Somente, em 2021, 3.424 Escolas do Campo foram fechadas, o que demonstra a negação do direito a educação pública pelo governo federal para a população do campo. Com Bolsonaro educação foi uma das áreas com maior corte no orçamento
Por Solange Engelmann, na Página do MST
Os avanços de investimentos públicos na área da educação brasileira durante os governos Lula e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), tiveram um retrocesso gigantesco pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). O Ministério da Educação (MEC), juntamente com a pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação, e da Saúde, foram as áreas com a maior redução de recursos, desviados em sua maior, para o orçamento secreto.
Uma análise de dados divulgados pelo MEC, aponta que a verba federal destinada a todo o ensino superior em 2021 pelo Governo Bolsonaro foi de R$ 5,5 bilhões, menos da metade dos R$ 14,4 bilhões reservados para as universidades públicas em 2014, no primeiro governo Lula (PT).
Na soma entre os dois mandatos do ex-presidente Lula e Dilma, a educação superior teve a maior expansão de sua história, com a criação de 18 novas universidades e 178 novos campi em 295 municípios. O resultado dessas políticas fez com que as matrículas no ensino superior passassem de 3,52 milhões em 2002 para 8,03 milhões de matrículas em 2015.
Já Bolsonaro, somente neste ano, cortou R$ 2,39 bilhões da educação e 1, 7 bilhões da Ciência, Tecnologia e Inovações e destinou para o orçamento secreto, segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. O corte foi anunciado em 30 de setembro, às vésperas do primeiro turno das eleições, por meio do Decreto 11.216/2022.
De acordo com uma análise do Centro de Estudos Sou Ciência, divulgada no início de setembro, o Governo Bolsonaro reduziu em 94% os investimentos destinados às universidades federais nos últimos quatros anos. Também é importante relembrar, que durante a pandemia da Covid-19 Bolsonaro vetou o acesso à internet banda larga até 2024 para alunos mais pobres. Retirando dos estudantes mais pobres o direito à educação pública e/ou abandonando a um acesso precário durante toda a pandemia.
Caso Bolsonaro continue na presidência, a situação da educação deve piorar ainda mais no país, com novos cortes de recursos previstos para o próximo ano, que afetam também a educação básica. Conforme, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), do orçamento de 2023, encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional, os maiores cortes são na Educação Infantil, com a projeção de R$ 5 bilhões para o ano que vem, uma redução de 96% em, se comparado ao ano de 2021. Outo corte será na Educação de Jovens e Adultos (EJA), com previsão de R$ 16,8 bilhões para 2023, um corte drástico de 56% em relação a 2021.
Nesse contexto, a manutenção de Bolsonaro no poder representa um projeto de mais destruição de direitos, com o aumento das desigualdades sociais, da fome, da falta de moradia, da miséria e da violência, bem como de asfixia no desenvolvimento social, educacional, cultural, cientifico e tecnológico do país. Como já anunciado no orçamento de 2023, não haverá espaço para políticas públicas e o desenvolvimento humano, entre as prioridades de seu governo, constata Valter Leite, do Coletivo Nacional de Educação do MST
“Sem dúvidas, será um período de muita luta para os povos do campo, das águas e das florestas para manutenção das escolas do campo, pois o modo violento que o projeto do agro – hidro – minero-negócio avança nos territórios camponeses, indígenas e quilombolas aprofunda as relações de exploração do trabalho, de concentração fundiária, de desigualdades sociais, destruição ambiental e de expulsão dos povos tradicionais de seus territórios. Está política agrária impacta diretamente não só no fechamento das Escolas do Campo, mas na própria existência destas comunidades”, alerta Valter.
Impactos nas Escolas do Campo
Além dos cortes na educação, até este ano, que precarizou ainda mais as condições e o funcionamento das Escolas do Campo, em assentamentos e acampamentos nas áreas da Reforma Agrária pelo país, o novo corte previstos para 2023 na Educação Infantil e EJA amplia drasticamente os impactos negativos e coloca em risco o direito ao acesso à educação pública para a população rural, garantido na Constituição de 1988.
Um estudo e levantamento realizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Rural na Amazônia (GEPERUAZ) e o Censo Escolar do INEP, constatou que 104.385 Escolas do Campo foram fechadas nos últimos 21 anos no Brasil. E somente, em 2021, foram 3.424 Escolas do Campo fechadas, o que se traduz na negação do direito a educação pública pelo governo federal para a população do campo.
Além disso, as Escolas do Campo que ainda resistem enfrentam uma defasagem na merenda escolar, em relação ao financiamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que não tem reajuste desde 2017. Nesse cenário, desde 2017 os recursos para alimentação escolar não acompanham a inflação da cesta básica que tem crescido muito no país. E para piorar em agosto de 2022, o Governo Bolsonaro vetou o reajuste do valor repassado aos estados e municípios, aprovado pelo Congresso Nacional para a alimentação escolar.
Com Bolsonaro, as escolas públicas brasileira vivem hoje um cenário crítico em relação à qualidade da refeição oferecida aos estudantes. O que é grave, pois para milhares de crianças e jovens a alimentação escolar é a única ou principal refeição acessível, principalmente do contexto de crises, em que mais de 33 milhões de brasileiros passam fome, conforme levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
Nesse contexto, Valter explica que é importante deixar claro que diante do desmonte da educação pública, Bolsonaro comete crime contra os direitos inalienáveis como a educação e o alimento, o que afeta drasticamente o aprendizado de milhares de crianças e jovens, que passam a ter maiores dificuldades na aprendizagem e até abandonam a escola, ampliando o abandono escolar, como vem denunciando a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Na tentativa de amenizar a defasagem na merenda escolar, Valter relata que as Escolas do Campo nas áreas de Reforma Agrária tem recorrido à alternativa de doações pela comunidades para garantir a alimentação dos estudantes. “Muitas escolas do campo nas áreas de Reforma Agrária, como forma de qualificar a alimentação escolar e resistir perante ao caos do financiamento da alimentação escolar, utilizam de práticas de complementação da alimentação escolar, por meio de doações das produções realizadas pelas comunidades e até mesmo produzindo nas hortas escolares”.
Pronera
Em relação ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 24 anos de funcionamento, ofertou 499 cursos em parceria com 94 instituições de ensino, atendendo 186.734 beneficiários, desde a EJA até programas de pós-graduação, contribuindo na democratização da educação para as populações do campo; Bolsonaro extinguiu a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, responsável pela gestão do programa, promoveu vários ataques e uma drástica redução orçamentária, que interrompeu e inviabilizou o funcionamento de vários cursos.
Valter denúncia que a intensificação dos ataques ao Pronera pelo governo federal tem como objetivo inviabilizar sua existência pela falta de financiamento e impedir a realização de dezenas de cursos aprovados com Institutos Federais, Universidades Estaduais e Federais que não são viabilizados devido ao bloqueio financeiro.
“Isso expressa uma prática deliberada de Bolsonaro de negação do acesso à educação superior. O maior impacto tem sido na dificuldade de manutenção dos cursos em andamento, às vezes, sem recursos para alimentação e estádia, conforme ocorrido com curso de Enfermagem, ofertado pela Unioeste, em Foz do Iguaçu no PR, situação que gerou a necessidade de buscar doações. Mas graças a organização coletiva dos sujeitos envolvidos nos cursos constituímos alternativas para superar e não abrir mão da conquista dos cursos”, pontua.
Para enfrentar os ataques, bloqueios e buscar a realização de alguns cursos pelo programa, o integrante do Coletivo Nacional de Educação do MST, argumenta que o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC) tem construído alternativas de resistência e manutenção do Pronera, buscando também formas de financiamento, com o apoio de setores do poder público, como a destinação de emendas orçamentárias para a recomposição do orçamento do programa.
Porém, mesmo com todos os cortes na educação, o MST ao longos dos 38 anos de luta tem se engajado na luta pela educação pública e de qualidade como área prioritária. E desde a sua origem desenvolve processos educativos e incluiu como prioridade a luta pela universalização do direito à escola pública de qualidade social, da infância à universidade. Diante desse processo constante de luta até o momento o MST conquistou a construção de mais de 2 mil escolas públicas em assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, garantindo o acesso à educação para 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos, alfabetizando 50 mil adultos, além de possibilitar a formação de 2 mil estudantes em cursos técnicos e superiores e técnicos e criando mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades públicas e institutos federais por todo país.
Desmonte da educação
A partir do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, tem se intensificado a destruição e diminuição do Estado, com a retirada de um conjunto de direitos e o avanço de um projeto neoliberal. Isso tem ampliado as formas de mercantilização, privatização e precarização da educação. Projeto é aprofundado pelo Governo Bolsonaro, que elegeu a educação como inimiga e trabalha pela sua precarização e desmonte, com cortes no financiamento da educação, ciência e tecnologia e cultura, para agradar sua base social conservadora e neoliberal.
“Esse projeto se manifesta de distintas formas na educação, seja na definição do que se ensina, ou no financiamento que impacta o conjunto das escolas públicas. Ou seja, os cortes das verbas voltadas para educação pelo Governo Bolsonaro integram um projeto de eliminação das bases científicas do conhecimento, pois é concebida pelo bolsonarismo como entrave às práticas do conservadorismo e fundamentalismo religioso, que domina e opera o Estado brasileiro nos últimos quatro anos”, analisa Valter.
Neste cenário, os impactos nas Escolas do Campo se traduzem na intensificação da criminalização dessas escolas e ampliação das desigualdades às populações do campo, como explica Valter. Já que antes mesmo de assumir a presidência, Bolsonaro já criminalizava e perseguia as Escolas do Campo, localizadas em áreas de Reforma Agrária, devido ao seu alinhamento ao projeto de destruição do agronegócio.
“Os principais retrocessos são na formação de professores, na redução de verbas para reforma e construção de escolas, fechamento de escolas, e ainda muitas escolas que funcionam em estruturas improvisadas pelas comunidades. No que diz respeito ao acesso à internet e a tecnologia a maioria das Escolas do Campo não possuem laboratórios de informática e nem internet com estabilidade, o que evidenciou durante a pandemia da Covid-19 uma situação de extrema gravidade da exclusão tecnológica escolar e ameaça aos direitos, nas escola do campo, das águas e das florestas.”
Acesso à educação pública no campo depende da vitória de Lula!
No cenário de crises e cortes de investimentos na educação pública brasileira, perseguição e intensificação de ataques ao conhecimento, à ciência, tecnologia, cultura e às Escolas do Campo; o acesso do direito à educação pública e de qualidade no campo, seu desenvolvimento e futuro dos povos do campo, das águas e das florestas nos seus territórios, depende da derrota de Bolsonaro e de seu projeto de morte e destruição nestas eleições.
Diante disso, Valter reafirma a importância e a necessidade de eleger Lula presidente, no próximo dia 30 de outubro, para ser possível seguir na construção de um projeto para o campo brasileiro, em que o ser humano e a natureza estejam no centro. E que se coloque o campo com seus povos e comunidades, como um lugar de vida, produção de alimentos saudáveis e educação emancipadora, não de produção de commodities para exportação pelo modelo de destruição do agronegócio.
Lula expressa a abertura para o diálogo em prol da construção e fortalecimento de políticas públicas em que o desenvolvimento nacional, à soberania, à cidadania e à efetivação dos direitos humanos serão prioridades. Não temos ilusão que com Lula Presidente teremos fáceis conquistas, será um governo em disputa, mas com ampla possibilidade de avançarmos na agenda de democratização do conhecimento e o desenvolvimento social, cultural, tecnológico e científico no campo e na cidade”, afirma.
Assim, diante da urgência na retomada de investimentos públicos na Educação do Campo, o Fonec, entidade que o MST faz parte, elaborou uma plataforma da Educação do Campo para ser implementada pelo Governo Lula, para fortalecer e consolidar as políticas públicas de Educação do Campo, desde a Educação Infantil à Educação Superior.
Segundo Valter, a plataforma demonstra como o Governo Lula pode contribuir na melhoria da Educação do Campo, passando pela recomposição orçamentária do Pronera e sua reestruturação política e operacional, que permita seguir com os cursos em andamento, abrir novos cursos e projetos nas diferentes áreas do conhecimento, qualificar as políticas de assistência estudantil, ampliar e fortalecer o orçamento do Pronacampo para qualificar a infra-estrutura das escolas, transporte escolar, acesso à internet e tecnologia e formação continuada. “São propostas que o coletivo da Educação do Campo acredita ser necessário implementar em regime emergencial para a afirmação das Escolas do Campo e o fortalecimento territorial da Reforma Agrária Popular”, conclui.
Para conhecer a Plataforma da Educação do Campo e os detalhes das propostas, acesse AQUI.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Escola Municipal do Campo Trabalho e Saber no assentamento Eli Vive, no Paraná. Foto: José Carlos de Jesus Lisboa