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=7EJfDHtSjLY.
As conferências anteriores estão disponíveis em: 60anos.fapesp.br/conferencias.
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Imagem: A Praça dos Três Poderes, em Brasília; crédito: Leandro Neumann Ciuffo/Agência Brasil