Organizações apresentam documento com estratégias para proteção do bioma; devastação piorou na gestão Bolsonaro
Nara Lacerda, Brasil de Fato
Organizações que compõem a Rede Cerrado atualizaram um documento destinado a candidatos e candidatas à presidência que traz ações urgentes e essenciais para proteção do bioma.
A lista de recomendações já havia sido apresentada em 2018, mas diante dos retrocessos nas políticas ambientais ao longo do governo de Jair Bolsonaro novas ameaças surgiram.
Katia Favilla, secretária executiva da Rede Cerrado, explica que as propostas se inserem na campanha Vote pelo Cerrado, que tenta mobilizar a população para a escolha de representantes com propostas de conservação do ecossistema.
“Essa campanha não tem nenhum partido político específico, é uma campanha de votos pelo cerrado, no sentido de que o cerrado precisa desses votos. Como parte dessa campanha, entendemos que era importante ter esse manifesto político.”
Ela afirma que o documento contextualiza a situação do bioma e traz políticas públicas essenciais para a preservação.
Ainda de acordo com Favilla, de 2018 para cá, não houve nenhum tipo de avanço e o reconhecimento das populações tradicionais é o ponto principal para incentivo à conservação. As regiões mais preservadas são justamente as que abrigam povos tradicionais, que praticam agricultura familiar e sustentável.
“Nada foi feito, muito pelo contrário. Temos hoje um contexto pior do que em 2018. Reeditamos esse documento no sentido de olhar para as propostas. Fizemos algumas modificações, algumas propostas novas, mas o âmbito continua exatamente o mesmo. As organizações da Rede Cerrado têm plena convicção de que, enquanto não tivermos os territórios tradicionais reconhecidos, demarcados e protegidos, vai ser mais difícil que tenhamos a conservação do cerrado, os direitos dos povos garantidos e os produtos da biodiversidade fortes e com mercado garantido.”
Mais da metade da área do cerrado já não é mais nativa e foi convertida, principalmente, para pecuária e agricultura. Em 98% dos casos de desmatamento foram identificadas ilegalidades. Mesmo quando há autorização de órgãos ambientais, a devastação representa violações a direitos humanos e à legislação ambiental.
A expansão agrícola vem acompanhada de aumento da violência e ataques a comunidades tradicionais que já ocupavam a região. Além disso, áreas sensíveis para proteção da biodiversidade e de recursos hídricos são fortemente impactadas pelo avanço do agronegócio.
O cerrado abriga oito das doze regiões hidrográficas brasileiras. O abastecimento da maior parte das bacias do território nacional depende diretamente do bioma, onde se localizam três dos principais aquíferos do país.
De acordo com a Rede Cerrado, pesquisas apontam que a devastação já causa reflexos na oferta de água limpa, com diminuição da vazão dos rios e modificação do regime de chuvas. A disponibilidade do recurso para irrigação, abastecimento, consumo humano e animal, geração de energia e outras práticas está cada vez mais comprometida.
Katia Favilla ressalta que a falta de diálogo e de informações ao longo da gestão de Jair Bolsonaro dificultou, de forma “agressiva”, a participação e o acompanhamento das políticas públicas para solução desse cenário.
Com o resultado das eleições, as organizações de defesa do bioma esperam a retomada da participação popular no debate. “Esperamos voltar a um processo de participação ativa e de escuta aos povos do cerrado. De construção e execução de políticas públicas a partir dessa escuta”, afirma Favilla.
Além das garantias territoriais às populações tradicionais, o documento traz outras propostas que as entidades consideram essenciais e urgentes. Entre elas estão a regularização fundiária e a estruturação de Unidades de Conservação.
A Rede Cerrado cita ainda a consolidação da Política Nacional de Manejo Integrado e Adaptativo, Prevenção e Controle do Fogo, e mudanças legislativas, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que considera o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais.
O documento aborda a necessidade de zerar o desmatamento e de recuperar áreas degradadas, “por meio da restauração ecológica inclusiva do Cerrado”, com geração de benefícios ambientais, sociais e econômicos. A meta é restaurar 6 milhões de hectares de vegetação nativa.
“Temos muitas esperanças, do verbo esperançar. Temos conversado com os povos e construído formas de fazer com que isso aconteça. Nesses últimos anos meio nebulosos que passamos, não deixamos de fazer essa consulta e essa construção coletiva com os povos do cerrado. O que esperamos é que, agora, estejamos cada vez mais fortalecidos e que consigamos nesse processo uma retomada da democracia plena e ter um processo maior de cobrança, participação e acompanhamento”, conclui Favilla.
Edição: Nicolau Soares
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Foto: Agência Fapesp