Fomentar a transição, mudar a agricultura e produzir alimentos saudáveis

Uma grande mudança de modelo tecnológico está em curso na agricultura. Agora é a questão biológica que embala profundas transformações

Por Mauricio Piccin*, no Sul 21 / MST

Uma grande mudança de modelo tecnológico está em curso na agricultura. Agora é a questão biológica que embala profundas transformações. Nessa mudança, a grande questão é se os agricultores continuarão reféns do pacote tecnológico da indústria, que achata as suas rendas, ou se trilharão caminhos de maior autonomia. Para isso, é preciso que as políticas públicas fomentem essa mudança para uma agricultura sustentável com bases agroecológicas para produzir alimentos mais saudáveis e nutritivos com maior autonomia tecnológica e menor risco para o (a) agricultor(a).

A informação de que a relação solo – planta é completamente mediada por micro-organismos e de que estes são elementos chave na solubilização e disponibilização de nutrientes no solo, possibilitando a manutenção e a reprodução da vida das plantas de forma saudável e produtiva, parece que somente agora está sendo melhor explicada e constatada de forma mais clara pela ciência oficial. 

Uma outra constatação que começa se desenhar na ciência oficial é que o uso de insumos químicos reduzem drasticamente a população de micro-organismos presentes nos solo, tornando o sistema produtivo dependente dos adubos solúveis e dos insumos químicos. 

Essas recentes confirmações acabam dando suporte a formação de uma nova tendência do jeito de conceber a agricultura. Cresce em meio aos agricultores e técnicos a visão de que é preciso fazer uma agricultura de processos e não apenas de insumos. De que é necessário fazer uma agricultura regenerativa, conservando o solo com plantas de cobertura, preservando e desenvolvendo a microbiota do solo e utilizando insumos biológicos. 

Antecipando isso, as grandes empresas transnacionais já estão reorientando os seus portfólios de produtos (insumos) e, tudo indica, que o pacote tecnológico só mudará de perfil, do químico para o biológico.

De outro lado, compreendendo esse mesmo movimento, uma parcela maior de agricultores estão adotando os princípios da agricultura sustentável, biológica e regenerativa em larga escala a partir de novas técnicas e tecnologias como saída para a crise econômica e ambiental do modelo de produção baseado nos agrotóxicos.

A grande questão que se coloca nesse cenário é se os agricultores, em especial os familiares, adotarão esse novo “modelo” de forma dependente, apenas substituindo o pacote tecnológico ou adotarão as práticas para construir uma agricultura de processos, com tecnologias e técnicas que lhes permitam mais autonomia e independência no processo produtivo mantendo a maior parte da renda dentro da porteira.

Para que os agricultores não caiam novamente no engodo do pacote tecnológico, agora biológico, que os mantém dependente tecnologicamente e economicamente às grandes empresas, as quais levam uma parcela significativa da sua renda, é necessário que haja fortes políticas públicas por parte dos governos (Federal, Estadual e Municipal). Estas políticas têm o papel de criar condições para que a agricultura de forma geral adote um processo de transição para uma agricultura mais sustentável e com bases agroecológicas, com uma profunda substituição de agrotóxicos e adubos solúveis pelos princípios da agricultura regenerativa e insumos biológicos produzidos pelos próprios agricultores. 

Nesse sentido, avalio ser urgente e necessário que os próximos governos coloquem os seguintes itens no debate sobre as políticas públicas para a agricultura:

Criar Programa de Bioinsumos a) Estimular a instalação de biofábricas nas propriedades e os sistemas de multiplicação de micro-organismos em comunidade; b) Difundir o conhecimento sobre os métodos de multiplicação de micro-organismos em comunidade para reverter rapidamente a degradação dos solos, como por exemplo, Micro-organismos Eficientes (EM); Soil Food Web (SFW), dentre outros; c) Viabilizar o acesso facilitado e de baixo custo dos agricultores familiares às cepas de micro-organismos para multiplicação “on farm”; d) Criar uma rede de laboratórios credenciados para o controle de qualidade dos bioinsumos produzidos de forma “on farm” de baixo custo para os agricultores familiares. 

Fomentar a pesquisa no tema da Agricultura Biológica, articulando instituições de pesquisa públicas e privadas.

Criar uma política que popularize o uso da homeopatia na agropecuária – formação massiva de homeopatas populares rurais.

Incentivo à produção de grãos não transgênicos e criar alternativas para a comercialização específica para este tipo de produção (não OGM e com manejo biológico e sustentável).

Realizar um massivo programa de formação de agricultores em Agricultura Biológica e Regenerativa tendo como público especial a juventude rural e as mulheres.

Implementar políticas de fomento financeiro da agricultura biológica e regenerativa: recursos para custeio e investimento com juros diferenciados (menores) para os que adotarem práticas regenerativas e produção de bioinsumos na propriedade.

Incentivo à pequenas empresas (redução de impostos) que desenvolvem tecnologias para a agricultura sustentável (biofábricas, meios de cultura, inóculos, implementos adaptados).

Estimular a produção e o uso do pó de rocha na agricultura, os chamados remineralizadores.

Ampliar o programa de troca-troca de sementes para sementes de plantas de cobertura.

Criar alternativas, em parceria com as organizações sociais, para compostagem dos resíduos orgânicos urbanos para retornarem como fertilizantes na agricultura.

Preparar as empresas de assistência técnica (EMBRAPA, EMATER e outras), com uma profunda formação do seu quadro de técnicos, para conduzir tecnicamente o processo de transição de modelo produtivo.

Com essas políticas o Estado estará criando as condições e os caminhos concretos para os agricultores realizarem a transição do modelo de uma agricultura baseada em insumos externos e na dependência com alto risco, para uma agricultura sustentável baseada em processos ecológicos, numa maior autonomia técnica e econômica com menor risco e, dessa forma, produzir alimentos mais saudáveis e nutritivos para alimentar o Brasil.

Agricultor em General Câmara (RS), formado em veterinária pela UFSM

Foto: Guilherme Santos/Sul21

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