“Uma professora me tirou do esgoto”, afirma rapper Emicida

Artista afirma que não seria o que é hoje se, aos 9 anos, educadora não percebesse que estava prestes a abandonar a escola

Talita de Souza, no Correio Braziliense

O racismo causa e potencializa dores, mas a educação antirracista e afetiva pode curá-las. Assim resme o rapper e empresário Emicida, ao compartilhar sua história no Festival Led – Luz na educação, nesta sexta-feira (8), no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Um dos artistas de maior visibilidade do cenário nacional, com expressiva luta contra o racismo, o artista afirma que não seria o que é hoje se, aos 9 anos de idade, uma professora não notasse que estava em franco processo de evasão escolar. 

“Na quarta série decidi não ir mais para a escola. Os ataques contra minha pele e meu cabelo ficaram mais agudos. Minha mãe me deixava no colégio, esperava ela virar a esquina e ia para uma praça”, relata.

Ele conta, ainda, que após alguns dias, as inspetoras do colégio e sua professora perceberam a tática  para fugir das aulas. “Um dia fui fazer a mesma coisa e elas correram atrás de mim. Fui correndo e vi um tubo de esgoto. Desci o tubo e fui caminhando, tentando não pisar, e saí em outra rua. Fugi nesse dia, mas minha professora, Rita de Cássia, não desistiu.”

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O músico afirma que seus primeiros anos de escola foram muito difíceis. Lembra que, na primeira série, ao perder o pai, ficou ainda mais introspectivo. “Foi a primeira vez que sai do seio da minha família e comecei a sofrer ataques com frequência, por meu cabelo e minha pele. Na época, era a única criança de pele escura na sala e isso se repetiu muito. Na quarta série, junto com o luto, os ataques ficaram bem mais intensificados e eu não aguentava mais.”

Após esses episódio, ainda segundo ele, sua professora perguntou se havia algo que gostasse de fazer, já que era curioso e sempre demonstrou interesse pela leitura, mas não sentia prazer em estudar. Foi quando revelou que amava histórias em quadrinhos e a professora viu um caminho para resgatá-lo, evitando a interrupção de seu crescimento cognitivo, permitindo-lhe fazer, inclusive, as rimas que o levou a ser indicado como melhor artista internacional no prêmio norte-americano BET Awards, em 2021.

“Ela se ligou que eu não gostava de estudar, mas gostava de histórias em quadrinhos. E começou a me dar todas as matérias em histórias em quadrinhos. Todos sabem quanto um professor ganha, quanto trabalho tem. E ela teve todo esses esforço por uma só criança”, disse, emocionado.

“A minha professora não queria que eu ficasse em um bueiro de esgoto a vida toda. Eu existo porque tinha uma professora teimosa, que correu atrás de mim, me tirou do esgoto e salvou a minha vida”, concluiu.

Emicida participou da roda de conversa A ponte para o futuro vem do passado – uma educação crítica e antirracista. Sua história emocionou a educadora Conceição Evaristo, que lembrou ter passado anos de carreira acadêmica auxiliando professores de escolas públicas e de educação básica a cuidarem melhor dos alunos.

Ângela Figueiredo, que estava presente na mesma mesa, também afirmou que teve uma professora que a auxiliou nos estudos. “Todos nós, alunos negros ou não negros de classes populares, tivemos um professor desses que nos observou, que nos acolheu e mudou nossas vidas”, disse.

Movimento LED

O Festival que ocorre nesta sexta e sábado (9/7) é um dos três pilares da iniciativa Movimento LED, promovida pelas organizações Globo e Fundação Roberto Marinho com o objetivo de reconhecer, incentivar e fomentar práticas inovadoras de educação no país.

Além do festival, o Movimento LED oferece premiação, por meio de edital anual, para acelerar novas formas de ensinar e aprender na educação básica, técnica e profissional, e educação não-formal. Cada iniciativa vencedora recebe R$ 200 mil.

Dez iniciativas feitas por estudantes universitários que apresentem soluções criativas para problemas vividos dentro de escolas ou em universidades também receberão um incentivo de R$ 300 mil, no desafio LED – Me dá uma luz aí.

O último pilar do Movimento LED é voltado a oferecer, de maneira gratuita, uma plataforma de aprendizado on-line, denominada Comunidade LED, disponível para pessoas que estão envolvidas ou querem aprender mais sobre novas metodologias, tecnologias disruptivas, experiências de sala de aula e educação inovadora.

Todo o movimento é acompanhado de perto por um conselho consultivo, formado por diversas instituições de ensino, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Todos pela Educação, Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS), Vale do Dendê e Porto Digital.


*A repórter viajou a convite das organizações Globo e da Fundação Roberto Marinho.

Emicida participou da mesa que discutiu educação antirracista no Festival LED no Rio de Janeiro. Foto: Oxidany/Globo

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