A Constituição de 1988 criou o SUS como o único sistema de saúde do país. Apenas isso dá sentido aos qualificativos “complementar” e “suplementar”
Por Paulo Capel Narvai, Outra Saúde
Frustrou-se a expectativa de que em 8 de junho de 2022 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiria a favor das pessoas que necessitam cuidados de saúde, contra as empresas que comercializam apólices indevidamente denominadas “planos privados de assistência à saúde”. A corte aprovou, por 6×3, o “rol taxativo” segundo o qual as empresas obrigam-se perante seus clientes a realizar apenas os procedimentos aprovados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A decisão viola vários artigos da Constituição da República de 1988 (CF1988), notadamente o bloco que vai do art. 196 ao 200, e a legislação sobre saúde no Brasil. Comete, também, o desatino de reduzir “saúde” a “procedimentos” e ignorar conceitos elementares relacionados ao tema como, dentre outros, os de necessidades em saúde e necessidades de saúde, além do próprio e decisivo conceito de saúde. A redução de saúde a procedimentos é um erro elementar gravíssimo, com consequências desastrosas.
Embora a decisão do STJ menospreze pessoas físicas para beneficiar pessoas jurídicas, tem a utilidade de esclarecer sobre o fato de que as empresas eufemisticamente denominadas “operadoras de planos de assistência à saúde”, nada têm a ver com saúde, pois apenas comercializam “procedimentos” considerando-os como uma mercadoria qualquer. Vendem a promessa de procedimentos, como quem vende boi, soja, geladeira, carro, vestido. Os “planos privados de assistência saúde”, conforme expliquei no livro SUS: uma reforma revolucionária, não são planos, não assistem e muito menos podem ser admitidos como sendo de saúde. São, tão somente, contratos que, no âmbito do direito civil, têm como objeto não a saúde, mas “procedimentos”, melhor dizendo um “rol” deles. E isto corresponde a mais uma violação da disposição constitucional (art. 197) de que qualquer ação ou serviço de saúde é “de relevância pública”.
Parece elementar que se algo (no caso, a saúde) é de “relevância pública”, tudo o que diz respeito à saúde não pode ser decidido, apenas, no âmbito privado. Mas a “Constituição Cidadã”, como se referiu Ulysses Guimarães à CF1988, foi ignorada na decisão do STJ, como vem costumeiramente acontecendo em todas as instâncias do poder judiciário. Geralmente, não por má-fé, mas por desconhecimento ou viés ideológico.
Não é de hoje, mas também não é por acaso, que se sucedem ilegalidades relacionadas com o SUS. As ilegalidades convergem, quase sempre, para servir aos propósitos do projeto político neoliberal que, também no Brasil, extermina direitos, aprofunda desigualdades e concentra ainda mais a renda. É nessa perspectiva que deve ser vista a decisão do STJ.
Para o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e várias entidades e movimentos sociais de saúde, essa decisão faz aumentar ainda mais o estrutural “parasitismo” sobre o SUS, termo utilizado pelo advogado Matheus Falcão, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e do CEBES. Esse “parasitismo” corresponde ao mecanismo pelo qual o setor de saúde suplementar, escapando tanto aos controles que o SUS deve exercer sobre ele, quanto à “participação da comunidade” (conforme dispõe o art. 198 da CF1988), que devem, em conjunto, regulamentar, fiscalizar e controlar suas atividades, segue se beneficiando de isenções fiscais indevidas e se vale do SUS como uma espécie de resseguro para as apólices comercializadas pelas empresas que o integram.
As coisas poderiam, contudo, se passar de outro modo, se as instâncias do SUS, incluindo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), fossem valorizadas e respeitadas, nos termos da lei, como o espaço institucional adequado, próprio, específico, para a “formulação de estratégias” e o controle da “execução da política de saúde”. Como o “setor de saúde suplementar” não se ocupa de saúde, mas de contratos que têm como objeto “procedimentos” médico-odontológicos, o que quer que faça uma “operadora”, suas ações sempre dizem respeito ao Conselho Nacional de Saúde e suas atribuições.
Atualmente, porém, isso não acontece, pois a legislação é frágil, deliberadamente ambígua e, como é feita para atender apenas aos interesses comerciais, em detrimento dos cidadãos. É o que se depreende do fato de que se atribui ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), e não ao CNS como manda a CF1988, regulamentar e fiscalizar as ações das empresas ditas “operadoras de planos privados de assistência à saúde”. Ainda que o CNSP conte com uma Câmara de Saúde Suplementar, seus membros são tão desconhecidos quanto suas ações em defesa da saúde como direito de todos e dever do Estado, conforme inscrito no art. 196 da CF1988.
A esta altura, o(a) leitor(a) deve estar se perguntando como, frente a tantas ilegalidades, chegamos a este ponto.
Para entender, vamos ao começo, ou melhor, ao mito criado no começo. Ao mito de que a Constituição de 1988 teria criado dois sistemas de saúde, no Brasil: um público, o SUS; e outro privado, integrado pela saúde complementar e suplementar e os consultórios e clínicas particulares. Isto é um mito, uma crença, que os ideólogos neoliberais tratam de disseminar o quanto podem, como parte da estratégia de ocultar o SUS e a sua missão institucional, inviabilizar a consolidação da saúde como um dos direitos sociais previstos na CF1988 (art. 6º) e reduzir o complexo conceito de saúde a uma mera mercadoria, a um procedimento.
Embora essa concepção simplória e equivocada (saúde não é apenas não estar doente), seja baseada em senso comum e não tenha base em conhecimentos científicos aceitos contemporaneamente, é muito difundida em nossa sociedade. De operários, que fazem greve para exigir “planos de saúde VIP” a ministros da saúde, muita gente supõe que a saúde pode ser comprada, sendo recuperável com a realização de procedimentos adequados, uma ilusão que Hipócrates já descartava há mais de 2 mil anos. “Saúde não se compra” é o ditado popular que expressa essa verdade hipocrática milenar.
O ex-ministro Ricardo Barros, com seu projeto de “planos populares de saúde”, é quem talvez tenha mais bem expressado essa visão reducionista que pensa ser possível comprar saúde. Contrapondo SUS e “planos de saúde”, o ministro de Michel Temer considerava necessário rever o “tamanho do SUS”, pois “quanto mais gente puder ter planos, melhor”, fingia, por conveniência política, acreditar.
Essa redução, e o mito dos dois sistemas, cai como uma luva ao propósito neoliberal de reduzir ao máximo o Estado. Mas é ainda mais útil ao propósito ultraneoliberal, representado pelo bolsonarismo, de rejeição visceral a qualquer ideia de conectar proteção social ao papel do Estado Democrático de Direito, pois seu objetivo é dar prosseguimento ao projeto político conservador que aprofunda as desigualdades e a dependência e para o qual o Estado brasileiro não deve ser um instrumento para a proteção social, mas uma espécie de grande quartel, onde militares ocupam posições estratégicas para assegurar que nada “atrapalhe os negócios”.
Por essa razão, para Jair Bolsonaro e seus acólitos, a saúde suplementar é “nossa” e o SUS é “deles”, na estereotipada e polarizada concepção de nação que alimenta a ideologia bolsonarista e para a qual o SUS, por ser estatal e público, representa a encarnação do mal, o demônio a ser combatido com orações e desprezo – e corte de verbas, decerto. O lado oposto, o bem e o bom, a ser protegido pelos supostos “defensores da liberdade”, como se auto imaginam os bolsonaristas, corresponderia à “saúde privada”, que seria sempre excelente e, portanto, um modelo com o qual o SUS deveria aprender. Trata-se, claro, de uma visão invertida da realidade, tão ingênua quanto incompetente.
É com base, porém, nessa espécie de delírio maniqueísta que o Conselho Nacional de Saúde vem sendo objeto de ataques sistemáticos do governo federal, desde o golpe de 2016. O CNS não é, para essa visão do Estado e da sociedade brasileira, o órgão colegiado da estrutura do Ministério da Saúde que, composto por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários, tem a missão atribuída pela lei 8.142/1990, de atuar na “formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde”. O governo federal, sob o comando bolsonarista, supõe que a “saúde privada” não é parte da “política de saúde” do país e, por esse motivo, decidiu regulamentar o “Conselho de Saúde Suplementar” (CONSU), criado inconstitucionalmente em 1998 pela lei 9.656, pois em colisão com o artigo 198 da Carta Magna.
No portal “gov.br”, o CONSU já foi transformado em Conselho Nacional de Saúde Suplementar. Mas a atribuição de competência ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) para regulamentar atividades de saúde, feita inconstitucionalissimamente pela lei 9.656/1998, teve a sua constitucionalidade imediatamente questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.931. Contudo, a Medida Provisória nº 177-44, de 2001, foi ainda mais além e atribuiu ao CNSP competência para, dentre outras funções, “estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar”.
Embora nessa MP o SUS seja mencionado quatro vezes, em dois artigos, nada é dito sobre o Conselho Nacional de Saúde que, embora tendo a atribuição de “formular estratégias” e controlar a “execução da política de saúde”, não é sequer representado no CONSU e na Câmara de Saúde Suplementar do CNSP. Todos esses órgãos, registre-se, deveriam estar subordinados, em assuntos de saúde, ao Conselho Nacional de Saúde. Em 3/3/2022 a lei 14.307 substituiu a MP 177-44/2001, mas a lei, como fazia a MP, seguiu ignorando o SUS e o CNS. Outra ilegalidade, outra violação da CF1988.
É preciso reafirmar que a Constituição da República promulgada em 1988 instituiu no Brasil um único sistema de saúde, o SUS. Nosso sistema universal de saúde, inspirado no britânico National Health Service e em outros sistemas similares, foi criado pelos artigos 196 a 200 da CF1988, como um sistema estatal, inseparável da estrutura do Estado brasileiro. Ao contrário, portanto, do que muitos pensam, sejam os sinceramente equivocados ou aqueles que, mal-intencionados, querem que seja, buscando deformar o texto constitucional, o Brasil não tem dois sistemas de saúde, um público e um privado.
Desde a promulgação da Constituição, o único sistema de saúde do país é o SUS. Os qualificativos “complementar” e “suplementar”, utilizados para se referir às pessoas jurídicas que, sem fins lucrativos, ou com objetivo de lucro, executam ações e serviços de saúde no país, confirmam que o sistema brasileiro é único, pois são efetivamente complementares ao SUS ou suplementares a ele. Não fosse o SUS o nosso único sistema, não haveria razão para o uso dessas denominações. São complementares ou suplementares a quê? Ao SUS, pois cabe ao SUS, operando como sistema, fazer com que essas partes ou setores, não estatais, operem como um todo para atingir um objetivo definido.
No artigo 197, a CF1988 afirma que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde” e que cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua “regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Essa “relevância pública” da saúde faz com que qualquer ação ou serviço de saúde, ainda que realizado sob a responsabilidade de pessoa física ou jurídica, esteja sob “regulamentação, fiscalização e controle” do Poder Público, ou seja, sob regulamentação, fiscalização e controle de todas as instituições do Estado Democrático de Direito, vale dizer, dos três poderes da República.
Cabe enfatizar que essa atribuição do Poder Público, na saúde, corresponde, em última instância, a uma atribuição do SUS. Foi nesse sentido que a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 e que foi referência política e técnica para os constituintes de 1988, afirmou que a participação do setor privado no sistema de saúde brasileiro “deve se dar sob o caráter de serviço público ‘concedido’ e contrato regido sob as normas do Direito Público [tendo] controlados seus procedimentos operacionais e direcionadas suas ações [sendo] coibidos os lucros abusivos. O setor privado será subordinado ao papel diretivo da ação estatal nesse setor, garantindo o controle dos usuários através dos seus segmentos organizados”.
Desde a sua criação, porém, o SUS vem sendo atacado por governos neoliberais que deveriam fortalecê-lo para cumprir sua missão e proteger a saúde dos brasileiros(as). Uma das consequências dessa fragilidade do SUS é a transformação do cuidado de saúde em mercadoria, para atender propósitos empresariais que miram apenas o lucro. Significativamente, tanto na lei 9.656/1998 quanto na Medida Provisória 177-44/2001 a expressão “cuidado de saúde” não é sequer mencionada.
É comum, mesmo entre lideranças sindicais e pessoas bem-informadas, a crença de que a “privatização do SUS” começou com a decisão dos constituintes de 1988 de assegurar liberdade “à iniciativa privada” para realizar atividades de “assistência à saúde” (art.199 da CF1988). Essa decisão não equivale, em nenhuma hipótese, a afirmar que a Constituição tenha instituído um sistema privado de saúde.
Claro que o conjunto de unidades de saúde de propriedade particular existente no país, como os consultórios, clínicas, laboratórios, hospitais, pode ser considerado um “sistema”, em sentido genérico. Desde o átomo, moléculas e células, até os sistemas solar e cósmico, tudo pode ser analisado à luz da teoria geral de sistemas, cujas bases foram formuladas por Ludwig von Bertalanffy, como um conjunto integrado de componentes que se inter-relacionam de modo interdependente e operam como um todo para atingir um objetivo definido, cujo produto resulta em algo melhor que a simples soma de seus componentes.
Nessa perspectiva, um sistema qualquer pode ser dividido, na prática infinitamente, em tantos subsistemas quantos se queira decompô-lo. Mas, segundo essa teoria, todo e qualquer sistema busca atingir, necessariamente, um objetivo. O objetivo do SUS, como sistema, é a saúde. Mas saúde não é, propriamente, o objetivo do setor de “saúde suplementar”, que não opera sistemicamente e não pode, por suas características, produzir saúde.
É nesse sentido que se pode afirmar que não há no Brasil um sistema privado de saúde. Nem um sistema de saúde complementar ou suplementar. Até mesmo a legislação e normas vigentes se referem a esses segmentos como “setores”, não como “sistemas”. Podem, no máximo, serem considerados subsistemas do SUS. A ele subordinados, portanto, quanto à finalidade do sistema.
No plano ético-político, o art. 199 da CF1988 é interpretado de modo diametralmente oposto por liberais e socialistas. Para liberais, tudo o que a lei e normas regulamentadoras não proíbam expressamente seria permitido, com finalidade de lucro. A ética capitalista, além de não se opor a essas práticas, tem como um valor positivo a exploração empresarial do trabalho dos profissionais de saúde. Mas socialistas interpretam o artigo 199 de modo bastante restrito e específico. Não se trata, eticamente, de uma autorização para acumular e reproduzir capital à custa de doença, dor, sofrimento e morte, mas de uma garantia dada pela Constituição ao direito de exercício autônomo de atividades por profissionais de saúde em seus consultórios, clínicas e laboratórios, e em empreendimentos sociais sem fins econômicos.
Seja como for, o fato é que “setor” não é “sistema” e “saúde suplementar” é apenas um artifício semântico para classificar uma atividade mercantil. Tudo sobre saúde que se faça no “setor de saúde suplementar” é, portanto, saúde. Substantivamente. Suplementar é um qualificativo econômico, não sanitário. Não há, em termos sanitários, uma saúde “suplementar”, pois a complexidade da saúde não se presta a esse tipo de classificação.
Uma analogia que costumo utilizar, útil para diferenciar os conceitos de “sistema” e “setor”, pode ser feita com a segurança pública. O fato de se assegurar a liberdade de pessoas jurídicas, de propriedade de particulares, realizarem ações de segurança, não equivale a instituir no país um sistema privado de segurança pública, pois incumbe ao Estado assegurar a segurança das pessoas e ter o monopólio do uso das armas. As utilizadas por empresas privadas de segurança são igualmente regulamentadas, fiscalizadas e controladas pelo Estado, pois a segurança pública, assim como a saúde, não é um assunto de particulares, considerado privado, ou mesmo privativo, mas tem “relevância pública”.
O conjunto de empresas, de propriedade de particulares, que realizam operações comerciais ditas de “assistência à saúde” operam no mercado securitário, onde comercializam apólices, mal denominadas “planos de assistência à saúde”, que têm como objeto um rol de procedimentos variados que correspondem a ações e operações de assistência à saúde. Atualmente, essa comercialização é objeto de legislação e normas regulamentadoras e incumbe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em nome do Estado brasileiro, fiscalizar as empresas e proteger os seus clientes.
Tem sido constatada, no entanto, uma inversão dessas funções. A ANS vem sendo frequentemente acusada, por consumidores, de proteger as empresas e não os compradores dos “planos”. Nos órgãos de defesa do consumidor tais empresas lideram a lista de queixas e reclamações.
É sob esse referencial constitucional que deveriam ser redefinidas as relações, atualmente invertidas, entre o SUS e a denominada “saúde suplementar”, cuja expressão sequer aparece na Constituição de 1988. O Congresso Nacional precisa se ocupar desse assunto e colocar o setor de saúde suplementar, efetivamente, sob controle do SUS. É disso que se trata. Se a CF1988 aprovou que a saúde é de relevância pública e que as ações e serviços de saúde serão regulamentadas, fiscalizadas e controladas pelo Estado, então o SUS e suas instâncias devem ser, em todo o território nacional, partícipe e comandante dessas decisões.
No contexto histórico do capitalismo financeirizado, as empresas que operam nesse setor, muitas com ações em bolsas de valores, têm suas estratégias empresariais definidas pelo capital financeiro e não pelo princípio ético do direito à saúde e a necessária referência epidemiológica para a tomada de decisão vinculada a esse princípio. As empresas estão capturadas pelo capital financeiro e isto não é nada saudável, pois rentistas engordam suas contas bancárias à custa de dor, sofrimento e morte.
É urgente que a sociedade dê um basta nisso e que se comece a mudar essa história, pois é inaceitável que, embora as ações desse segmento empresarial impactem o sistema de saúde, suas operações não sejam controladas pelo SUS e pela sociedade organizada, presente em conselhos de saúde em municípios, estados e no âmbito nacional.
É urgente também que a ANS retome a missão para a qual foi criada, se necessário, produzindo mudanças na legislação de modo a, considerando a relevância pública da saúde, efetivar o papel do Poder Público na saúde, subordinando a atuação do setor de saúde suplementar ao SUS. Isto significa, também, que se deve consagrar em lei a conexão de que tudo o que se aplica ao SUS aplica-se, automaticamente, às empresas que vendem “planos privados de assistência à saúde”.
O que esteve em disputa na decisão do STJ foi, portanto, muito mais do que a natureza do rol de procedimentos, se taxativo ou exemplificativo. Com sua decisão, inconstitucional reitero, o STJ contribuiu, infelizmente, para golpear o direito social à saúde e criar impedimentos adicionais para que o SUS cumpra a sua missão institucional de principal instrumento do Estado Democrático de Direito para assegurar a todos o exercício do direito à saúde. Lamentavelmente, o STJ inverteu essa orientação. Preterindo critérios sanitários, priorizou a viabilidade de negócios com doença e morte. Os acionistas das empresas, decerto, lhe são gratos.
Paulo Capel Narvai é especialista, mestre, doutor e Livre Docente em Saúde Pública e Professor Titular da Universidade de São Paulo (USP).