Direitos em cena – Mário Wallace Simonsen: A vítima menosprezada

Documentário resgata a trajetória do empresário que foi perseguido pela ditadura militar

Um gestor dinâmico, definido por seus contemporâneos como um capitalista que amava o Brasil. Um empreendedor que trafegou em diferentes setores: aviação, bancos, café, jornalismo, supermercados e até televisão. Ele comandava um conglomerado de mais de trinta empresas. Fora do campo profissional, esse senhor era um autêntico galã: cabelos impecavelmente engomados, alto e olhos azuis. Mesmo assim, ele combinava um estilo reservado e afável com todos.

Este ilustre personagem tinha tudo para viver seus últimos anos de vida em grande estilo. Era querido por diversas pessoas da alta sociedade. Mas sua vida profissional desmoronou rapidamente. Tanto que ele veio a morrer jovem para os dias de hoje, com apenas 56 anos, vítima de uma perseguição. Um encalço realizado pela ditadura militar (1964-85) que comandava o Brasil. “Pelo que nos contaram todos os entrevistados e interpretando os fatos eu acho que esses eventos de acossamento colaboraram num quadro depressivo e agravaram bastante o estado de saúde dele”, admite o cineasta Ricardo Pinto e Silva.

Este não era um personagem fácil, mas o realizador percebeu que se tratava de uma história que tinha que ser contada e mais conhecida pelo grande público. “A minha experiência com cinema era eminentemente em filmes de ficção. Então, o que me moveu para o gênero documentário foi a história do Simonsen. Achei que o formato de não-ficção era mais apropriado por ser mais rápido e fácil. Me iludi completamente”, admite o diretor.

A ideia de fazer um longa-metragem sobre o empresário Mário Wallace Simonsen (1909-1965) surgiu em 1996. Mas a produção só começou em 2012. A edição terminou três anos depois. Ricardo Pinto e Silva ficou aguardando condições de comercializar o filme. Mas veio a pandemia de Covid-19 e só agora o diretor acabou de lançar o longa no cinema comercial. Dessa maneira, o documentário ficou praticamente inédito. “Tivemos uma repercussão excelente em todos os festivais onde a gente passou: Festival do Rio, Festival Telas de São Paulo e na Mostra Imagens dos Povos em Belo Horizonte. É importante tentar uma circulação maior”.

Mário Wallace Simonsen, entre a Memória e a História é um retrato bastante meticuloso sobre um homem e sua época. São quase duas horas de uma obra cinematográfica enxuta que traz uma reconstituição histórica rigorosa sobre um personagem obscuro dos livros de história. “Era um tema difícil”, reconhece Ricardo. Ele afirma que a duração mesmo extensa era pequena para dar conta de um personagem tão rico. Ricardo Pinto e Silva percebeu que o essencial era contar parte da trajetória do personagem com ritmo, interesse e profundidade no tema.

Ao mesmo tempo que fazia o longa-metragem, ele fazia uma montagem de uma série sobre Simonsen que ainda pode ser exibida na televisão. “Eu achava que para esse formato poderia funcionar cinco episódios de 25 minutos. Então, eu tenho uma montagem mais extensa com mais detalhes em cada um dos temas abordados, mas faltaram recursos para fazer a finalização em alta resolução da série”.

Mário Wallace Simonsen nasceu em Santos, litoral sul de São Paulo, em 1909. Sua família já tinha negócios no setor cafeeiro. “O Simonsen foi um dos principais exportadores brasileiros de café através da Comal (Companhia Comercial Paulista de Café). Ele estabeleceu uma grande malha para exportação para áreas como no leste europeu.”

Ao longo do filme, vamos percebendo as diferentes áreas em que Simonsen vai se aventurando. Todas com inegável êxito. Uma iniciativa pioneira dele foi o “Sirva-se”, primeiro supermercado do Brasil que inaugurou suas primeiras duas lojas na capital paulista em 1953.

Dez anos depois, o mesmo dirigente criou o jornal diário “A Nação”. Já Banco Noroeste foi uma instituição bancária que buscava ampliar suas atuações no interior de São Paulo. “A verdade é que ele era um perfeccionista e não queria coisa pequena”, conta Ricardo Pinto e Silva.

Mas Mário Wallace Simonsen sempre será mais lembrado por dois de seus empreendimentos: a TV Excelsior e a empresa aérea Panair do Brasil. A emissora foi a primeira a criar uma telenovela diária no Brasil, com uma programação que mesclava qualidade e popularidade. Foram dez anos no ar. Já a Panair foi nacionalizada em uma associação entre Simonsen e o também empresário Rocha Miranda. “Ambos compraram cotas iguais, nacionalizaram a Panair e fizeram dela uma empresa de excelência. Era quase um sinônimo do Brasil pelo mundo afora”, ressalta Pinto e Silva.

O diretor destaca que a empresa era a única empresa brasileira do setor que tinha linhas autossustentáveis e lucrativas. A Panair conseguia operar com voos regulares para a Europa e Estados Unidos. Tanto a Excelsior como a Panair acabaram sendo prejudicadas e perseguidas pela ditadura militar. “Os militares tinham uma percepção que o Mário Wallace Simonsen teria se colocado contrário à ditadura. Ele tinha uma televisão que não deu espaço para os políticos ligados aos milicos e existiam rumores de que a Panair forneceu um avião para trazer o presidente João Goulart da China após a renúncia de Jânio Quadros.”

A hostilidade da ditadura militar com Simonsen e seu conglomerado desaguou na chamada CPI do Café. O banqueiro, empresário e político Herbert Levy (1911-2002) foi o principal apoiador desta comissão. “Eles eram adversários políticos e comerciais”, revela Ricardo Pinto e Silva. Mesmo assim, o documentário procurou escutar os dois filhos de Levy. “Queríamos dar uma segunda perspectiva sobre os mesmos episódios e fatos históricos. Os dois concordaram em dar depoimentos com alguma reserva porque eram assuntos incômodos do ponto de vista pessoal e familiar”, afirma o diretor.

Com o tempo, a CPI do Café não provou nada contra Simonsen. Para contar toda essa história, Ricardo Pinto e Silva contou com o apoio de alguns colaboradores como do jornalista e roteirista Daniel Leb Sasaki, autor do livro Pouso Forçado, sobre a Panair do Brasil.

Simonsen era um empresário muito conhecido. Dessa maneira, não é de se estranhar o extenso número de entrevistados ao longo dos 110 minutos de Mário Wallace Simonsen, entre a Memória e a História. São pessoas que conheceram o empreendedor de perto como o advogado Saulo Ramos, o empresário Ricardo Amaral, o jornalista Jânio de Freitas, a filha Marylou Simonsen, o fotógrafo Luiz Carlos Barreto, o diretor de televisão José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni e até atores como Glória Menezes e Tarcísio Meira, que começaram a namorar quando fizeram a novela “2-5499 Ocupado” na Excelsior.

Historiadores e jornalistas ajudam a dar uma visão mais histórica para os fatos contados ao longo da narrativa. “Eu conheço poucos empresários que tenham sido diretamente prejudicados pela ditadura militar. A gigantesca maioria dos empresários brasileiros apoiou o golpe de 1964 e se beneficiaram. O filme conta esse contraponto”.

Mário Wallace Simonsen, entre a Memória e a História
Direção: Ricardo Pinto e Silva
Rio de Janeiro/São Paulo, Brasil, 2021
Duração: 110 minutos
Onde assistir: Now

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