MPF quer implementação de projeto de gestão territorial e ambiental para combater conflitos dentro das terras indígenas Nonoai e Serrinha (RS)

Modelo atual de gestão das TIs privilegia contratos de arrendamentos ou parcerias, que reforçam conflitos internos das comunidades indígenas

Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou duas ações civis públicas perante a Justiça Federal de Carazinho, no Rio Grande do Sul, em que requer que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai), com o apoio do Estado do RS, implementem Projeto de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) nas terras indígenas (TIs) Nonoai e Serrinha. O projeto é voltado à eliminação das formas de exploração por não indígenas e ao fortalecimento das práticas indígenas de manejo, uso sustentável e conservação dos recursos naturais e à inclusão social dos povos indígenas, consolidando as TIs como área essencial para conservação da diversidade biológica e cultural nos biomas florestais brasileiros. 

Ambas as ações trazem um pedido de tutela de urgência, em que o MPF argumenta que a continuidade do arrendamento nas TIs “resultará em novas diásporas e na perpetuação de violências, notadamente diante de um cenário de abandono estatal no que diz respeito à implementação de políticas públicas voltadas ao etnodesenvolvimento”, o que “não pode ser admitido”. 

As ações pedem ainda que a Justiça determine que União, Funai e Estado do Rio Grande do Sul articulem, com a participação dos indígenas, “políticas públicas e programas junto aos demais órgãos de governo com vistas a assistência técnica rural e obtenção de linhas de crédito específicas para as atividades produtivas de iniciativa indígena” e que, enquanto não implementados os PGTAs nas TI Nonoai e Serrinha, “garantam a segurança alimentar das famílias que venham a comprovar essa necessidade, inclusive mediante articulação com outros órgãos e entidades”. 

Pareceres periciais elaborados pelo setor de antropologia da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF ( CCR) concluíram que a solução para a questão do arrendamento seria a construção de alternativas econômicas que pudessem ser realizadas pelas comunidades indígenas, sendo indicados o etnomapeamento e o etnozoneamento da TI Serrinha e da TI Nonoai. Ambos são ferramentas da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI), os quais, por envolver toda a comunidade indígena, poderiam contrabalançar o poder do cacique e seu grupo na definição das melhores e mais justas formas de ocupação e uso do território indígena. 

Arrendamentos – Apesar de a prática de arrendamentos dentro das terras indígenas para pessoas não indígenas ser proibida por lei no Brasil, muitas comunidades recorrem a isso para obter recursos financeiros para a sua sobrevivência. Porém, além da violação do direito ao usufruto exclusivo de suas terras, a ausência de transparência ao lidar com os recursos oriundos do arrendamento é um fator de produção de desigualdade de poder entre os próprios indígenas, implicando também desigualdade econômica. A concentração e a desigualdade que esse modelo de atividade econômica ilegal acaba por gerar no seio da comunidade, informou a Funai ao MPF numa nota técnica de 2014, “que beneficia grupos minoritários”, traz como consequências “um conjunto de violências associadas e utilizadas para manutenção da prática do ilícito”, com conflitos internos que, muitas vezes, resultam em ameaças, agressões físicas, transferências/expulsões e até mortes. 

Para combater o arrendamento em ambas as TIs, o MPF já havia ajuizado outras ações judiciais no passado, que levaram a dois termos de ajuste de conduta (TACs), um assinado em 2018 no âmbito da TI Nonoai, e o outro em 2019 para a TI Serrinha. MPF e Funai firmaram esses termos respectivamente com a Copinai (Cooperativa dos Trabalhadores Rurais Indígenas de Nonoai) e a Cotrisserra (Cooperativa dos Trabalhadores Rurais Indígenas de Serrinha). 

A ideia desses TACs era promover a transição do modelo de utilização das terras indígenas, para que os contratos de arrendamento ou parcerias agrícolas dessem lugar à produção autônoma pela comunidade indígena e, ao mesmo tempo, proporcionar um modelo de desenvolvimento sustentável, o que não foi possível. 

Disputas internas envolvendo as lideranças indígenas tanto em Nonoai como na Serrinha, que tinham como pano de fundo o controle da exploração das TIs e dos recursos econômicos gerados com os projetos de transição, vieram à tona durante o ano de 2020 e se agravaram ao ponto da ocorrência de um duplo homicídio na TI Serrinha em outubro de 2021, seguido de novo homicídio na TI Nonoai um mês mais tarde. 

Ainda, o MPF ouviu da Funai que, por conta de deficiência de recursos orçamentários logísticos e de pessoal, havia dificuldades para efetuar ações de fiscalização nas áreas indígenas e saber se as ações executadas via TACs estavam efetivamente alcançando seus objetivos. 

Todo esse quadro levou o MPF a expedir recomendação no fim de outubro de 2021 para que a Funai não renovasse TACs para implantação de projetos de transição que não obedecessem determinados requisitos, bem como para que a Funai adotasse as providências necessárias para elaborar e implementar os respectivos PGTAs. 

Embora os TACs não tenham sido renovados, “a Funai reconheceu que até hoje não foram elaborados PGTAs e demais instrumentos de gestão territorial e ambiental e não soube detalhar ou especificar de que forma pretendia fazê-los”, apesar de a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) ter sido instituída por decreto publicado desde 2012. 

“O arrendamento é uma realidade de diversas terras indígenas no Rio Grande do Sul que persiste há décadas e que não será eliminado por meio de iniciativas isoladas e esparsas”, nos informa o MPF. “Para que seja alcançado tal objetivo, é necessário um conjunto de medidas e a atuação articulada do Estado brasileiro, em instâncias diversas, sob pena de perpetuação do ilícito e das práticas de violência associadas”.

A ação civil pública que envolve a TI Nonoai pode ser consultada na Justiça Federal do RS a partir do protocolo 5001736-33.2022.4.04.7118. 

A ação civil pública que envolve a TI Serrinha pode ser consultada na Justiça Federal do RS a partir do protocolo 5001737-18.2022.4.04.7118.

Arte: Secom/PGR

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

12 + cinco =