Mapa interativo reúne 128 candidaturas de indígenas, quilombolas e camponeses

Povos do campo se organizaram para lançar nomes em todo Brasil e representar comunidades, biomas, tradições e culturas sem espaço na política; chapas propõem mais diversidade em oposição a um congresso “homem, branco e mais velho”

Por Nanci Pittelkow e Luma Prado, em De Olho nos Ruralistas

Para facilitar a busca e a escolha dos eleitores que querem proteger os biomas e os povos do campo, das florestas e das águas — e que lutam por comida de verdade no prato, e para todos — o De Olho nos Ruralistas fez uma ampla pesquisa e reuniu candidaturas de indígenas, camponeses e quilombolas de todo o Brasil em um mapa interativo.

Os critérios de seleção são as candidatas e candidatos estarem alinhados aos movimentos quilombola, indígena e campesino. Serem de partidos progressistas, ou pelo menos não alinhados com o campo bolsonarista, como PT, PSOL, PSB, PCdoB, PCB, PSTU, Rede, PDT, UP, PV, PCO. Ou estarem em partidos alinhados com candidatos progressistas nacional ou regionalmente, observando-se as composições locais.

O mapa conta com 128 candidaturas individuais ou coletivas, por estado, e traz nome, número de chapa, pequena descrição e link para página ou rede social do candidato, sempre que disponível.

POR QUE VOTAR EM QUILOMBOLAS, INDÍGENAS E CAMPONESES

Ainda que a população brasileira seja composta por 56% de pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Congresso apenas 17,8% dos parlamentares são negros. Este observatório identificou ao menos 24 candidaturas de quilombolas em 16 estados. O estado com mais chapas é o Maranhão, com quatro. Entre as individuais, duas são de homens e doze são de mulheres, uma trans entre elas, e todas as coletivas incluem mulheres. De acordo com a Fundação Palmares, o país soma 6 mil quilombos; 1.700 estão em processo de titulação e apenas 154 possuem reconhecimento formal de suas terras.

Os indígenas foram as maiores vítimas durante a ditadura, contabilizando mais de 8 mil mortos, conforme já tratado na série De Olho na História. Durante o governo Bolsonaro, a situação que já não era favorável para os povos da floresta piorou muito, com invasões, exploração ilegal e assassinatos. Em reportagem recente, Mariana Franco Ramos cobriu para este observatório mais um protesto indígena contra a violência, em Brasília.

Por isso, mais do que nunca, mulheres e homens originários querem aldear a política. Entre 182 candidatos que se autodeclararam indígenas no pleito deste ano, a equipe do De Olho nos Ruralistas levantou pelo menos 62 chapas alinhadas ao movimento indígena e a partidos ou coligações progressistas. São candidaturas das cinco regiões, que defendem a Amazônia, a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga, em 24 estados; oito são de Roraima.

Para completar o mapa, somam-se candidaturas sem-terra, ribeirinhas, pescadoras e de populações tradicionais, que defendem reforma agrária, direito à terra, direitos humanos e políticas de incentivo à agroecologia, todas elas no universo do campesinato.

São pelo menos 42 candidaturas camponesas, reunindo homens e mulheres de todas as regiões do Brasil, em 18 estados e no Distrito Federal. O Pará, com longo histórico de violência no campo, como o massacre de Eldorado do Carajás, reúne mais candidaturas, cinco.

Os programas da série eleitoral do De Olho na Resistência detalharam as propostas de indígenas, quilombolas e camponeses em três programas especiais. Mais três vídeos abordam essas candidaturas, aliadas a ambientalistas, representantes da agroecologia e acadêmicos, que falam da necessidade de criar políticas públicas em defesa da segurança alimentar e comida de verdade, defesa do ambiente, combate às mudanças climáticas e combate à violência no campo.

O próximo programa tratará de diversidade e representatividade, escassas nos espaços políticos no Brasil desde o início da República.

CANDIDATURAS PROTEGEM AMBIENTE E QUEM PRODUZ COMIDA DE VERDADE

“Por que é importante ter um camponês?”, pergunta o professor Rafael Chapéu de Couro, candidato a deputado estadual pelo PT na Paraíba. “Só quem sabe a dor da gente saberá nos dar valor”, afirma. “A gente luta diariamente contra o agronegócio, contra o capitalismo, que vem desenfreado trazendo doenças, enfermidades, alimentos com venenos”. Ele lembra que os camponeses conhecem os desafios em relação à infraestrutura, comercialização e produção ecológica sem uso de venenos.

As comunidades camponesas conhecem de perto a força do capital. “Por um lado, são os plantadores de soja, do outro lado, a Suzano”, descreve Vânia Ferreira, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e candidata a deputada federal pelo PT no Maranhão. “A pecuária de outro lado, as barragens de outro lado”. Ela ressalta que a atuação política dos camponeses vai além da institucionalidade. “Produzir alimentos saudáveis é um ato político, assim como defender a saúde pública de qualidade, a democratização do acesso à terra, o direito ao trabalho, ao lazer, ao esporte”.

Diante da falta de representatividade e políticas públicas, os povos se organizaram. “Logo que Bolsonaro assumiu, ele transformou a violência contra os indígenas numa política, como não demarcar terras indígenas”, diz Sônia Guajajara, candidata a deputada federal pelo PSOL em São Paulo. Sobre ocupar a política, ela diz: “Precisamos ter condições para poder fazer a gestão e fortalecer as iniciativas próprias de cada povo”.

“Aquilombar é fortalecer as nossas lutas, é unificar, é juntar, é dar as mãos”, explica José Carlos Galiza, quilombola e co-candidato a deputado federal pelo PSOL no Pará. Galiza ressalta o momento de abandono da população negra e especialmente a quilombola, que sempre esteve à margem das decisões de governo e sem nenhuma atenção do poder público. “Eu sempre falo que a gente veio sequestrado da África, numa condição sub-humana e parece que até hoje a gente ainda vive nessa condição”. Para o cabeça da chapa, participar das eleições é ocupar e reconstruir os espaços de poder e decisão.

EMPRESÁRIOS E RURALISTAS TÊM REPRESENTAÇÃO DESPROPORCIONAL NO CONGRESSO

A organização dos povos do campo é uma resposta à falta de diversidade e representatividade em todas as instâncias políticas. A representação feminina na câmara, de 15%, fica bem distante do índice de 51,5% de mulheres que representam a maioria da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os negros também não estão representados com equilíbrio. São 125 deputados que se autodeclaram negros, entre 513. Segundo dados do IBGE, a população brasileira é formada por 56% de negros.

Diante de dados que dão conta de que 70% da população ganha até dois salários-mínimos, a representação de quem detém o poder econômico aparece em flagrante contraste: entre os deputados eleitos em 2018, há 108 empresários e 280 fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Foto principal (Victor Moreira/De Olho nos Ruralistas): mulheres durante a Marcha das Margaridas, em Brasília

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