Eugênio Bucci: ‘democracias sólidas têm regulação forte da comunicação’

Para professor de jornalismo, Brasil precisa regular concentração de poder e coibir confusão entre igreja, partido e meios de comunicação

por PEDRO ALEXANDRE SANCHES, em Opera Mundi

A falta de regulação atual, democrática e moderna dos meios de comunicação causa um déficit democrático ao Brasil, na opinião do jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. “As democracias sólidas têm uma regulação muito forte da comunicação”, observou ele em conversa com o jornalista Breno Altman, no programa 20 MINUTOS desta terça-feira (08/11).

Esse déficit traz riscos concretos à democracia brasileira, como ficou evidente nas eleições presidenciais que se encerraram com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. “No conjunto, a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a eleição de 2022 no Brasil. Havia um ataque feroz, pesado, articulado com setores do poder, contra as urnas eletrônicas e por extensão a própria instituição da eleição democrática”, avalia Bucci. “Temos visto atos em que pessoas recebem a Polícia Rodoviária Federal a bala. O que justifica esse tipo de ataque contra uma decisão democrática dos eleitores? Vai ficando muito claro o caráter do movimento em curso, que é contra a democracia”.

Para ele, o Brasil precisa regular prioritariamente a fusão informal que se estabeleceu entre igreja, meios de comunicação e partidos políticos. “Na democracia, não podemos ter uma igreja ou um grupo de igrejas com claros interesses partidários e ao mesmo tempo claros interesses no campo da radiodifusão”, argumenta. “Se há vasos comunicantes entre essas duas coisas, vira uma confusão que distorce o ambiente democrático”.

A regulação deveria ser estendida às redes sociais e às chamadas “big techs”, transnacionais privadas como Facebook e Google, pelas quais circula toda a informação pública, sem qualquer transparência: “Se é uma praça pública, como disse recentemente Mark Zuckerberg, tem que ter regra pública, e não privada. Isso significa que os critérios do algoritmo precisam ser conhecidos”. O caminho a ser tomado deveria ser a quebra desses monopólios, defende Bucci.

Localmente, a concentração de poder por poucos grupos familiares de comunicação também deveria ser objeto de regulação: “Isso funciona em todos os setores da economia, o Brasil poderia regular também esse setor do mercado de forma mais competente. Se existe concentração de propriedade, existe concentração de poder, e o nível de liberdade é um pouco abaixo do que seria desejado”. Bucci evita caracterizar conglomerados como a Rede Globo como monopólios: “Pode ser que exista uma concentração nacional de audiência ou faturamento publicitário, mas são coisas dentro do ajustável. Tecnicamente não são monopólios”.

Proibidos pela Constituição, os monopólios e oligopólios na área carecem, segundo o professor,  de caracterização precisa, mas também de regulação: “Pode ser que em alguma cidade algum grupo tenha que se desfazer de parte de suas propriedades, e isso será democrático. Mas não pode ser uma bandeira de esquerda, como às vezes fica parecendo que é, e nem parte de um discurso de ódio. No governo Bolsonaro, se falou muito contra a Rede Globo, de forma injusta. Considero o termo ‘Globo lixo’ ofensivo. Lembra um termo do nazismo alemão, ‘lügenpresse’, algo como imprensa mentirosa”.

Questionado por Altman sobre o comportamento dos meios hegemônicos de comunicação diante da Operação Lava Jato, Bucci respondeu que pode ter havido falha técnica na cobertura: “Tenho elementos para acreditar que, em geral, houve uma falha técnica de procedimento, que foi tomar as informações vindas da força-tarefa como se fossem isentas, desprovidas de qualquer interesse”. A hipótese de que a cobertura da operação tenha sido editorializada politicamente para prejudicar os governos do PT precisa ser testada cientificamente, segundo ele.

“Todo governo briga com a imprensa, mas o que distingue um governo do outro é a forma como briga”, conceitua o professor, ao abordar as tensões entre o poder político e os meios de comunicação. “Nunca ouvimos de integrantes dos governos do PT uma fala sobre fechar a imprensa, nem vimos agressões contra jornalistas mulheres. O que caracteriza o governo com propensão autoritária é que ele pede o fim da imprensa”.

Altman pediu uma avaliação sobre o tratamento dado pelos meios hegemônicos ao governo Bolsonaro. “Na minha avaliação, trataram corretamente o governo Bolsonaro. A Folha de S. Paulo, por exemplo, está designando os atos pós-eleição como antidemocráticos ou golpistas. No meu modo de ver esse adjetivo não é opinativo, é factual. São claramente atos contra o resultado da eleição, que pedem ruptura da ordem democrática”, respondeu Bucci. “Remando contra a maré, a imprensa cumpriu o seu papel. Quem foi muito mal nesse período não foi a imprensa, foi o governo Bolsonaro”.

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