Covid: o Nordeste é o que o Brasil poderia ter sido

Mais de 200 mil vidas teriam sido salvas se o país tivesse o mesmo desempenho dos nove estados da região. Sérgio Rezende, ex-ministro de C&T e coordenador do comitê científico que orientou os governadores, reflete sobre os motivos

Por Gabriela Leite, em Outra Saúde

Atenção à ciência e desprezo pelas recomendações de Bolsonaro. Essas são as duas principais razões elencadas por Sérgio Machado Rezende para o relativo – mas expressivo – sucesso do Nordeste em evitar mortes por covid durante os dois anos e meio de pandemia. A região tem o menor IDH e o segundo menor PIB per capita do país, mas contabilizou 40% óbitos a menos, na pandemia, que São Paulo – estado mais rico do país.

Rezende, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula, entre 2005 e 2010. Em março de 2020, um mês após o início da pandemia, foi chamado para coordenar, junto do cientista Miguel Nicolelis, o Comitê Científico do Combate ao Coronavírus (C4) do Consórcio Nordeste. Criado em 2019 após ataques de Bolsonaro aos governadores da região, o Consórcio reúne os nove estados em busca de integração política e desenvolvimento econômico.

Desde as primeiras semanas da crise sanitária que atingia o Brasil, o Nordeste agiu de maneira diametralmente oposta ao governo federal, explica Rezende, em entrevista ao Outra Saúde. O C4 formou nove subcomitês científicos para compreender a pandemia de vários pontos de vista: epidemiológico, virológico, de políticas públicas, de vacinação, entre outros. Foram lançados 25 boletins de recomendações para orientar os governadores – sempre utilizando argumentação científica para defender medidas de contenção ao vírus. No primeiro boletim, o comitê já indicava enfaticamente o isolamento social, ações de apoio material aos mais necessitados e monitoramento da situação epidemiológica.

Os boletins subsequentes recomendavam o uso de máscaras e distanciamento social, e incluíam pesquisas que mostravam como medicamentos como a hidroxicloroquina eram ineficazes para o tratamento. De fato, o extremo oposto do que o governo Bolsonaro propagava. E os governadores agiram de acordo, afirma Rezende, na medida do possível com os recursos disponíveis.

Um exemplo surpreendente é o Maranhão: tem a menor porcentagem de mortes por covid do país. São 155,3 por 100 mil – índice menor que países como a Suíça e a Alemanha. O estado fez o primeiro lockdown do país, obrigando o fechamento de todos os serviços não-essenciais. Investiu em testagem e na construção de hospitais, para fortalecer a rede – ao invés de optar por hospitais de campanha, temporários. Isso no estado com o menor PIB per capita do Brasil e onde 57,9% da população vive na pobreza, com menos de R$ 497 por mês.

Mas todos os estados do Nordeste têm um número proporcional de mortes menor que a média do país, que é de 325,4 por 100 mil habitantes. A média nordestina é de 230,8 por 100 mil. Os números, ainda assim, são altos e bastante acima da média mundial, mas se o Brasil tivesse seguido o exemplo da região, mais de 200 mil mortes poderiam ter sido evitadas. Entre os dez estados mais vacinados do país, cinco são nordestinos. Piauí, Ceará e Paraíba só perdem para São Paulo na adesão à campanha de imunização.

Há ainda outro fator bastante intrigante para explicar as vidas que foram poupadas nos estados do Nordeste: sua baixíssima adesão ao bolsonarismo. Rezende, autor da tabela acima, encontrou uma forte correlação entre a porcentagem de votos em Bolsonaro, em 2018, e o número de mortes em cada estado. De fato, a clareza visual espanta.

O ‘Homem da Meia Noite’, símbolo do carnaval pernambucano, passeando sozinho pelas ladeiras de Olinda, 2021. Foto: Ivanildo Machado

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