Quanto custa a desassistência aos atingidos do litoral norte nos últimos sete anos?

Governo do ES, Ministérios e Defensorias Públicas peticionam bloqueio de R$ 10 bilhões da Vale e BHP à 12ª Vara

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

A total desassistência aos atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale-BHP no litoral norte capixaba persiste há quase sete anos e iniciar essa reparação é o objetivo da petição feita ao juízo da 12ª Vara Federal pelo governo do Espírito Santo, Defensorias e Ministérios Públicos da União e dos dois estados.

O valor, de R$ 10,34 bilhões, deve ser bloqueado das contas da Vale e da BHP Billiton, para implementar as medidas de reparação e compensação em curso pela Fundação Renova nas demais regiões atingidas.

A ampliação da área reconhecida pela entidade foi determinada pelo Comitê Interfederativo (CIF) desde 2017, por meio da Deliberação nº 58. De toda a área entre Nova Almeida, na Serra, até Conceição da Barra, na divisa com a Bahia, somente as comunidades de Linhares são atendidas. Somente entre São Mateus e Serra, são 21. As sanções aplicas pelo CIF em função do descumprimento também foram igualmente ignoradas.

“Não podemos, após sete anos, nos contentar que a determinação judicial isolada de que cumpra a Deliberação nº 58/2017 surta efeito. Isso tem que ser somado ao depósito judicial de montante que possa ser usado para reparação/compensação de danos na área litorânea (isso no que toca a danos difusos, coletivos e individuais), somente movimentado por autorização judicial”, justificam os autores.

“Ao longo dos anos, as empresas e a Fundação Renova simplesmente desconsideraram os municípios litorâneos de seus programas. Passados sete anos do rompimento da Barragem de Fundão, a área costeira/litorânea nunca foi atendida por ações de recuperação. Pode-se usar de maneira enfática a palavra ‘nunca’, porque pode até ser que em um ou outro programa específico tenha ocorrido alguma ação pontual em município litorâneo, mas essa ação foi esparsa e não é digna de nota dentro do cenário que o desastre acometeu no Espírito Santo e diante da omissão das empresas e da Fundação Renova”, afirmam.

O bloqueio deverá ser feito nas contas da Vale e da BHP, e não da Samarco, considerando que esta se encontra em recuperação judicial e que suas mantenedoras, respectivamente maior e segunda maior mineradoras do mundo, além de possuírem capital suficiente para arcar com os custos da reparação e compensação ambiental, ao firmarem o TTAC, reconheceram sua obrigação solidária de custear com as obrigações advindas do desastre.

Para o procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral, não é mais possível admitir a procrastinação que as empresas vêm provocando até agora, no sentido de cumprir, efetivamente, com o que foi estabelecido no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2016. “Já se passaram sete anos do desastre e o que se percebe é que as empresas pouco ou quase nada fizeram. Não é admissível que empresas do porte da Vale e BHP, que distribuem lucros de aproximadamente R$ 100 bilhões anualmente a seus acionistas, se neguem prover a reparação do mal que causaram”, salientou.

Danos comprovados

“É importante lembrar que, conforme nota técnica expedida pelo ICMBio, em conjunto com o Projeto Tamar, a visualização por sobrevoo e de imagens de satélite mostraram que a pluma sedimentar atingiu com diferentes intensidades e concentrações toda a região costeira do Espírito Santo, sendo que a área compreendida entre o município de Serra e a divisa com o estado da Bahia foi a mais atingida, pela presença frequente da mesma”, pontuou o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.

A partir dessa identificação territorial, a petição cita diversos estudos realizados nas áreas estuarina, costeira e marinha, que apontaram os graves danos, associados e decorrentes direta e indiretamente do rompimento de Fundão.

Entre eles, o da Lactec, em 2020, que identificou concentrações significativas de Arsênio (As3+ e As5+) e Mercúrio (MeHg) em grande parte das amostras de água e solo avaliadas e subsidiou a decisão do juiz federal de Linhares, Wellington Lopes da Silva, de manter a proibição da pesca em parte do litoral atingido, entre Barra do Riacho, em Aracruz, e Degredo/Piranguinha, em Linhares.

Segundo o relatório, de modo geral, todos os pontos amostrais avaliados apresentaram contaminação, porém, os pontos que apresentaram maior incidência de contaminantes foram os colhidos em Santa Cruz/Aracruz – foz do Piraquê-Açu; no estuário do Rio Doce; na porção marinha da foz do Rio Doce; em Pontal do Ipiranga e em Guriri, dentre os quais, os pontos Santa Cruz/Aracruz – foz do Piraquê-Açu, Pontal do Ipiranga e Guriri.

Em outro estudo, a Rede Rio Doce Mar (RRDM), formada por dezenas de universidades e institutos de pesquisa federais, explicou que “o conjunto de alterações observadas nos organismos do Baixo Rio Doce sugere que a passagem do rejeito de minério impactou uma condição de habitat fragmentado na calha do rio e em relação aos seus afluentes. No caso dos Ambientes Costeiro e Marinho, também existe o reflexo do que acontece na bacia hidrográfica como um todo.”

O mais recente foi produzido pelo perito oficial do caso, a Aecom do Brasil. publicado no final de agosto, que comprovou a insegurança no consumo do pescado oriundo tanto do ambiente dulcíola (água doce) quanto estuarino (foz do Rio Doce) e marinho (incluindo a região pleiteada para expansão no litoral norte).

Na última quarta-feira (21), com base no relatório da Aecom, o juiz substituto da 12ª Vara Federal, Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, intimou o CIF, bem como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que preside o CIF, e a Advocacia Geral da União (AGU), para que, “juntamente com os entes públicos federais, estaduais e municipais pertinentes (…), proceda à adoção das medidas adequadas, com as devidas interlocuções com os órgãos ambientais e sanitários pertinentes“.

O subsecretário da Casa Civil do Estado, Ricardo Iannotti, destacou ainda que agora há um fato novo: a perícia da Justiça Federal referente à contaminação do pescado no litoral norte capixaba, exatamente na região da Deliberação 58 do Comitê Interfederativo (CIF), que aponta altos índices de mercúrio e arsênio para o consumo humano. “O novo estudo demonstra que o bioma marinho norte do Espírito Santo está contaminado e já há espécies em deformação. Essa perícia vem confirmar tudo o que o Estado já conhecia por meio de pesquisas técnicas, apresentadas às empresas Vale, BHP e Samarco e à Fundação Renova, que sempre negaram a contaminação”, acrescentou.

Segundo a petição, diante do imbróglio artificial gerado pelas empresas para furtarem-se de suas obrigações reparatórias nos municípios da região costeira do Espírito Santo, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou amplo estudo, que demonstrou com clareza os diversos impactos e danos sofridos na região costeira adjacente e suas correlações com o rompimento da barragem de Fundão.

Ação de R$ 155 bi

O Estado do Espírito Santo, juntamente com o Ministério Público Federal (MPF), ingressou, simultaneamente, com outra ação, requerendo ao Juízo Federal da 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Minas Gerais, a inclusão do Estado como parte requerente em uma ação civil pública já existente, impetrada pelo MPF, em 2016, no valor de R$ 155 bilhões. Nela, é requerida a reparação integral, por parte das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, dos danos socioeconômicos e ambientais causados pelo crime, o maior do país e um dos maiores do mundo.

Imagem: Manguezal na região de Campo Grande, em São Mateus, é uma das áreas desassistidas pela Renova. Foto: Eliane Balke

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