Paulo José Kolberg Bing disse ainda que o artista estava mal vestido e fez o “L” de Lula e “o público se sentiu ultrajado por isso”; ouça aqui
Por Julinho Bittencourt, em Fórum
Circula um áudio nas redes em que o presidente do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre (RS), Paulo José Kolberg Bing (foto), acusa o cantor Seu Jorge, que sofreu racismo no local, de descumprir várias cláusulas do contrato, entre eles não estar vestido de maneira adequada. O presidente insinua ainda que o artista teria fumado maconha no palco.
Bing também afirma no áudio que as acusações de racismo teriam sido coisa da “esquerda que quis criar um incidente“.
“Eu tô bastante chocado com o que está sando na mídia, a gente vê claramente que a esquerda quis criar um incidente com relação a esse show. Fiquei chocado com o jeito que o nosso artista, um artista supercompetente, a maneira como ele chegou, porque o material de divulgação que nos forneceram era o Seu Jorge com um terno, uma roupa bem aprazível. Ele chegou com aquele moletom não sei por quê, meio que dissociado ao clima do evento”.
Apologia política
“No contrato que eu fiz com a produtora e com ele ficou bem claro que era vedada qualquer apologia politica durante o show”, disse. “E me parece que, depois, ele fez um sinal político ali, de um “L”, que até está fotografado, documentado. Mas eu preciso ter o contexto disso pra ver de fato quem teria começado”.
O presidente então se refere a mensagens de WhatsApp de “pessoas medíocres”, mas, segundo ele, “pessoas maiores estão querendo tirar um aproveitamento político do episódio, a maneira como eles retratam, o União e a nós como 100% brancos”. A seguir, ele afirma que “nós escolhemos um artista negro, já mostra por aí que não tem preconceito nenhum”.
Bing disse que o público se sentiu ultrajado pelo “gesto político” de Seu Jorge. “Foi uma falta de decoro dele com o público, da maneira como ele veio trajado que não era adequado para um artista e, depois disso, fumado no palco, e me disseram que era uma outra substância”, insinuou.
Lenio Streck
Logo a seguir, o presidente se refere ao jurista Lenio Streck, do Grupo Prerrogativas, como “um desqualificado, falando bobagem. É um advogado ai de esquerda que se acha renomado, falando bobagem, falando de racismo”.
“Eu tô pensando em acionar as cláusulas do contrato em relação ao nosso artista e usar os meios legais para processar os difamadores esse episódio e não entrar nessa polêmica de dizer blá blá blá agora”, exclama.
Ao final, o presidente diz que o caso está apenas nas redes sociais e não nas grandes mídias”. Momentos depois, o caso de racismo envolvendo Seu Jorge estourou em todo o país
Lenio responde
O jurista Lenio Lestereck comentou para a Fórum os ataques feitos pelo presidente do clube: “Serei muito elegante. Alguém como eu, jurista mais citado na América Latina em artigos científicos e que dialoga, no debate público, como os altos Tribunais da República, não deve e não pode descer ao nível das ofensas pessoais como fez o presidente do Clube, advogado Paulo Bing”, ironizou.
“Triste. Muito feio isso, como se diz na minha terra”, prosseguiu. “Creio que ele deve estar arrependido, uma vez que postou o áudio no ‘calor do incêndio’. Ele apostou na velha tese ‘mate o mensageiro’. Horas depois vimos que o que ocorreu foi efetivamente grave. Os jornais relatam testemunhos de quem esteve lá. Há até vídeos que estão sendo examinados pela polícia. E o vídeo do próprio Seu Jorge, indignado com o tratamento que recebeu”, afirma.
Lenio diz esperar “que o advogado Bing se retrate para que eu não precise processá-lo. Simples assim. Sempre estarei ao lado da dignidade da pessoa humana. Contra o racismo. E contra discriminações de qualquer tipo”.
Seu Jorge postou vídeo
Seu Jorge postou na noite desta segunda-feira (17), um vídeo de quase dez minutos, com a bandeira do estado do Rio Grande do Sul ao fundo, em seu canal o YouTube, em que comenta pela primeira vez sobre os ataques racistas sofridos durante apresentação em Porto Alegre na última sexta-feira (14).
“O que eu presenciei foi muito ódio gratuito e muita grosseria racista”, disse o cantor. “Particularmente, não vi nenhuma pessoa negra no jantar. E as pessoas negras que eu encontrei foram somente os funcionários que, uma coisa que me causou muita espécie, eu ouvi dizer que eles estavam proibidos de olhar pra mim ou falar comigo quando eu chegasse no local do show”, falou.
“Ao povo negro do Rio Grande do Sul e de toda a região do Sul, quero dizer que amo todos vocês, e admiro, respeito. E digo também que estamos mais unidos do que nunca e que vamos vencer essa guerra que segrega o nosso povo à miséria e à falta de oportunidade no Brasil”, exaltou.
Seu Jorge também agradeceu o apoio que recebeu de fãs porto-alegrenses e de outras partes do país. “Não era a cidade que eu reconheci a cidade que eu comecei a amar e respeitar. Não era a cidade que eu conhecia”, afirmou. O cantor também se dirigiu durante sua fala à população negra do RS.
Relembre o caso
Os ataques racistas ocorreram logo após o final do show, quando Seu Jorge e sua banda se preparavam para fazer o bis:
“Começaram a gritar ‘mais um, mais um’, mas, logo em seguida, alguns sons de ‘uh, uh’. Primeiro, eu pensei que estavam vaiando. E já parecia estranho pra mim uma pessoa num show começar a vaiar. Depois, eu vi que eram movimentos de macaco. Cheguei a ouvir ‘negro vagabundo, vagabundo’ e, depois, pessoas gritando ‘mito, mito'”, disse uma pessoa que estava no evento e prefere não ser identificada.
Investigação
Um inquérito por racismo foi instaurado na Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância. A delegada Andréa Mattos, afirmou:
“A polícia decidiu fazer isso em virtude das inúmeras denúncias que estão chegando até nós e claro, de tudo que está nas redes sociais. Óbvio que só com desenrolar das investigações, nós teremos confirmação de que houve o delito de racismo e não de injúria”, afirmou.
A delegada disse ainda que vai pedir ao clube imagens do evento:
“Estamos entregando hoje [segunda] um ofício ao clube para que ele nos forneça as imagens do show. Porque daí sim teremos condições de começar a identificar as pessoas. Chamaremos algumas testemunhas para que nos auxiliem na identificação”, comentou Mattos.
O vereador de Porto Alegre e deputado estadual eleito, Leonel Radde (PT), pediu através de sua conta do Twiter que quem tiver imagens do ataque racista a Seu Jorge que, por favor, envie a ele. Veja abaixo:
Após o áudio, em que faz acusações ao artista, Paulo Bing soltou uma nota bem mais amena em que afirma que o caso será apurado. Veja abaixo:
Nota do Grêmio Náutico União
O Grêmio Náutico União está apurando internamente os fatos ocorridos em evento realizado no dia 14 de outubro, durante apresentação do cantor Seu Jorge. Se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados. Afirmamos que o União, seguindo seu Estatuto e compromisso com associados e sociedade, repudia qualquer tipo de discriminação.
Ressaltamos que Seu Jorge foi o artista escolhido para realizar show com a presença de associados e não-associados do Clube, considerando sua representatividade na cultura nacional e pelo reconhecimento internacional, e destacamos nosso respeito ao profissional e ao seu trabalho.
Paulo José Kolberg Bing
Presidente
Grêmio Náutico União
A Fórum entrou em contado com o clube Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, para que o presidente Paulo Bing comentasse o áudio, mas não obteve resposta até o fechamento dessa reportagem.
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Paulo José Kolberg Bing.Créditos: Reprodução de Vídeo