Eleições brasileiras 2022: sinais de um teste institucional

IHU

“Assim como em 1954, no Brasil de 2022 as Forças Armadas se posicionam como atores no debate sobre a integridade do método eleitoral, influenciando no cálculo para aceitação do resultado. Ao contrário de 1954, em 2022 não houve alteração do método de votação. Logo, a questão que se levanta é se as armas continuarão a pôr em dúvida a integridade do método eleitoral vigente”, escrevem Juliana de Souza Oliveira, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do CEBRAP e do Observatório Eleitoral das Américas e Lucas Damasceno Pereira, doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo, pesquisador do Observatório Eleitoral das Américas e do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (CAENI), em artigo publicado por Boletim Lua Nova, 05-08-2022.

Eis o artigo.

Introdução [1]

“O milagre da democracia é que o conflito entre as forças políticas obedece ao resultado da votação. As pessoas armadas obedecem às desarmadas. Incumbentes arriscam o controle do governo por meio de eleições” (PRZEWORSKI, 2019, p. 163. Tradução nossa)

Brasil, 1954, uma eleição polarizada entre UDN e PSD. Fraude é a tônica da discussão, de tal modo que a palavra golpe está presente no vocabulário político corrente. A UDN, um dos polos da competição, investe no discurso de que as eleições seriam fraudadas. A premissa da acusação se concentra no método de votação: a inexistência de cédula oficial [2].

Anteriormente a 1954, a UDN nunca havia tocado no assunto da cédula. Não obstante, para a eleição daquele ano, o discurso udenista sustentava que o resultado eleitoral não traria a verdade das preferências do povo às urnas. No desenrolar da campanha o discurso se radicaliza. Os udenistas acusam a Justiça Eleitoral de colaborar com um esquema de fraude caso se confirmasse a vitória do candidato de oposição, Juscelino Kubitscheck [3].

Em meio à crise, volta à baila um ator historicamente importante nos processos políticos, as Forças Armadas. Desde o início da primeira experiência democrática brasileira , o discurso da reforma eleitoral fora a tônica do período, sem que as Forças Armadas participassem do processo (LIMONGI, 2012, 2015). Em 1954, entretanto, o discurso pela reforma extrapola o campo da campanha e se converte em um risco para o calendário eleitoral e, consequentemente, para a transição de poder.

No auge da crise, o Marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott apoia a retórica golpista da UDN, tornando crível a ameaça que anteriormente estava presente apenas no campo discursivo. Em entrevista, o Marechal descreve o cenário: “Sou a favor da cédula oficial, pois com a cédula comum nada será possível. Não chegaremos às eleições e, se chegarmos, não haverá posse” (KUBITSCHEK, 1976, p. 394). Assim, mesmo se ganhasse o pleito, a posse de JK estaria em jogo caso a eleição não fosse feita sob o novo método de votação proposto por seus adversários. No fim das contas, a demanda da UDN foi estrategicamente aceita. As opções eram nítidas: a reforma ou golpe. O discurso tornou-se ameaça: ou se fazia uma reforma eleitoral ou uma das partes não aceitaria o resultado das urnas.

Nas palavras de JK: [a] cédula única foi aprovada e, com essa decisão da Comissão de Justiça, ficará desfeita mais uma perigosa manobra de meus adversários, manobra esta cujo único e dissimulado objetivo havia sido tumultuar e, se possível, – levando-se em conta os pronunciamentos Forças Armadas – obter um adiamento das eleições, marcadas para outubro. (KUBITSCHEK, 1976, p.397).

Após o conhecimento do resultado eleitoral, o golpe udenista naufragou porque as Forças Armadas não embarcaram. Uma vez declarado o vencedor, as Forças Armadas e a Justiça Eleitoral carimbaram o resultado; à UDN restou esbravejar. Juscelino Kubitschek tomou posse em 1955 e, apesar do clima tenso e espectro de golpe, as Forças Armadas garantiram sua posse. Esse episódio é conhecido na historiografia como o “contragolpe do Marechal Lott”. Apesar do suporte dado ao questionamento da antiga cédula, o Marechal retirou seu apoio após a reforma, contribuindo para a legitimação do resultado eleitoral. Naquele contexto, Forças Armadas e Justiça Eleitoral estiveram do mesmo lado, validando a integridade do novo método de votação.

Assim, a ameaça de desrespeitar o resultado eleitoral apenas havia se tornado crível pelo suporte das Forças Armadas ao discurso golpista. Da mesma forma, as mesmas Forças Armadas mudaram de posicionamento com a adoção do novo método de votação. A ameaça de desrespeito do calendário eleitoral não se concretizou porque tanto a Justiça Eleitoral quanto as Forças Armadas, concordaram que a reforma da cédula era solução suficiente para garantir a lisura do pleito. O diálogo institucional entre Forças Armadas e Justiça Eleitoral reformou o método de votação e garantiu o resultado eleitoral de tal modo que o perdedor não teve apoio institucional, e nem das armas, para romper com o ciclo eleitoral.

O que há nessa história de semelhante e de diferente com o contexto das eleições brasileiras de 2022? Desenha-se no horizonte uma eleição polarizada. Uma vez mais, o método de votação ocupa o centro do debate político. E, novamente, a Justiça Eleitoral tem de lidar com Forças Armadas contestando a integridade do processo eleitoral. Por outro lado, a mudança do método de votação não foi alcançada por seus propositores, impondo que a concertação entre Justiça Eleitoral e Forças Armadas deverá se dar no âmbito do método de votação vigente.

Nas seções a seguir, conceitualizamos a democracia sob a perspectiva institucionalista a fim de traçarmos algumas semelhanças do cenário atual com o passado, buscando destacar elementos do contexto institucional da década de 1950 que sirvam de subsídio para refletir sobre a conjuntura atual, no que se refere ao questionamento do processo eleitoral, e à polarização entre os grupos políticos. Em seguida, apresentamos uma breve reconstrução dos choques e ameaças aventadas por potenciais contestadores do processo eleitoral, e apresentamos as respostas institucionais do Tribunal Superior Eleitoral na tentativa de promover a adesão institucional e alavancar o nível geral de transparência do processo. Na seção final, discutimos como o cenário atual ainda não caracteriza uma crise democrática, mas que o caminho para evitá-la depende da capacidade institucional em manter os custos de contestação do resultado eleitoral suficientemente elevados.

Democracia e eleições: um requisito mínimo

O elemento de incerteza produzido por eleições competitivas é vital e condição mínima de um contexto democrático (PRZEWORSKI, 2018). Como aponta um dos principais representantes da teoria democrática contemporânea, Adam Przeworski, na democracia, é necessário que os ciclos eleitorais sejam capazes de produzir alternância nas posições de governo. A resolução dessa incerteza através de meios eleitorais e, portanto, não violentos, está no centro da defesa de uma definição mínima de democracia (PRZEWORSKI, 1999). Por outro lado, a expectativa de alternância que tornaria o comportamento de ganhadores e perdedores racionalmente adequados por vezes não é suficiente para promover adesão ao método eleitoral de escolha de governantes.

O ponto de partida dessa formulação é a premissa de que todo e qualquer grupo político prefere reprimir a tolerar seus adversários. A questão está em saber se tem forças para tanto, se é vantajoso fazê-lo. A oposição será tolerada pela situação quando para esta última for menos custoso fazê-lo do que aceitar o risco de perder o poder para a primeira em eleições livres. (DAHL, 1997. p. 21)

Em outras palavras, eleições são a alternativa ao derramamento de sangue no processo de mensuração de forças entre grupos que se opõem (Przeworski 1991, 2018, 2019). A eleição, como um método de escolha pacífico que evita a seleção de líderes pela violência, não deixa de reconhecer a existência indissolúvel do conflito e oferece aos perdedores a perspectiva de governar no futuro; logo, está pressuposto que o conflito faz parte da democracia.

Mas o conceito não se exaure nesta definição. Como dito na epígrafe, a democracia também é o governo onde o conflito entre forças políticas obedece ao resultado eleitoral; e, por tratar-se justamente de uma alternativa à violência, o processo é conduzido pelas instituições desarmadas.

Ainda sob essa perspectiva, há um componente que mantém o alerta aceso no cenário eleitoral contemporâneo, a presença de Forças Armadas: Algo encorajador é que a diferença final e mais relevante entre o passado e o presente é o desaparecimento dos militares da vida política. […] De fato, se este texto tivesse sido escrito há 40 anos, o peso dos militares teria sido uma preocupação central. Surpreendentemente, não são mais um ator político relevante, mesmo na América Latina, tendo quase desaparecido das páginas de ciência política. (Przeworski, 2019, p.140. Tradução nossa)

Todavia, o Brasil de 2022 parece ser um desvio a esta leitura de Przeworski sobre o cenário político. Insistindo na máxima do jogo eleitoral como uma alternativa à violência, este precisa ser o único jogo jogado. Em um regime democrático, a violência não pode ser uma opção à aceitação do resultado da eleição. Assim como em 1954, no Brasil de 2022 as Forças Armadas se posicionam como atores no debate sobre a integridade do método eleitoral, influenciando no cálculo para aceitação do resultado. Ao contrário de 1954, em 2022 não houve alteração do método de votação. Logo, a questão que se levanta é se as armas continuarão a pôr em dúvida a integridade do método eleitoral vigente.

O ciclo eleitoral brasileiro de 2022: processo em direção à crise?

Ao refletir sobre a eleição estadunidense de 2020, Adam Przeworski (2021) aponta dois elementos indicativos da baixa probabilidade de não alternância de poder no caso de derrota do incumbente: a renda per capita e o histórico democrático nacional. Ambos elementos, apontados por Przeworski como variáveis que indicariam baixo risco de ruptura, estão ausentes no Brasil. Aqui, a renda per capita sofreu significativo processo de queda na segunda década deste século, com tímidas e insuficientes recuperações em 2016 e 2021. O histórico pós-redemocratização, por sua vez, não apresenta justificativa para esperar efeitos anticrise desta variável. Sob a Constituição Federal de 1988, houve cinco ascensões à Presidência do Executivo, excluídos os impeachments de 1992 e 2016, mas apenas em três instâncias houve real troca de grupos nas esferas de poder – insuficiente para gerar o efeito estabilizador de um longo histórico de alternância pela via eleitoral (PRZEWORSKI, 2021).

Por outro lado, estão presentes no Brasil os elementos geradores da contestação após a eleição de 2020 nos EUA. Em primeiro lugar está a polarização que gera entre os diferentes grupos políticos um receio sobre o quanto está sendo disputado. A crescente polarização torna o objeto em disputa na eleição algo extremado, podendo tornar a eventual derrota um fardo não passível de aceitação. A adesão dos grupos políticos à alternância eleitoral requer que o que está em jogo não seja tão pouco nem tão extremo (Przeworski, Rivera, Xi. 2015). Em segundo lugar, as novas formas de minar as bases democráticas utilizadas por incumbentes para permanecer no poder avançou para estratégias aquém da alteração constitucional ou da mudança de regime.

O primeiro aspecto potencialmente desestabilizador, a polarização, torna inaceitável o risco intrínseco às eleições, não apenas para grupos que veem seus opositores como uma ameaça ao próprio sistema, mas também para os atores em esferas de poder. Neste sentido, é emblemático o caso da América do Sul, dos países com alguma alternância de poder na região, apenas Chile e Uruguai não tem e não tiveram um ex-chefe de Estado detido após governar nas duas últimas décadas. Neste século, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Brasil, Equador, Colômbia, Suriname e Guiana têm ou tiveram um ex-chefe de Governo detido após deixar o poder, em sua maioria por crimes administrativos. Cenários assim tendem a aumentar o peso da disputa eleitoral porque, além do controle de posições no governo, estão em disputa elementos básicos, como a própria liberdade.

Se, por um lado, o conflito é parte do próprio jogo político; e políticos querem permanecer no poder. O que é motivo de alerta nestes cenários é a incerteza a respeito da capacidade institucional de manter o custo de contestação suficientemente elevado, de forma que ao perdedor não reste outra opção que aquiescência.

No Brasil em 2022 – assim como nos EUA em 2020 e no Brasil em 1954 – a direção do choque instaurado pela presença de atores autoritários em esferas de poder se direciona contra o Poder responsável por validar o resultado eleitoral.

Assumindo as autoridades eleitorais como atores racionais, é interessante destacar as estratégias adotadas pelo Supremo Tribunal Eleitoral na tentativa de elevar os custos de contestação, e na tentativa de promover a contínua aderência ao próprio processo eleitoral como método de escolha de governo. As soluções tentadas estão ancoradas na literatura sobre legitimidade e integridade eleitoral. Segundo Otaola (2017), a aceitação do resultado eleitoral é favorecida pela inclusão dos atores políticos na condução do processo eleitoral e pelo nível geral de transparência do resultado. As iniciativas do TSE vão ao encontro dessa literatura. Entre as respostas institucionais, duas são de especial interesse [4], a saber: a criação da Comissão de Transparência do TSE, com presença convidada das Forças Armadas; e a expansão do número e origem dos observadores eleitorais, nacionais e internacionais.

Diante da suspeição produzida em face da integridade do processo eleitoral, o TSE emitiu a portaria No. 578 de 8 de setembro de 2021, em que cria a Comissão de Transparência das Eleições e o Observatório de Transparência Eleitoral [5]. No texto de criação são mencionados como membros especialistas, entidades da sociedade civil e instituições públicas. A inclusão das Forças Armadas nesta Comissão é elucidativa do processo em desenvolvimento. A despeito de seu papel na logística e segurança no processo eleitoral, carece de sustentação constitucional a inclusão das Forças Armadas na condução do ciclo eleitoral. Assim, a resposta institucional de criação da Comissão de Transparência, após o fatídico questionamento emitido pelas Forças Armadas, e a inclusão destas na referida Comissão, devem ser lidas como uma tentativa de concertação e promoção de adesão ao próprio processo eleitoral – haja vista o risco que a exclusão de atores contestadores apresenta para a estabilidade pós-eleitoral.

Outra dimensão da resposta institucional racional diante dos ataques à legitimidade eleitoral é a mobilização de instituições e organismos para aumento da transparência. O Brasil é um caso de rápida intensificação da atividade de observação eleitoral, em contraste com uma histórica resistência do país à prática. Após uma descontinuada experiência em 1994, iniciou-se uma nova fase em 2018 com o convite à Organização dos Estados Americanos para observação da eleição daquele ano (a primeira após o impeachment de 2016).

Naquele ano teve início a mobilização em torno da atividade de observação eleitoral doméstica. A Universidade de São Paulo, em parceria com a Organização dos Estados Americanos, criou em 2019 o Observatório Eleitoral das Américas. No mesmo ano foi fundada a Transparência Eleitoral Brasil, primeira organização a conduzir uma missão de observação eleitoral doméstica em 2020. Para 2022 foram convidadas outras Organizações Internacionais, como a Organização dos Países de Língua Portuguesa e a União Europeia (UE); além da consolidação da atividade de observação doméstica, oito organizações se credenciaram junto ao TSE [6].

A relação com a União Europeia evidencia mais um ponto de conflito entre Executivo e TSE. Após ser convidada pelo TSE, a organização foi desconvidada por pressão do Itamaraty, sob o argumento de que a organização não observaria seus próprios membros, e do ferimento à soberania nacional que poderia causar a realização de observação eleitoral internacional por uma organização da qual o país não é membro. Em compensação, são esperadas missões do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu.

Transição de poder: suficiência institucional incerta

No caso brasileiro contemporâneo, o Executivo ameaça contestar o resultado eleitoral antes mesmo das eleições. Do ponto de vista institucional, ainda estamos distantes do cenário de crise propriamente dita. O que ocorreu até o momento foram tentativas de insuflar as Forças Armadas contra o TSE, que por sua vez responde com tentativas de concertação, visando adesão institucional dos potenciais contestadores e, idealmente, impossibilidade de contestação do resultado eleitoral.

Sob a perspectiva estratégica, Schumpeter (1942) salienta que valores democráticos podem ser circunstanciais e contingentes. Dahl (1997) também insiste que a manutenção da democracia não depende necessariamente da adesão prévia dos atores sociais a determinados valores. Por outro lado, como argumentado, a presença de atores autoritários em esferas de poder pode exacerbar o conflito político ameaçando a forma eleitoral (democrática) de geri-lo.

A existência de atores autoritários em esferas de poder potencialmente conduz a um desequilíbrio com ataques direcionados ao Poder responsável pela validação do resultado eleitoral, atacando a própria base mínima da democracia. O ciclo eleitoral brasileiro é um caso de choques induzidos pela presença de tais atores em um regime democrático. Assim como no caso estadunidense de 2020, a direção do desequilíbrio produzido vai de encontro ao Poder responsável pela validação do resultado eleitoral. No caso estadunidense, o próprio Poder aviltado, o Legislativo, tem se encarregado da resposta institucional aos ataques pós-eleitorais. Em um cenário de solidez institucional, seria esperado que no Brasil o Poder atacado seja também o responsável em produzir a resposta institucional a eventuais contestadores. Deve-se notar, nesta seara, que o Judiciário tem respondido aos ataques à Justiça Eleitoral e ao próprio Poder.

Ainda não seria possível classificar o cenário brasileiro atual como uma crise democrática. Os choques até agora experimentados poderiam desencadear uma crise em caso de eventual contestação do resultado eleitoral pelo grupo derrotado e na eventual incapacidade das instituições em garantir a troca no poder – este cenário não poderia ser antecipado pelas respostas institucionais produzidas até o momento.

A consolidação de uma possível crise, e passível de alerta, seria a adesão das Forças Armadas a uma possível contestação do resultado eleitoral, eventualmente impossibilitando a posse do eleito. O tensionamento do cenário e consolidação de uma possível crise se daria na contestação do resultado eleitoral legitimado pelo TSE. Em outros termos, a crise resultaria da insuficiente dos contrapesos institucionais da democracia brasileira em garantir a transição de poder por via eleitoral.

Ainda que a crise stricto sensu seja um cenário ainda não alcançado, não caberia ignorar o caráter novedoso destes choques e ameaças, que configuram em si um fator de alerta sobre o cálculo político na aceitação do resultado eleitoral, indicando uma percepção dos atores de relativa redução do custo de contestação.

Em 1954, após o resultado eleitoral, uma parcela das Forças Armadas ainda pretendia embarcar numa aventura golpista. O discurso pela reforma do método eleitoral tinha como expectativa que JK não cedesse ao novo método, de tal modo que o golpe estaria justificado. Aceita a reforma por Kubitschek, o Marechal Lott foi capaz de disciplinar os militares e garantir que as armas não se voltassem contra a democracia (OLIVEIRA, 2019).

Em 2022, teremos um Marechal Lott caso as Forças Armadas embarquem numa aventura golpista mesmo cientes da integridade do pleito? Os esforços do TSE para produzir adesão e aceitação do resultado eleitoral serão suficientes? Estes cenários não devem desenrolar-se antes da conclusão do ciclo eleitoral na medida em que o custo de denúncia do sistema e de ruptura com a expectativa de realização eleitoral continua elevado. Uma vez que eleições são fundamentais para sustentar uma democracia, quando o processo eleitoral está sob ameaça uma luz amarela se acende.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do Cedec.

Referências

DAHL, Robert Alan, Fernando Limongi, and Celso Paciornik. Poliarquia: participação e oposição. Edusp, 1997.

OLIVEIRA, Juliana de Souza. Governismo, cédula e voto: alternativas golpistas à crise política de 1954-1955. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, University of São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/D.8.2019.tde-13082019-134723. Acesso em: 2022-07-18.

OTAOLA, Miguel Angel Lara, and Miguel Angel. When, where and Under what Conditions are Election Results Accepted?: A Comparative Study of Electoral Integrity. Diss. University of Sussex, 2017.

LIMONGI, Fernando. “Eleições e democracia no Brasil: Victor Nunes Leal e a transição de 1945” in Dados, 55, pp.37-69, 2012.

LIMONGI, Fernando. “Fazendo eleitores e eleições: mobilização política e democracia no Brasil Pós-Estado Novo” in Dados, 58, 371-400, 2015.

KUBITSCHEK, Juscelino. Meu caminho para Brasília: a escalada política. Bloch Editores; 1976.

PRZEWORSKI, Adam., Shapiro, I. and Hacker-Cordon, C. A minimalist conception of democracy. Democracy’s value, pp.23-55., 1999.

PRZEWORSKI, Adam. “Acquiring the habit of changing governments through elections” in Comparative Political Studies. 2015 Jan;48(1):101-29.

PRZEWORSKI, Adam. Why bother with elections?. John Wiley & Sons, 2018.

PRZEWORSKI, Adam. Crises of democracy. Cambridge University Press, 2019.

PRZEWORSKI, Adam. “The US 2020 Election and Learning from History”. In. Studia Socjologiczno-Politycznem Seria Nowa, 14(1), pp.29-41, 2021.

SCHUMPETER, JJoseph. A. Capitalism, Socialism, and Democracy. University of Illinois at Urbana-Champaign’s Academy for Entrepreneurial Leadership Historical Research Reference in Entrepreneurship, 1942.

SKIDMORE, Thomas. Brasil de Getúlio a Castelo. Editora Paz e Terra, 1975.

Notas

[1] Agradecemos a leitura e os comentários de Fernando Limongi, Janina Onuki, Andréa Freitas e Tiago Borges e Danilo Medeiros. Naturalmente, as imprecisões analíticas são de inteira responsabilidade dos autores.

[2] Até 1954 as cédulas eram fornecidas previamente pelos partidos e o eleitor a depositava na cabine indevassável. Os udenistas desejavam uma reforma em que o eleitor pudesse escolher o candidato a partir de uma cédula única e oficial.

[3] Importante lembrar que apesar de nunca ter ganhado as eleições presidenciais, no contexto eleitoral de 1954, Juscelino Kubitschek era oposição ao governo. Em agosto de 1954, Getúlio Vargas se suicida e em seu lugar assume Café Filho que havia rompido publicamente com o PSD dias antes do suicídio. No governo Café, dois militares reconhecidamente antigetulistas e um centrista haviam angariado pastas no governo, por isso o governo Café Filho é considerado uma inversão das forças governantes. Essa inversão de forças também é reconhecida pela literatura como em Skidmore, 1972.

[4] Tendo em vista que, ao contrário de 1954, a parte contestadora não obteve sucesso na alteração do método de votação. O projeto de alteração do método de votação foi barrado ainda na esfera política do Legislativo, mas o Judiciário sinalizou amplamente que não haveria espaço para uma mudança desse teor.

[5] “Art. 1º Fica instituída a Comissão de Transparência das Eleições (CTE) com a finalidade de:

I – Ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições;

II – Aumentar a participação de especialistas, entidades da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral; e

III – Contribuir para resguardar a integridade do processo eleitoral.” (TSE, 2021, p.1)”

[6] PORTARIA TSE Nº 651 DE 13 DE JULHO DE 2022. <https://www.tse.jus.br/++theme++justica_eleitoral/pdfjs/web/viewer.html?file=https://www.tse.jus.br/comunicacao/arquivos/portaria-651-observadores-nacionais/@@download/file/Portaria%20TSE%20n%C2%BA%20651.pdf>

Bolsonaro repetiu, em encontro com embaixadores, diversas fake news já desmentidas em outras ocasiões e promoveu ataques pessoais a ministros do Supremo Tribunal Federal – Antonio Augusto/Ascom TSE

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