De acordo com nova denúncia, a empresa produtora de óleo de dendê descumpre decisão judicial ao impedir que moradores tenham acesso à área da empresa, alvo de disputa entre Agropalma e povos tradicionais da Amazônia
Por Taymã Carneiro, g1 Pará — Belém
Em mais um episódio de tensão na chamada “guerra do dendê” no Pará, comunidades relatam que quilombolas e ribeirinhos cadastrados foram barrados por seguranças armados na portaria da empresa Agropalma e impedidos de entrar para pescar e visitar o cemitério ancestral que fica dentro da fazenda, em desrespeito a uma decisão judicial.
Um boletim de ocorrência, ao qual o g1 teve acesso, foi registrado pelos moradores, na semana passada, na cidade de Tailândia, no interior do estado.
De acordo com o acordo assinado pela empresa e lideranças quilombolas, “as partes afirmam ter conhecimento de que rios e margens tratam-se de bens públicos e uso comum que, portanto, não podem impor obstáculos ou restrições à circulação, tampouco à realização de atos como a pesca”.
A região é um dos principais focos de conflito que tem como pano de fundo o negócio bilionário do dendê. O Pará responde por 88% da produção de óleo do Brasil.
As fazendas de palma têm avançado sobre territórios indígenas na Amazônia já demarcados, que, em tese, deveriam ser protegidos. O mesmo acontece em outras áreas quilombolas ainda em fase de reconhecimento, em processos que se arrastam há anos.
As comunidades sofrem ainda com o impacto ambiental, como a contaminação da água, e ameaças a lideranças locais. A aquisição de fazendas na região também envolve acusação de grilagem e cartório-fantasma.
Uma decisão da Justiça determina que quilombolas cadastrados possam acessar uma fazenda da Agropalma onde há um dos cemitérios da população local.
Os moradores vão até esses locais, que vivem sob vigilância permanente de seguranças, em especial para as celebrações de finados. A movimentação, invariavelmente, gera conflitos. Além disso, na propriedade da Agropalma há também o rio Acará, fonte de água e pesca para as comunidades ribeirinhas.
A decisão judicial recente, publicada na última sexta-feira (1º), o juiz André Luiz Filo-Creão Fonseca, da Vara Agrária de Castanhal, ratifica a determinação firmada em 17 de fevereiro.
Na ocasião, ele determinou que só poderiam acessar a área os moradores cadastrados na listagem elaborada pela Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará.
Para entrar no local, quem tiver o cadastro precisa apresentar documento oficial com foto e passar pela portaria da Agropalma. Pela decisão judicial, a entrada por outro local será considerada um acesso clandestino. Segundo a empresa, até o momento, há 163 cadastrados.
No entanto, no dia 20 de junho, de acordo com o boletim de ocorrência, mesmo quilombolas listados pela associação foram barrados.
A ocorrência registrada na delegacia afirma que quatro membros da associação foram abordados por dois seguranças da empresa Agropalma, que se apossaram de nove malhadeiras e expulsaram um dos quilombolas que pescavam às margens do rio Acará. Segundo os quilombolas, os seguranças alegaram que eles não tinham direito de pescar naquele local, pois ali era propriedade privada.
Já no dia 21, oito seguranças da Agropalma abordaram dois pescadores membros da associação e tomaram três espingardas, além da caça e pesca do grupo, que foi expulso do local sob escolta armada. Os quilombolas também destacam que foram proibidos de acessar o cemitério quilombola que fica na área de plantação da Agropalma.
O g1 entrou em contato com a Agropalma, mas até a publicação desta reportagem, a empresa não havia se manifestado.
Dendê causa disputa por terras
Item valioso, o óleo tem uma série de aplicações em diferentes indústrias, como a alimentícia (nos segmentos de panificação, confeitaria, produtos lácteos e sorvetes, além de frituras), a química e na de cosméticos e biocombustíveis.
O negócio movimenta cifras elevadas. Em 2020, o Pará produziu 2,8 milhões de toneladas, segundo dados do governo estadual. Hoje, a tonelada é comercializada por cerca de US$ 1,7 mil, o que dá, na cotação atual do dólar, em torno de R$ 10 mil. Usando como base a produção daquele ano, seriam R$ 28 bilhões.
Duas principais companhias atuam na região há décadas: a Agropalma e a Brasil BioFuels (BBF) – antiga Biopalma.
As cidades com mais áreas ocupadas pelas plantações são Tomé-Açu, Tailândia, Moju e Acará- justamente onde também estão os principais focos de tensão.
Em um cenário de fiscalização frouxa, os episódios de tensão se intensificaram ainda mais nos últimos meses: indígenas incendiaram ônibus e valas foram cavadas por empresas para impedir o acesso às comunidades. Tentativas de conciliação não têm dado certo. O Ministério Público Federal (MPF) defende a federalização no caso dos indígenas.
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Nota enviada pela Agropalma:
A Agropalma não compactua com ações ou atitudes que impliquem em violência física e fornece orientações claras a esse respeito às suas equipes de segurança, as quais usam equipamentos compatíveis com a atividade de proteção dos colaboradores, das florestas e do patrimônio da empresa e estão em conformidade com a legislação vigente.
O acordo firmado em juízo com a ARQVA determinou que teriam permissão para livre acesso à área do cemitério os moradores que fossem cadastrados no processo judicial pela associação, com acesso pela portaria da empresa mediante documento de identificação. Desta forma, os seguranças orientam moradores que buscam outros pontos de entrada para que o façam no local adequado, conforme determinação judicial.
A empresa informa ainda que, na última semana, identificou um grupo de pessoas acampadas em suas áreas, em uma região afastada do cemitério, o que não se enquadra no acordo judicial. Com esses indivíduos foram recolhidas armas de fogo e de caça sem registro, as quais foram imediatamente entregues à Polícia Militar para a devida averiguação. Por essa razão, a Agropalma registrou um boletim de ocorrência, registrado sob o nº 00081/2022.101668-9, no dia 23/06/2202.
Quanto ao trabalho da Polícia Militar do Estado do Pará, a Agropalma, como qualquer outra organização ou cidadão, aciona a instituição quando observa alguma situação que possa colocar em perigo seus colaboradores ou seu patrimônio.