Trabalho do grupo trouxe à tona ausência de dados do atual governo e preocupações com situação da vacinação
Cristiane Sampaio, Brasil de Fato
O grupo técnico (GT) que cuida da área de Saúde na equipe de transição de governo trouxe à tona, nesta sexta-feira (25), uma série de preocupações dos aliados de Lula (PT) em relação ao panorama de dados do Ministério da Saúde (MS) e outros apontamentos sobre problemas gerados pela gestão Bolsonaro. Após reunião com o Tribunal de Contas da União (TCU), o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão disse que há “uma série de evidências e que apontam para possíveis crimes”.
A declaração foi dada depois de o GT mencionar o documento final produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, ocorrida no Senado durante a pandemia. “O primeiro ponto [da reunião] foi referente à análise pelo tribunal de dados do relatório da CPI que estão em processamento. Existe uma série de evidências e documentações que apontam pra crimes, omissões, pra situações extremamente graves, e nós vamos, então, ter acesso a esses relatórios.”
Outro aspecto abordado pelo grupo com o TCU foi a solicitação para ter acesso a um relatório do tribunal que trata das Organizações Sociais de Saúde (OSS), instituições filantrópicas do terceiro setor que gerenciam serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de parcerias. Temporão disse que há atualmente mais de mil contratos dessa natureza no país e todos eles operam sem regulamentação, com os próprios municípios definindo critérios, modus operandi, entre outras coisas.
“O TCU fez uma análise sobre isso e deverá fazer correções e recomendações de adequação dessa situação”, disse, ao sugerir que a equipe do novo governo pretende se basear nesse direcionamento a ser dado pela Corte de contas.
O terceiro ponto considerado de relevância pela equipe diz respeito aos hospitais federais localizados no estado do Rio de Janeiro.
“Vivemos uma situação extremamente grave de degradação, sucateamento, fechamento de leitos. Milhares de contratos vencem agora em dezembro e estamos sendo procurados pelos sindicatos de trabalhadores extremamente angustiados com essa situação. Lembrando que, durante a pandemia, essa rede federal, que teria sido fundamental retaguarda pra leitos de terapia intensiva, se omitiu completamente, não participou da oferta de serviços. Então, temos um caso específico no Rio de Janeiro de extrema gravidade e o TCU nos dará insumos, informações que terão desdobramentos importantes a seguir”, disse o ex-ministro.
Informações
Temporão destacou ainda a preocupação com a falta de informações importantes por conta da política de sigilo de Bolsonaro. Dados sobre estoques, por exemplo, estão classificados como “reservados” e por isso não são públicos. O caso foi parar no TCU, onde hoje corre um processo sobre assunto. A Corte estimava, em junho deste ano, que o MS poderia perder até 28 milhões de doses da vacina até agosto, por exemplo. Isso daria um prejuízo de R$ 1,2 bilhão aos cofres, além dos danos causados à saúde coletiva. Atualmente a previsão mudou e os técnicos do tribunal estipulam que o dano pode chegar a R$ 2 bilhões.
“Acreditem, mas o Ministério da Saúde estabeleceu sigilo [sobre isso]. O ministro, inclusive, na audiência conosco, argumentou que os órgãos de controle têm acesso a essas informações. Sim, mas os gestores não têm e a sociedade não tem. Não há transparência. Não é uma postura republicana. O TCU está fazendo toda essa análise sobre cronograma de entrega, processos de compra e essa questão do sigilo dos estoques”, afirmou Temporão.
Diagnóstico
Assim como os demais GTs da transição, a equipe trabalha atualmente no levantamento de informações que irão compor o relatório final do grupo. A ideia é diagnosticar a situação da saúde para melhor informar o futuro governo. Para isso, foram feitas até agora 12 reuniões de trabalho com várias instituições e atores.
Segundo o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, foram ouvidos partidos políticos, indígenas, lideranças médicas, especialistas de alcance nacional e internacional, secretários estaduais e municipais de Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Tribunal de Contas da União (TCU) e ainda o complexo econômico e industrial da área de saúde, que inclui laboratórios, universidades, entre outros atores. O sanitarista explicou que o diagnóstico da equipe se baseia em “três domínios”.
“O primeiro se compõe a partir dos sistemas de informação da área da saúde. Entretanto, um dos graves problemas que a gente tem é que vive hoje uma crise nos sistemas de informação. Há uma insegurança cibernética que vem acompanhando os sistemas nacionais de informação, por isso há um grau de imprecisão muito importante e é por isso que o segundo domínio de informações vem da escuta desses diferentes segmentos da sociedade”, afirmou Chioro, destacando a importância do diálogo com esses grupos.
Já o terceiro ponto, segundo ele, vem do conjunto de requisições que estão sendo feitas pelo GT a partir de demandas que a coordenação da transição colocou e de novos dados que estão sendo solicitados pela equipe na área da saúde.
“Essa dinâmica de trabalho é exatamente pra cumprir essa determinação que nós recebemos e que consideramos muito importante de abrir um espaço com a sociedade. O que a gente mais tem ouvido de todos os setores é: ‘Poxa, finalmente voltou a ter diálogo, voltamos a ser ouvidos’. É impressionante, mas as pessoas começam e gastam uma parte do tempo das audiências valorizando a retomada do diálogo”, destacou Chioro.
Pandemia
Já o senador Humberto Costa (PT-PE) manifestou a preocupação do governo de transição com a situação atual da pandemia. Os números relativos à covid estão crescendo no país, ao mesmo tempo em que a cobertura vacinal segue sem atingir as metas necessárias ao controle das infecções.
“Nós estamos vivendo o início de uma possível nova onda. Estamos perto de 690 mil mortes e casos que são conhecidos são 35 milhões, mas, especialmente neste momento, em que as pessoas estão fazendo testagem diretamente nas farmácias, é bem provável que esse número esteja crescendo de uma forma significativa sem notificação. A situação de ontem foi de 102 mortes em 24 horas e a média móvel de mortes ficou na faixa de 73”, resumiu Costa.
No tocante à imunização, o senador lembrou que o processo está aquém do desejado em todas as faixas etárias. “Para as crianças de 6 meses a 2 anos, [segmento] que tem uma população estimada em 6 milhões de crianças, foram distribuídas apenas 1 milhão de doses pra vacinar crianças com comorbidade. E o DataSUS não tem registro dos dados dessa vacinação. Então, nós estamos meio às cegas: temos 1 milhão distribuídas e nem sabemos se foram aplicadas”, exemplificou.
O cenário tem provocado a equipe a pensar quais medidas serão tomadas. “Mas, se a gente tivesse que escolher uma, seria a de pedir ao governo [Bolsonaro] que imediatamente reforçasse a vacinação em todas as faixas etárias, inclusive com a vacina bivalente”, frisou Humberto Costa.
Chioro disse que faltou planejamento e organização da gestão do ex-capitão para combater a pandemia, que vive ciclos periódicos de infecção em massa, e para controlar outras doenças por meio da vacinação regular. “Não é possível esperar 1º de janeiro pra que medidas sejam tomadas. Medidas precisam ser tomadas imediatamente. Soubemos que o ministro [Marcelo Queiroga] convocou o comitê técnico de assessoramente do Programa Nacional de Imunização (PNI) pra quarta-feira. Vejam, aquilo que ocorrerá em 2023 só agora o comitê vai se reunir [pra tratar]”, criticou.
Segundo o ex-ministro, a equipe de Lula irá se reunir com o comitê do PNI na próxima terça (29) para fazer recomendações. “Nós não somos governo, mas entendemos que é fundamental que essas decisões sejam tomadas”, disse, ao destacar a preocupação com quedas na cobertura vacinal de imunizantes como os da BCG e da poliomelite.
Edição: Nicolau Soares
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Imagem: Ex-ministro Temporão esteve a frente do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia do H1N1 – Agência Brasil