A Guarani Kaiowá Ariane, de apenas 13 anos, foi brutalmente assassinada; no dia em que seu corpo foi encontrado, Cleiton, de 15 anos, cometeu suicídio
Por Cimi, Regional Mato Grosso do Sul
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul lamenta de forma profunda e pesarosa o destino dos dois jovens Guarani-Kaiowá: a Ariane Oliveira Canteiro, de 13 anos, e Cleiton Isnard Daniel, 15 anos, cujas vidas foram interrompidas muito cedo e de modo cruel. Ariane foi assassinada e Cleiton teria cometido suicídio.
Ariane havia desaparecido no sábado, 3 de setembro. Seu corpo foi encontrado oito dias depois, 11 de setembro, em uma propriedade próxima à reserva onde morava na aldeia Jaguapiru, uma das que formam a Reserva Indígena de Dourados (MS), após um mutirão de buscas feito por familiares, indígenas e policiais militares. Ela é neta do Nhanderu (rezador) Getúlio Oliveira, membro da Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – e que tem sofrido com ameaças há pelo menos um ano.
No mesmo dia em que o corpo de Ariane foi encontrado, o jovem Kaiowá, Cleiton, foi encontrado por familiares e teria cometido suicídio. Ambos foram sepultados no mesmo dia na aldeia Jaguapiru.
Aos familiares e amigos de Ariane e Cleiton, prestamos nossos mais sinceros sentimentos e condolências. Desejamos que, para além da dor inimaginável que estão sentindo, encontrem força e solidez junto a Nhanderu Guasu, nosso Nhande Jara.
Desejamos com todo nosso coração que nenhum pai ou mãe venham viver semelhante drama, nem hoje, nem amanhã, jamais. Sabemos, no entanto, que na contramão do que desejamos, as medidas de reparação histórica não foram adotadas pelo Estado. As probabilidades infelizmente apontam para o rumo contrário, com mais vidas inocentes impactando números estatísticos e estampando jornais e programas televisivos.
Não ousaremos nesta carta fazer política com tão delicada situação. Qualquer oportunismo de ocasião seria a mais pura crueldade. Porém, é por força de compromisso com a vida de tantos outros jovens e crianças, como Ariane e Raissa, assassinada em condições igualmente brutais no ano passado, que precisamos dizer que se a vida destes pequenos tem sido tão curta, a raiz das violações e das causas estruturais deste mar de violência já é uma estrada longa e conhecida há décadas.
As estatísticas históricas ligadas ao crime de Estado manifesto no ato de criação das Reservas Indígenas, no Mato Grosso do Sul, permitem dizer que até mesmo crimes atrozes como infelizmente temos testemunhado são situações anunciadas e que, sim, poderiam ser evitadas.
Crimes de natureza hedionda ou feminicídios, como os que envolvem crianças, e até mesmo o suicído de jovens, infelizmente são situações que estão espalhadas por toda extensão de nossa sociedade, mas, como ocorre com a Reserva de Dourados, podem também ser produzidos ou pelo menos potencializados.
É triste saber que o assassinato, no caso de Ariane, foi cometido por um jovem indígena que, no auge de seus 17 anos, poderia estar vivendo sonhos e projetando sua vida, como é permitido a pelo menos uma boa porcentagem dos jovens quando estes não são indígenas, negros ou periféricos. Após ter confessado o crime, agora nas mãos do sistema de justiça branco, sabe-se lá o que lhe aguarda. Por uma ou outra via, são destinos despedaçados, futuros interrompidos.
Faz-se necessário discutir à sério, fora de perspectivas apenas criminalizantes, mas sim com a coordenação dos indígenas, sob a orientação de suas formas de conhecimento e cultura, maneiras de combater males estruturantes. Tanto no que diz respeito ao racismo quanto às faltas de perspectiva causadas pela estrutura e pelo abandono das Reservas no estado, para compreender quais impactos causam, em especial sobre sua juventude indígena.
É preciso disposição, carinho e caridade, e é necessário estarmos dispostos a discutir a problemática da realidade indígena nas Reservas, mesmo que as soluções apontem para a contramão da lógica do Estado ruralista. Para que haja a devolução das terras que tradicionalmente têm sido de ocupação dos povos indígenas, para que famílias como de seu Getúlio e Alda, que jamais deixaram de sonhar com seu tekoha, na qual talvez o futuro de Ariane poderia ter sido diferente.
Quem conhece pelo menos um pouco a realidade indígena sabe o que a futura geração significa aos povos. Para além da inversão perversa do rito, onde filhos deveriam enterrar pais e jamais o contrário, violações contra suas crianças e juventude ferem para além dos corações, a alma e o âmago de toda sua cultura.
O que está ocorrendo não é natural, nem tão pouco se explica em si: é o descaminho cabal de um povo que hoje vive sem condições de fazer florescer outros valores, vistos e testemunhados por nós missionários e missionárias em outros espaços e territórios.
Para este momento, de profunda dor, no qual parece que tudo se afoga, só nos resta ofertar nosso mais quente abraço para a família das vítimas. Dizer que estamos a serviço do que necessitarem e que lutaremos para que esta violência seja superada. Esperamos, em relação aos pequenos, que ao invés de estarmos indo levar solidariedade em seus precoces funerais, possamos encontrá-los adultos, felizes em seus territórios, celebrando a cultura e o futuro dos quais são sementes no hoje.
Campo Grande, 13 de setembro de 2022.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Regional Mato Grosso do Sul
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Imagem: Povo Guarani Kaiowá / Divulgação
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Trajber.