Por Danielle Monteiro, Informe Ensp
Esta sexta-feira (25/11) é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. A data foi criada pela Campanha UNiTE, iniciativa da Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) lançada em 2008, que visa prevenir e eliminar as agressões contra mulheres, convocando uma ação global para conscientizar a população. O fenômeno da violência contra a mulher é complexo, multicausal e envolve uma série de fatores. O medo faz muitas se calarem e não denunciarem o agressor. Já outras decidem dar um passo adiante e registram um boletim de ocorrência. Mas que fatores incentivam essas mulheres a romperem com o ciclo de violência e irem à delegacia fazer a queixa? A dissertação de mestrado profissional em Direitos Humanos, Justiça e Saúde: Gênero e Sexualidade da ENSP, defendida por Fernanda Araújo, buscou responder a essa pergunta. O estudo revelou que a motivação que leva a mulher a denunciar o agressor não inicia a partir do último episódio de violência. Na verdade, conforme apontam os resultados, há todo um contexto e ciclos de violências constituídos ao longo da vida da mulher nessa situação, que impactam em seu processo de decisão.
“O fenômeno da violência contra a mulher envolve diversos elementos que repercutem na vida delas. Nossa sociedade é arraigada por atravessamentos históricos, religiosos, culturais, sociais, políticos e econômicos que influenciam nas relações sociais. Como também permeada por uma cultura machista, patriarcal, sexista, heteronormativa e binária, que estrutura relações de poder e hierarquias, gerando desigualdades e privilégios”, explica Fernanda.
Para o estudo, foram entrevistadas 15 mulheres, na faixa etária entre 18 e 59 anos, em situação de violência física, que realizaram o registro de ocorrência em uma delegacia policial e foram encaminhadas para realizar o exame de corpo de delito na Sala Lilás IML em junho desse ano, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados apontaram que as principais motivações para a denúncia ao agressor foram: medo de feminicídio; intensidade da agressão física; desrespeito; filho(a); apoio familiar; humilhações; para o agressor ser advertido; experiência de outros relacionamentos agressivos; e vontade de ser independente.
A pesquisa também mapeou o perfil sociodemográfico das entrevistadas, indicando predominância de mulheres cisgênero, negras, heterossexuais, casadas/união estável, com mais de dez anos de estudos, com rendimento de até 1 salário mínimo, com faixa etária entre 20 e 39 anos, religião cristã, residentes em área formal e em moradia alugada. “Pode-se dizer que o grupo entre 20 e 29 anos, especialmente, é mais suscetível a sofrer violência física. Esta faixa etária está em plena idade reprodutiva e economicamente ativa. As agressões sofridas são graves e impossibilitam o exercício de suas atividades laborativas, elas necessitam de cuidados de saúde e afastamento de atividades”, afirma Fernanda.
Todas as mulheres entrevistadas informaram a reincidência dos atos violentos durante o seu relacionamento com o agressor. “As mulheres negras, especialmente, suportam situações de opressão de forma interseccional, agregam as violências decorrentes de preconceitos raciais, de classe e orientação sexual”, analisa a autora da dissertação.
Apesar de o estudo indicar predominância de mulheres casadas ou com união estável, a situação de violência contra a mulher independe de sua condição de estado civil ou situação conjugal, conforme observa Fernanda: “Os agressores foram pessoas do convívio familiar, podendo tanto ser namorado, ex-namorado, companheiro, ex-companheiro, quanto irmãs, entre outros”.
Segundo a autora do estudo, os dados ajudam a se pensar em estratégias para o enfrentamento do problema social e a promover práticas para melhorias na qualidade do atendimento. Também auxiliam na elaboração de estratégias de intervenção, para a assistência, enfrentamento, prevenção e garantias de direitos, conforme preconizado na Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
A pesquisa ainda apontou diversas contribuições do Projeto Sala Lilás, como parte integrante da rede de enfrentamento à violência contra a mulher. A iniciativa é fruto da soma de esforços dos serviços de justiça, segurança pública e saúde do estado e município do Rio de Janeiro. De acordo com dados do Dossiê Mulher 2021, no estado, ocorreram 98.681 casos de violência contra mulheres em 2020. Destes, 34,7% aconteceram na capital.
O projeto foi criado para proporcionar um atendimento mais humanizado e qualificado a mulheres em situação de violência que necessitam realizar o exame de corpo de delito após a realização do registro de ocorrência na delegacia. “O ambiente confortável, respeitoso e de escuta qualificada da Sala Lilás promove a possibilidade de a mulher expressar seus sentimentos, suas angustias e suas frustações, sem julgamentos morais. As intervenções realizadas no local atuam na desconstrução de paradigmas machistas e patriarcais. As profissionais são qualificadas a realizar o acolhimento entendendo a multiplicidades de fatores que atravessam a realidade da mulher, possibilitando realizar reflexões sobre as repercussões do fenômeno da violência, que atravessam sua realidade”, explica Fernanda. Ela conta que, no projeto, a mulher é vista como uma pessoa em situação de violência e não como vítima. “Isso possibilita uma abordagem a partir do protagonismo e da autonomia, evitando intervenções paternalistas, tuteladas e engessadas às crenças do profissional. Reflete, orienta e encaminha a mulher para acessar os serviços que garantam seus direitos à saúde, assistência social, justiça e educação”, afirma.
As orientações concedidas à mulher em situação de violência no projeto Sala Lilás sugerem estratégias de segurança, evitando, assim, novas agressões, conforme explica Fernanda: “Ao proporcionar espaço de fala e compreender a realidade da mulher, são detectadas situações de vulnerabilidades sociais, que geram elementos de análise para se recomendar um plano de cuidado e apoio”.
A autora da dissertação acredita que, para o enfrentamento da violência contra a mulher, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas que provoquem mudanças culturais, educativas e sociais, atentas aos reflexos de outros elementos que vão além das questões relacionadas a gênero, como as categorias raça/etnia e classe. “O desenvolvimento de políticas públicas necessita intervir de forma transversal e intersetorial, atingindo as ações desenvolvidas nas políticas de saúde, educação, trabalho e renda, cultura, assistência social, segurança pública, justiça, entre outras, para atuar na desconstrução da cultura machista e patriarcal que gera desigualdades de gênero e social. Como também contribuir na integralidade das ações de assistência a mulheres em situação de violência”, conclui.
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Imagem: Apufpr SSind.