A angústia de meu neto ao telefone. Por Luiz Eduardo Soares

Em meio à contagem de votos, recebo a ligação: “E agora, vô? O que será desse país? O que fazer?” A comunicação é difícil e ambos estávamos muito comovidos. Mas ele estava na rua… e seu desespero se converteu em minha esperança

Outras Palavras

Este relato é uma homenagem a meu neto Antonio Tostes, cujo desespero me devolveu a esperança. Dia 2 de outubro, noite cerrada, contagem de votos apertada, TVs, internet, celulares conectados, decepções aos borbotões, a família reunida em torno da fogueira das ilusões, abismada ante o risco de que se fechasse sobre nós a boca do inferno. E a procura em zigue-zague de explicações e perspectivas. Perto do desfecho melancólico, a ligação do neto. Antonio estava na praça, preparando a festa. Ficar em casa numa noite dessas é coisa de velho. Ele precisava de todo espaço do mundo e mais algumas léguas porque o futuro é imenso. Vô, ele diz, e agora, vô, o que aconteceu, vô, o que tá acontecendo, o que será desse país, o que nós vamos fazer, como é possível isso, não consigo mudar a cabeça de alguém que prefere isso, vô, ninguém consegue mostrar a realidade a quem não quer ver. E agora, vô? O que é que a gente vai fazer? Vô, fala a verdade: a gente ainda tem alguma chance?

Olha, Antonio, eu comecei a responder como se soubesse responder, mas ele atalhou: mesmo que a gente ganhe, vô, vai ser impossível governar, como é que se governa um país de loucos, um país imaginário habitado por lunáticos. Pois é, eu tentei retomar a iniciativa, veja só, vamos começar dividindo o problema, porque se a gente tentar pensar tudo junto, de uma vez só, fica mais complicado. Uma coisa é o segundo turno. Dá pra ganhar, estamos na frente, seis milhões de votos não são pouca coisa, embora eles tenham a máquina federal e de estados chave, como Rio e Minas. Mas dá, é só não desanimar e… Mas vô, ele disse, o que vai ser desse país? A Amazônia não aguenta mais, as florestas tão virando cinza, o aquecimento vai superar dois graus, o que é vivo vai morrer, vô, não vai dar tempo. Antonio, eu tentei recomeçar, vamos ganhar o segundo turno e a política ambiental vai sofrer uma revolução. Vô, as pessoas estão com fome e ninguém tá nem aí pros povos da floresta e pras florestas, não vai dar tempo. Eu falei mais alto: Antonio, se você diz que não dá mais tempo, então está resolvido, porque se não há nada a fazer, nada há a fazer. A gente não pode pensar assim. Vamos ganhar e depois pensar em como mudar a cabeça das pessoas, essa é outra questão que não se resolve em eleições nem depende só de governos, Antonio. Mas vô, vô, e agora?

A ligação caiu. O sinal estava muito ruim. No final, eu ouvia pouco o que ele dizia, as frases chegavam picotadas. Ele não escutava o que eu falava. A ligação caiu. Ele estava profundamente comovido. Eu estava profundamente comovido. Impotente para confortá-lo, ouvindo menos do que deveria, falando sem ser ouvido, e tudo, afinal, foi sintomático: palavras truncadas, interlocução turbulenta, imprecisões, babel, aquecimento global incendiando o coração. Entretanto, nossa angústia era a mesma, nossa perplexidade com o país era comum, nossa inconformidade com o desastre era uma só, nossa indignação era a mesma. Antonio teme o apocalipse climático e a tragédia social, e minha geração continua impotente e cúmplice, mas eu terminei a noite com a emoção da voz de meu neto soprando a boa nova de que ele continuava na praça, onde o futuro é imenso.

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