Lula, Marina e o meio ambiente: o possível resgate da agenda ambiental

Por Paulo Kliass, em Outras Palavras

A tragédia representada pelo governo Bolsonaro atinge proporções tão graves quanto amplas em nossa sociedade. Ao longo dos quase quatro anos em que o ex-capitão tem ocupado a Presidência da República, os desastres puderam ser verificados no meio ambiente, na educação, na saúde, na tentativa de privatização generalizada, na previdência social, na agenda de direitos humanos, no isolamento diplomático do Brasil pelo mundo afora, nos programas de assistência social, entre tantas outras notícias negativas.

A maioria dos analistas e dos políticos é unânime em apontar para as dificuldades de se implementar uma pauta de reconstrução nacional mirando nos aspectos do desenvolvimento, tamanho tem sido o estrago perpetrado pelo governo que está sendo julgado negativamente nas pesquisas de opinião e reprovado nas consultas de intenção de voto. As razões para esse descontentamento vão desde as imagens das queimadas estimuladas pelos grupos que operam em torno do governo até os quase 700 mil mortos pela covid-19, mas elas têm sido acentuadas sobretudo pelo agravamento da crise econômica, pelo desemprego avassalador e pelo retorno da inflação de dois dígitos.

Frente a esse quadro terrível de destruição do Estado e do desmonte das políticas públicas de forma generalizada, ganha destaque a questão ambiental. O empenho com que Bolsonaro se dedicou a fazer terra arrasada do meio ambiente e da agenda ecológica ganhou espaço dentro e fora do Brasil. A importância exercida pelo país de dimensões continentais, que contém parcela expressiva das reservas de água na Terra e que abriga a maior parte do bioma amazônico, exige também respostas urgentes e adequadas para o movimento global de preservação do planeta.

Meio ambiente no centro da agenda

A questão é complexa, assim como é pesado o jogo de interesses múltiplos envolvidos no debate e na busca de possíveis soluções. De qualquer forma, o que se sabe é que a postura destruidora de Bolsonaro precisa ser interrompida o mais rapidamente possível. Ele consegue a impressionante façanha de ser negativo em todas as dimensões dessa matéria multidisciplinar. Seu governo atua contra os mecanismos e órgãos públicos de regulação de tais assuntos. Seus ministros favorecem os interesses do agronegócio mais nocivo e predador, liberando o desmatamento ilegal, o uso de defensivos venenosos e a aplicação de transgênicos prejudiciais à saúde. Bolsonaro se envolve pessoalmente na defesa de práticas como o garimpo ilegal, a negociação clandestina de madeira e o genocídio de indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais.

Isso significa que qualquer projeto de retomada do caminho do desenvolvimento nacional precisa incorporar a dimensão ambiental. Não basta apenas o enfoque centrado exclusivamente no econômico e no social, como sempre se fez até o presente momento. O assunto é sensível e implica mudanças importantes na forma como a nossa sociedade deveria encarar as alternativas para o curto prazo, bem como as opções de futuro. Estão aí definições estratégicas, tais como:

  • a ampliação das fontes de energia não fóssil;
  • o uso que se pretende fazer das reservas do pré-sal;
  • a regulação da aplicação de agrotóxicos e transgênicos;
  • o controle do poder do agronegócio;
  • a contenção do avanço do desmatamento que compromete o equilíbrio ecológico nacional e planetário;
  • a preservação de biomas ameaçados;
  • a necessária mudança na matriz de transportes, tornando-a mais sustentável;
  • as mudanças no processo produtivo, penalizando os processos que comprometem o meio ambiente e estimulando as reconversões para processo ditos “limpos”;
  • avanço na dimensão educacional e cultural em questões como o consumismo, o destino de lixo e resíduos, a reciclagem, a reutilização e demais “erres” do comportamento preservacionista.

Lula e Marina: um gol de placa

Para dar conta de tal tarefa hercúlea, o primeiro ponto seria o reconhecimento de que algo precisa ser feito nesta direção. Assim, o recente encontro público entre Lula e Marina foi um acontecimento que traz consequências que vão muito além do simbólico e do eleitoral. Do ponto de vista da disputa contra Bolsonaro, sem dúvida foi um gol de placa da campanha do ex-presidente. O apoio explícito e inquestionável de uma das maiores lideranças do campo ambiental vem se somar à participação de seu partido, a Rede, no interior da federação com o PSOL e que participa da coligação que apoia Lula desde o registro das candidaturas. A pouco menos de três semanas do primeiro turno, as imagens das duas lideranças e as declarações de Marina de que seu candidato é Lula podem contribuir para selar a parada presidencial já na apuração do dia 2 de outubro.

Mas a reunião pode significar também alguma forma de participação da quase certamente futura deputada federal por São Paulo em eventual governo federal a partir de janeiro do ano que vem. Não se trata de mera repetição da relação anterior, quando ela ocupou o cargo de Ministra do Meio Ambiente por mais de cinco anos, durante os dois mandatos de Lula (2003 a 2008). No primeiro caso, tratava-se da indicação de uma militante do PT bastante envolvida com a causa ambiental para ocupar o posto. Agora, o acordo envolve a aproximação do futuro presidente com uma agremiação partidária que tem no meio ambiente seu principal ponto programático. Assim, a eventual presença, direta ou indireta, de Marina na equipe ganharia uma outra dimensão.

Durante o encontro, ela apresentou a Lula um conjunto de reivindicações e sugestões envolvendo a pauta ambiental, tornando públicas as suas propostas e preocupações. Trata-se do documento “Compromissos de resgate da agenda socioambiental brasileira perdida”, onde são elencados 26 pontos como contribuição de Marina para o futuro governo. O texto consolida proposições a respeito do tema, apresentando uma abordagem ampla e integrada da questão ambiental em toda a sua complexidade.

Assim, ali estão presentes itens bastante conhecidos do assunto, a exemplo da necessidade de maior controle sobre o desmatamento e o uso de agrotóxicos, mas também sugestões específicas, como a criação de uma autoridade nacional de segurança climática e o destaque para a urgência de universalização do saneamento básico para toda a população. O documento também aponta para a necessidade de fortalecimento das instituições públicas federais já existentes como ICM-Bio e o IBAMA, e sugere a implementação do Cadastro Ambiental Rural até 2025.

Enfim, tudo indica que a aproximação entre Lula e Marina deveria se manter para depois das eleições. Como ambos afirmaram no evento em que a aliança se consolidou, a emergência da questão democrática e civilizatória contribuiu para acelerar a atuação conjunta nesse momento. No entanto, o amadurecimento político dos campos que as duas lideranças representam observado ao longo dos últimos anos talvez permita uma colaboração de maior fôlego, que torne possível a efetiva incorporação da agenda ambiental no programa e na prática de um governo progressista e desenvolvimentista.

– Mestre em Economia pela USP e doutor pela UFR – Sciences Économiques – Université de Paris 10 e pós doutorado em economia na Université de Paris 13. Integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

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