A carta é dirigida ao presidente Lula, a quem os Avá Guarani do oeste do Paraná pedem reparação por roubo de terras e prejuízos à memória Guarani, bem como a garantia à alimentação tradicional
O encontro intitulado “A importância do Tembi’u Poro’y para os Avá-Guarani” realizado entre os dias 26 e 27 de novembro, reuniu lideranças e organizações indígenas Guarani com intuito de propor políticas para uma alimentação mais saudável e consonante aos costumes tradicionais. Os Avá-Guarani têm encontrado dificuldades para se alimentar conforme seus costumes e acessar a terra para produzir seus próprios alimentos.
A principal queixa advinda do encontro é de que as cestas básicas e os alimentos servidos na merenda escolar não atendem suas necessidades físicas e espirituais. Osmarina de Oliveira, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, que acompanhou o encontro, relata que “a maioria dos alimentos que vem para as escolas indígenas são enlatados e as crianças não comem esses alimentos”, sendo muitos deles desperdiçados.
“A maioria dos alimentos que vem para as escolas indígenas são enlatados e as crianças não comem esses alimentos”
O Tembiú Piro`y, como assim os Avá-Guarani chamam a comida fresca, é um pressuposto da alimentação desse povo, a qual só se faz possível por meio da produção de seu próprio alimento. Não à toa, o direito à alimentação dessas comunidades passa pela demanda de demarcação do território Guarani, sendo sua reivindicação condição fundamental para produção de alimentos saudáveis e próprios da dieta tradicional, específicas do modo de vida dos Avá-Guarani.
Durante o encontro, foram tiradas três cartas direcionadas a pessoas e entidades distintas: uma dirigida ao presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, o “Nhanderamoi Lula da Silva”, “nosso avô, nosso sábio” como assim o chamam na língua Guarani; outra ao governador do estado do Paraná e uma terceira ao Ministério Público Federal (MPF).
“O direito à alimentação dessas comunidades passa pela demanda de demarcação do território Guarani”
Na carta encaminhada ao presidente eleito Lula, a questão alimentar e a reparação pelo esbulho do território Guarani aparecem destacadas em seu conteúdo. Na Comissão Guarani da Verdade, membros desse povo constataram por meio de relatos de seus antepassados, que na década de 1970 suas terras foram roubadas e entregues a invasores. “Assim aconteceu no Ocoy/Jacutinga, quando ateavam fogo nas nossas casas, no Guarani Kue quando o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] simplesmente pegou nossa terra demarcada e entregou aos colonos e, em vários outros lugares”, denunciam as lideranças que assinam a carta. Já no início da década de 1980, “veio a Itaipu e alagou as nossas terras. Os últimos espaços que restavam na beira do rio Paraná viraram um imenso lago, nunca fomos reparados”, denunciam.
No documento escrito por lideranças Guarani do oeste do Paraná, o pedido por reparação se soma a reivindicação por soberania alimentar e alimentação saudável, uma demanda que tem como base política, o direito à demarcação de suas terras. “Queremos agregar que precisamos de alimentos saudáveis, aquilo que chamamos de Tembiú Piro`y (comida fresca) e para isso queremos o direito de produzir nossa própria comida, mas para isso precisamos de terra. Nosso povo está sem terra e assim não conseguimos viver”, conclama representantes do povo Avá-Guarani.
Mas, enquanto não há demarcação, se exige uma maior discussão do governo federal junto a lideranças quanto ao conteúdo das cestas básicas ofertadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). “Porque precisamos de alimentos adequados ao nosso bem estar físico e espiritual”, afirmam na carta. Além de linhas de créditos que os apoiem na produção de suas roças e alimentos.
“Precisamos de alimentos adequados ao nosso bem estar físico e espiritual”
Outras cartas
Na carta enviada ao governador do Paraná, Carlos Roberto Massa Júnior – o Ratinho – as lideranças Guarani reivindicam a construção de escolas em áreas não demarcadas e abordam a questão da alimentação das crianças em ambiente escolar. Elas destacam a importância de uma melhor adequação da merenda ao costume alimentar indígena, uma vez que “o excesso de alimentos industrializados [vindos na cesta] modifica o paladar além de introduzir uma quantidade grande de químicos no organismo de nossos filhos”. Nesse sentido, é proposto ao governo do Paraná que, onde se tenha produção, se adquira produtos da própria comunidade.
Já na carta encaminhada ao MPF, os representantes Guarani reclamam uma audiência pública a fim de discutir o novo modelo de organização e atendimento do Ministério Público do estado. A mudança na forma de atendimento às demandas das comunidades da região tem causado prejuízos à população Guarani que tem tido dificuldade de acessar a instituição em situações de denúncia.
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No encontro as lideranças retomaram a Comissão da Verdade Guarani, e escolheram os seus membros. Foto: Osmarina de Oliveira /Cimi